Falta de perspectiva dos guarani-kaiowá põe MS na liderança de suicídios no país
Jovens preferem tirar a própria vida do que continuar enfrentando realidade de direitos negados
“Por que estou vivendo, se vou continuar sofrendo?”, afirma a liderança jovem da Aty Guasu, entidade kaiowá, Janio Kaiowá, 25 anos. Ele já pensou algumas vezes em tirar a própria vida. Faria parte do que chama de “infeliz ranking de suicídio indígena”.
Os dados confirmados em uma pesquisa da Fiocruz põem Mato Grosso do Sul como líder de ocorrência desse tipo de morte. Só neste ano, das 32 aldeias guarani-kaiowá, foram registrados 30 suicídios de jovens indígenas de 10 a 24 anos.
Os números são 2,5 vezes maiores do que entre não indígenas. Dentre os motivos apontados pelo estudo estão pobreza, fatores históricos e culturais, baixos indicadores de bem-estar, desintegração das famílias, vulnerabilidade social e falta de sentido da vida e do futuro.
“Estamos mapeando nos últimos anos e constatamos que esse número tem aumentando. Tudo porque enfrentamos a pior situação que existe. Perseguição, confinamento, intolerância religiosa. Muitas aldeias não tem políticas públicas voltada para a base e juventude, muitos estão na rodovia, sem acesso a direitos básicos. Toda essa carga de humilhação, preconceito, genocídio leva a isso”, justifica Janio.
O não reconhecimento de suas terras e o abuso de substâncias como álcool e drogas também incrementam esses fatores. “Temos uma relação muito forte com o território. Sentimos saudade de como era no passado. Sem perspectiva, os jovens cometem o suicídio para não ver a família sofrer”.
Fome, miséria e até mesmo a falta de água. Direitos básicos negados e pedidos de socorro sem resposta. “Não tem esperança de vida. E sofremos muito preconceito. O racismo dói na alma, mais que uma agressão”.
Entre 2000 e 2019, 39,4% dos assassinatos de indígenas no Brasil aconteceram em Mato Grosso do Sul, segundo o estudo do ISA (Instituto Socioambiental). O Estado também concentrou a maioria dos casos de suicídio: 63,7%.
Das poucas vezes que há atendimento sobre o assunto, são feitas panfletagens no mês de setembro e atendimentos psicológicos que não compreendem a dinâmica da cultura e a importância da espiritualidade.
“Perdemos nossos pilares que nos mantém. Somos espiritualistas e os ‘jaras’ que são aqueles que nos cuidam não conseguem mais olhar para a gente. Nossa alma se apaga. Motivo não falta para cometer suicídio”, lamentou.
Das aldeias, a que tem maior índice de óbitos desse tipo é a aldeia de Amambai, na fronteira com o Paraguai. Só neste ano, oito jovens decidiram tirar a própria vida. “Lá há confinamento e problemas territoriais. Os ataques do ano passado deixaram os jovens com sequelas de tiros e não houve acompanhamento com psicólogo. Mas vou continuar lutando para retomar a alegria que temos. Espero que um dia meu povo seja feliz, respeitado do jeito que é. Ainda somos muito invisibilizados”.
Em nota, a Aty Guasu denunciou o ‘descaso no combate a desesperança da juventude’. “Sem território e sem políticas públicas para a juventude, sem estrutura e incentivo aos estudos e sem que se abra, nesta sociedade racista de Mato Grosso do Sul, possibilidades de futuro, nossos jovens são um mercado barato para os exploradores de nossos territórios, cana de açúcar, agroindústrias, trabalho escravo, lavouras. Precisamos estruturar com a retomada dos Conselhos e da democracia a discussão de políticas para nossos jovens”.
A reportagem procurou uma posição do Ministério dos Povos Indígenas que respondeu após quatro dias de contato. A pasta afrimou que tem acompanhado com preocupação a situação do Guaranis Kaiowá no Estado do Mato Grosso do Sul e demais comunidades Guaranis que enfrentam situações de vulnerabilidades psicossocial e social de pessoas indígenas.
"Para atender as comunidades na prevenção do suicídio, o Ministério dos Povos Indígenas tem um grupo de trabalho instituído entre FUNAI e SESAI para implementação de uma portaria Interministerial a fim de institui um Grupo de Trabalho para formulação do Programa de Atenção Psicossocial e Bem Viver junto aos povos Indígenas. As comunidades Guaranis Kaiowás serão as primeiras a receberem os programas dado os altos índices apresentados em nossos estudos", destacou a nota da assessoria de imprensa.
Já o subsecretário de Assuntos Indígenas de Mato Grosso do Sul, Fernando Souza, explicou que tem feito uma análise ampla do conjunto das situações. "Os casos ocorrem mais em comunidades de confinamento, quando há uma superpopulação em um local minúsculo os números de suicídio são piores. Ou seja, o problema passa pela demarcação dos territórios, que cabe a União. Estamos buscando uma atuação em rede para dar condições minímas. Mas são ações paliativas para minimizar a situação. Não tendo demarcação, vamos continuar a enxugar gelo", ponderou.
Ele acredita que o único caminho para resolver o problema seja a educação. Hoje são 6 mil indígenas atendidos pelo Estado. No próximo mês será lançado a qualificação de mão de obra, com cursos escolhidos pelos lideres dos territórios. Também há a previsão de construção de 912 unidades habitacionais e ampliação de mais quatro unidades de polícia comunitária até o final deste ano, além das seis existentes.
Procure ajuda - Em Campo Grande, o GAV (Grupo Amor Vida) presta apoio emocional gratuito a pessoas em crise por meio de atendimento telefônico pelo número 0800 750 5554. Ligue sempre que precisar! O horário de funcionamento é das 7h às 23h, inclusive sábados, domingos e feriados.
Vítimas de depressão e demais transtornos psicológicos podem também buscar ajuda em escolas-clínicas de Psicologia, no Núcleo de Saúde Mental, CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) ou pelos telefones 141 e 188 CVV (Centro de Valorização da Vida), 190 da PM e 193 dos Bombeiros, que ajudam pacientes a romper o silêncio.
*Matéria atualizada às 15h do dia 23/10 para acréscimo de resposta.
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News.