Conselho Tutelar vira alvo, mas Capital tem metade da estrutura que deveria
Campo Grande tem cinco unidades e a mais antiga enfrenta quadro de abandono visível
A morte de uma menina de 2 anos e sete meses no último dia 26 de janeiro se tornou uma “ferida aberta” na rede de proteção à infância e muitos dedos em riste se levantaram contra o Conselho Tutelar, inegavelmente o elo mais fraco numa corrente que inclui Polícia Civil, Ministério Público e Poder Judiciário. Contudo, o outro lado da moeda é que o Conselho Tutelar tem metade da estrutura numérica para atender uma cidade de 916 mil habitantes. São cinco unidades, mas deveriam ser dez.
De acordo com o presidente da Acetems (Associação dos Conselheiros Tutelares de Mato Grosso do Sul), Adriano Vargas, resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente prevê um conselho a cada cem mil habitantes.
Diante da incontornável tragédia da menina, que chegou morta à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Coronel Antonino, teve vereador cobrando que o Conselho Tutelar tivesse retirado a guarda da criança da mãe, presa pelo crime junto com o marido, apesar dessa medida ser atribuição do Poder Judiciário. Mas se os parlamentares decidissem também a sair das redes sociais para conhecer a estrutura de atendimento, encontrariam um quadro de muitas dificuldades.
No primeiro Conselho Tutelar criado em Campo Grande, que atende no Bairro Aero Rancho, o mais populoso da cidade, o público é recebido por setas indicativas com direção a seguir e um alerta: “cuidado! grade solta, por favor não se apoiar”. No trajeto, estruturas caídas não deixam dúvidas sobre a validade do aviso.
Com a chuva forte da manhã desta segunda-feira (dia 13), parte da água da chuva escorria por filete de água no piso da área externa. Ao cenário, acrescente cadeiras velhas e rasgadas. Na parte interna, os funcionários não contam com ar condicionado. Nos dias ensolarados, o aquecimento da estrutura metálica faz com que servidores passem mal.
Pelo imóvel antigo na Rua Arquiteto Vilanova Artigas, passou metade dos 40 mil atendimentos registrados pelos cinco conselhos tutelares de Campo Grande nos últimos três anos.
A explicação está no adensamento populacional com chegada tanto de condomínios legais como favelas e a vulnerabilidade social encontrada na região do Anhanduizinho, que inclui bairros como Los Angeles, Centro Oeste, Centenário e Alves Pereira.
Nem mesmo a criação do Conselho Tutelar do Bandeira, região que abarca Moreninhas (segunda mais populosa da Capital), Universitário, Tiradentes e Maria Aparecida Pedrossian, conseguiu alterar o volume de atendimentos.
“Levantou-se um clamor em relação ao Conselho Tutelar, mas ninguém aqui está brincando de trabalhar”, diz Vargas.
A maior procura é de pais em busca em vagas nas escolas e creches, atendimento médico para os filhos e também casos de drogadição, quando os responsáveis pelos menores de idade são usuários de drogas. Também há quem bata na porta em busca de comida, o que leva o conselho acionar a pasta de Assistência Social.
Cada Conselho Tutelar tem cinco conselheiros, um carro e celulares funcionais. A remuneração é de R$ 5.400 por mês e o cargo exige dedicação exclusiva.
O atendimento segue horário comercial de segunda a sexta-feira (7h30 às 11h e das 13h às 17h30), com plantão à noite e fim de semana. Porém, não há atendimento especializado da Polícia Civil fora do horário comercial.
“A delegacia especializada só funciona durante horário normal e durante a semana. Porém, as ocorrências acontecem no seio familiar, quando a família está junto, que é à noite e aos fins de semanas. Se chega uma ocorrência no plantão, acaba indo para uma Depac, onde tem tráfico, homicídio, latrocínio”, diz Vargas.
A rede de proteção também inclui agentes de Saúde e assistência social, que são acionados para manter visitas frequentes às famílias quando há denúncias. “Muitas vezes, o atendimento do Conselho Tutelar é pontual, quem vai fazer o atendimento sistemático com a família é a rede. A gente é um órgão muito mais de meio do que de fim”, afirma o conselheiro.
"Não tenho condições" – A diarista Zayne Kaliwp, 23 anos, mora no Jardim Centenário e buscou atendimento pela primeira vez no Conselho Tutelar do Aero Rancho nesta segunda-feira. Mãe de duas meninas, de 4 anos e outra de 10 meses, ela tenta vaga para as crianças na Emei (Escola Municipal de Educação Infantil).
Ela conta que precisa trabalhar e não tem onde deixar as filhas. Por dia, a babá custa R$ 100, sendo R$ 50 por cada criança. “Não tenho condições”.