Falta de estrutura de conselhos é problema que se arrasta há anos
Ampliação da rede de atendimento e até mesmo veículos vieram após atuação da Justiça
A estrutura da rede de atendimento às crianças e adolescentes entrou no foco das atenções no começo deste ano diante de casos graves de violência, mas não é de hoje que há problemas sendo apontados em busca de solução. No caso dos Conselhos Tutelares, desde 2018 a prefeitura é cobrada em juízo a oferecer infraestrutura, já tendo sido forçada a instalar novas unidades, com imposição de multa diária e levar puxão de orelha pela precariedade em um serviço essencial para a proteção dos direitos.
Quando o Ministério Público ingressou com uma ação civil pública, a cidade contava com três conselhos (Centro, Norte e Sul) e uma população de mais de 850 mil habitantes, estrutura insuficiente diante da recomendação do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) de existência de uma unidade a cada grupo de cem mil habitantes. Atualmente, a cidade se aproxima de 1 milhão de habitantes e fala-se na necessidade de haver dez conselhos.
A ação de 2018 chegou acompanhada de inquérito civil, que reuniu imagens e informações da deficiência no atendimento às crianças. Os conselhos têm um papel essencial na rede de proteção aos direitos, que inclui a atuação em situações de suspeita de violência, ausência de serviços ou violação de direitos assegurados, como acesso ao ensino e à saúde.
Com a evidência da precariedade, a juíza Katy Braun do Prado, da Vara da Infância, da Adolescência e do Idoso, concedeu liminar no final daquele ano, determinando à Administração Municipal a implantação de mais três conselhos em um prazo de 60 dias e impondo multa de R$ 5 mil por dia de descumprimento, até o limite de R$ 200 mil.
Junto com a imposição, a magistrada fez uma série de apontamentos, para destacar a prioridade absoluta que a infância deve merecer do poder público, tratando-se de “especialíssima área”. Segundo ela, a falta de estrutura causava “violência (ao menos moral e psíquica) às crianças e aos adolescentes que necessitam da atuação do Conselho Tutelar, expostos que são (ao menos em tese) a toda sorte de desamparo por aquele Órgão, que integra e constitui peça fundamental à rede de proteção.”
Ela fez constar que a ação narrava “uma série de apontadas violações aos direitos das crianças e dos adolescentes, violações estas, se realmente existentes e comprovadas, são dignas de reprimenda imediata por acarretar o desamparo às crianças e aos adolescentes”.
Quando saiu a decisão, já havia a criação por lei de mais dois conselhos (Bandeira e Lagoa), mas pendentes de implantação. A Prefeitura chegou a levar o caso ao TJ (Tribunal de Justiça) por meio de um agravo, relatado pelo desembargador Alexandre Bastos.
Em uma reunião realizada em novembro daquele ano, numa tentativa de conciliação no TJ, a prefeitura reconheceu que precisava investir na infraestrutura dos três conselhos existentes e a implantação dos outros dois criados. Foi apresentado um cronograma, encaminhados documentos demonstrando a aquisição de materiais e veículos para as unidades de locação de imóvel.
A solução negociada não avançou porque o Ministério Público apontou descumprimento de obrigações assumidas. Após receber dados de inspeção, que apontou “gritante deficiência estrutural”, Bastos acabou por rejeitar o agravo, o que foi seguido pelos demais desembargadores.
A ação tramita em segredo de Justiça. Além da medida concedida, para a criação de três novos conselhos, o MP pediu que seja determinada à prefeitura a aquisição de dois veículos para cada unidade e criação de infraestrutura, que só devem ser analisadas na sentença.
Os conselhos tutelares atualmente contam com um veículo cada. Entre o ano passado e o começo deste ano, dois novos carros foram entregues para completar a frota. Também foi preciso a Justiça determinar a aquisição.
Cada conselho tem cinco representantes, que são eleitos pela sociedade a cada 4 anos, e eles precisam se revezar para usar o único automóvel, para ir a atendimentos e averiguações na comunidade, encaminhar procedimentos.
Diante dos debates recentes sobre o aperfeiçoamento da rede de atendimento, após a morte de uma criança de 2 anos por violência doméstica, a reportagem ouviu relatos sobre precariedade em instalações, desde a falta de crédito em aparelhos celulares e de material para impressão. Até mesmo no site da prefeitura há dados desatualizados sobre a localização e telefones dos conselhos. O serviço é vinculado à Secretaria de Assistência Social. A reportagem tentou obter informações na prefeitura sobre a manutenção dos conselhos, mas não obteve resposta.
Escolha de novos conselheiros - Este ano terá eleição para os conselhos. Podem participar candidatos habilitados em uma prova de conhecimento que é conduzida pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, responsável por organizar o pleito. Lei municipal determina que só podem concorrer pessoas maiores de 21 anos e com formação superior, possibilitada uma recondução.
Na última escolha, menos de 4% do eleitorado - 20,3 mil pessoas – foram às urnas no primeiro domingo de outubro, o que foi considerado um número recorde. Para o CMDCA fica o desafio para convocar as pessoas para a eleição, em um ano em que os profissionais começaram o ano no centro dos debates.