Família da 1ª vítima da covid ainda vive luto e tenta superar exposição
O trauma pela morte de Eleuzi Silva Nascimento virou rotina assim como as mais de 4,2 mil mortes depois
Cada morte pela covid-19 carrega consigo um drama insuperável. Fazer parte da família da 1ª pessoa a morrer pela doença tão temida, e outrora algo tão distante, traz, no entanto, traumas mais difíceis de transpor. O dolorido luto vem com adicional do preconceito e da superexposição com os quais a família de Eleuzi Silva Nascimento tenta conviver um ano e 4.219 mortes depois.
Moradora do município de Batayporã, distante 313 quilômetros de Campo Grande, a idosa, de 64 anos, foi a primeira a ter a morte confirmada por covid-19 em Mato Grosso do Sul. O óbito revelou despreparo de vários setores em lidar com a situação de forma menos alarmante e mais sensível.
Sem querer aparecer, a família revela o descontentamento com a exposição na época. A crítica vai desde a postura dos profissionais de saúde, acusados de vazarem dados da vítima, e de parentes mais próximos, até a imprensa, com a divulgação de imagens, por exemplo, do atendimento feito dentro do hospital, além do próprio rosto da mulher.
Os parentes que conseguiram sair ilesos e sobreviver à doença, tiveram de lidar com o escrutínio. O endereço divulgado para toda cidade deixou o isolamento necessário para quem teve contato com Eleuzi, ainda mais perturbador. “Nós fomos tratados com tanto desrespeito”, relembra um dos familiares.
Na época, a Secretaria de Saúde divulgou que a moradora de Batayporã teve contato com duas irmãs que viajaram para a Bélgica. Elas não tinham sintomas, mas, uma delas, também testou positivo para o coronavírus. Eleuzi foi diagnosticada com a doença no dia 24 de março. Ela tinha enfisema pulmonar, o que tornou o quadro ainda mais grave.
"A sensação é de enxugar gelo" - Quando a morte de Eleuzi por covid-19 foi confirmada, a cidade de pouco mais de 11 mil habitantes, do leste do Estado, tinha apenas três casos confirmados da doença. Hoje, são 551. Em número de mortes, o município ainda conseguiu manter o controle. Foram 11 até o momento.
O prefeito, Germino Roz (PSDB), reconhece os pontos positivos em relação a prevenção, mas não esconde o cansaço em com o prolongamento da situação. “Melhoramos no que diz respeito às medidas de biossegurança, porém o momento é de alerta devido a situação que vivemos. Há um ano a cidade estava fechada com medo do impacto danoso que a doença poderia causar nas vidas de nossa população. Um ano depois, cá estamos nós, com a cidade praticamente parada novamente. A sensação é de enxugar gelo”.
"A nossa esperança, de fato, é a vacina” - Na avaliação do doutor em infectologia e professor do curso de Medicina da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Everton Lemos, o afrouxamento das medidas de distanciamento social, adotadas no início da pandemia, em março do ano passado, contribuiu para chegarmos a situação de colapso na saúde verificada agora.
“Estamos no pior momento da pandemia em número de confirmações, óbitos, além da falta de leitos. A situação se agravou muito do ano passado para cá. A nossa esperança, de fato, é a vacina”, pontua.
O professor lembra o número de contaminações se intensificou a partir de outubro de 2020. Até o momento, o Estado registra 213.869 e 4.220 óbitos. Ao mesmo tempo que 177 pessoas aguardam na fila por um leito em hospital, Mato Grosso do Sul é o primeiro estado do país e atingir os 10% de imunização.
“A medida que a imunização conseguir alcançar um número considerável, há possibilidade de reduzir a morte, como já ocorreu entre os idosos já vacinados. Não há, no entanto, como ter uma estimativa de quando vamos sair desta situação, afinal temos variantes importantes que podem prolongar a pandemia”, ressalta.