Em meio a crise, Santa Casa enfrenta troca de acusações entre dirigentes
Conselheiros propõem renúncia coletiva e atacam direção, que nega irregularidades e aponta fim de gestão como motivador de ataques
Em meio às dificuldades financeiras constantes no maior hospital de Mato Grosso do Sul, divisões internas chegaram ao comando da ABCG (Associação Beneficente de Campo Grande), a mantenedora da Santa Casa. A renúncia de dois conselheiros, sucedida de expulsões do quadro de associados, veio acompanhada de acusações como falta de transparência e nepotismo e questionamentos sobre a destinação de recursos arrecadados pela unidade de saúde, que amarga dívidas na casa dos R$ 200 milhões e convive com ameaças constantes de greve de funcionários.
Em resposta, o atual presidente da instituição, Esacheu Nascimento, rejeitou as acusações e questionou a origem das denúncias, as quais atribui ao término de sua gestão. A associação realizará eleições em novembro.
A ABCG é uma entidade filantrópica de direito privado, que há décadas responde pela maior unidade de saúde do Estado, tanto na rede particular como, principalmente, na pública –os atrasos em repasses do SUS (Sistema Único de Saúde), por meio da Secretaria Municipal de Saúde, são constantemente atrelados a problemas financeiros. No campo privado, neste ano, a Santa Casa rompeu seu contrato com a Unimed, que responderia por 30% a até 50% da demanda de setores como o recém-reformado Prontomed.
A situação mais recente envolve carta encaminhada em 11 de junho pelos então conselheiros Jesus Alfredo Sulzer e Wilson Levi Teslenco, na qual propõem a renúncia imediata da atual diretoria executiva e conselhos, com antecipação da eleição, prevista para novembro, do corpo diretivo da ABCG.
Sulzer e Teslenco – este ex-presidente da Santa Casa – já anteciparam na mesma carta sua renúncia aos cargos no conselho. Ela veio alicerçada por 13 tópicos nos quais veem comprometimento das finanças e da ordenança do hospital, “que o empurram para o cada vez mais iminente risco de colapso total da Santa Casa e ao fim de sua histórica atuação filantrópica”.
Denúncias – As críticas começam com alegações sobre falta de transparência sobre as contas do hospital, antes divulgadas em um link de transparência no site da associação e se estendem à prática de nepotismo, na qual a diretora clínica do hospital é casada com o presidente do Conselho Fiscal –respectivamente Ana Tereza Alcântara e Nasser Mustafá, gerando dúvidas sobre a fiscalização das contas.
Também são apontados fatos como excesso de contratações, havendo hoje mais de 3 mil colaboradores na Santa Casa, falta de informação sobre terceirizações e da dívida, que estimaram estar acima dos R$ 250 milhões –número contestado pela atual administração. Uso de recursos de doações para a construção de espaço de lazer, academia ao ar livre, de um ponto de ônibus e plantio de palmeiras exóticas também são listados.
As críticas prosseguem, envolvendo o rompimento do contrato com a Unimed, renúncia de conselheiros (fato que “chama a atenção e causa apreensão”) e extinção de comitês com a participação de associados. Por fim, a carta de Sulzer e Teslenco ainda aponta perseguição a conselheiros –Irapuã dos Santos, que foi ao MPF (Ministério Público Federal) cobrar dados sobre contratos, acabou excluído do quadro de associados– e comportamento incompatível de um funcionário, acusado de agressão contra uma mulher.
Após a apresentação da carta, Teslenco também foi expulso do quadro associativo da ABCG, fato por ele confirmado ao Campo Grande News, quando ele também reforçou críticas sobre a postura da atual presidência. “Na gestão de algo público é inadmissível a falta de transparência”, pontuou.
Resposta – A reportagem não conseguiu contatar o presidente Esacheu Nascimento, que cumpria compromissos em Brasília nesta sexta-feira. A assessoria, porém, expediu nota na qual rebateu as acusações dos ex-conselheiros relatando que, “como da vez anterior” a gestão atual da ABCG é alvo de denúncias no fim da gestão, negando irregularidades.
Sobre as acusações de Irapuã, afirma que foram submetidas ao Conselho Fiscal e à Comissão de Ética, não apontando irregularidades ou desvios de conduta. A nota confirma que o agora ex-conselheiro foi excluído do quadro de associados da Santa Casa.
O presidente também afirma que todos os atos de gestão são discutidos no Conselho de Administração da Santa Casa e que o antigo site da instituição só trazia contratos vencidos para “fazer volume” –e que o novo sistema foi elaborado para fornecer contratos e convênios em vigência para análise “de quem quer que seja”.
Ele ainda reagiu às acusações de nepotismo, afirmando que a diretora clínica integra os quadros do hospital desde 2012 via seleção (embora a nomeação para o outro cargo interno seja posterior) e que Nassar só se tronou associado da ABCG depois. Quanto ao apontamento de agressão contra um conselheiro, afirmou que se trata de ato “da esfera íntima e particular” do mesmo.
Esacheu ainda negou perseguição a conselheiros e destacou que o número de funcionários, hoje, é o mesmo de quando terminou a intervenção no hospital, cerca de 3 mil. Ele afirma ter em mãos estudos que permitiriam a demissão de um terço da atual força de trabalho, faltando, para isso, R$ 26 milhões para pagar as indenizações.
Finanças – Quanto a dívida da Santa Casa, Esacheu afirma estar na casa dos R$ 145 milhões com bancos e de R$ 40 milhões com fornecedores e tributos. “A dívida com médicos autônomos está dentro dos limites de créditos em atraso a receber do município e do Estado”, pontuou. O presidente negou que tenham ocorrido desvios com recursos arrecadados pelo hospital para o custeio de outras obras, alegando que os fundos têm destinação específica.
A nota ainda afirma que o setor privado do hospital fatura mais de R$ 5 milhões ao mês, e pontuou que o contrato com a Unimed teria sido suspenso na gestão anterior e, na retomada, teve valores impostos “em um contrato altamente prejudicial à Santa Casa”. As negociações para renovação não surtiram resultado.
O desmonte dos conselhos, por seu turno, foram justificados pelo uso eleitoral das estruturas –previstas como temporários no estatuto do hospital. Esacheu ainda avaliou a renúncia de conselheiros como fruto de “interesses particulares”.
A nota do presidente da Santa Casa ainda afirma que o estatuto da instituição proíbe associados ativos de participarem da gestão de outro hospital ou entidade congênere e cobra justificativas para ausência dos conselheiros a reuniões. Esacheu complementou apontando que as dificuldades financeiras se fazem presente em todos os hospitais do país, em uma relação prejudicial entre o governo e as instituições de saúde.