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Cidades

Morta aos 3 anos, Rafaela é prova que falha na proteção de crianças é antiga

Como no recente caso na Capital, mãe e padrasto foram acusados pela morte, mas responderam por maus-tratos

Silvia Frias | 28/05/2023 09:00
Rafaela Dutra de Oliveira Porto morreu aos 3 anos de idade, no Bairro Amambaí. (Foto/Arquivo)
Rafaela Dutra de Oliveira Porto morreu aos 3 anos de idade, no Bairro Amambaí. (Foto/Arquivo)

Há 13 anos, a foto da menina risonha, usando chapéu de bruxinha e com uma abóbora de papel nas mãos, ilustrou reportagens para tratar de caso que terminou em tragédia, em Campo Grande. Rafaela Dutra de Oliveira Porto teria, hoje, 16 anos, mas morreu aos 3 anos e 3 meses de idade, vítima de maus-tratos ocasionados pela mãe e pelo padrasto. Os dois foram julgados e condenados pelo crime.

A sequência que antecedeu a morte de Rafaela apresenta similaridades com o mais recente caso de agressão e morte de criança em Campo Grande e que causou comoção nacional: o da menina de 2 anos e 7 meses, residente na Vila Nasser. Como no outro caso, mãe e padrasto também foram acusados, mas com agravante: pelo laudo, a criança foi agredida e estuprada.

Um dos quartos da casa onde Rafaela morava. (Foto/Reprodução)
Um dos quartos da casa onde Rafaela morava. (Foto/Reprodução)

Rafaela morreu no dia 28 de fevereiro de 2010, depois de ser socorrida na Santa Casa. A menina morava em casa humilde, no Bairro Amambaí, com a mãe, a atendente de padaria Renata Dutra de Oliveira, e o técnico em informática Handerson Cândido Ferreira, à época, com 23 e 26 anos, respectivamente. O casal estava junto havia um ano.

No depoimento de Renata prestado à Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário), naquele dia, por volta das 6h, ela saiu para o trabalho e deixou a criança com Handerson. Cerca de 10 minutos depois, o rapaz apareceu no estabelecimento correndo e gritando: “Venha aqui pelo amor de Deus”.

Na casa, Renata disse ter encontrado a filha desacordada na banheira, caída de costas e suja de vômito. Diz que ligou para o 192, mas Handerson acabou pegando carona até a Santa Casa e que não pôde acompanhá-lo, por não ter sido liberada. Por volta das 9h, foi até o hospital, sendo informada da morte da filha, depois de 30 minutos de tentativa de reanimação.

Banheiro onde menina foi encontrada desacordada. (Foto/Reprodução)
Banheiro onde menina foi encontrada desacordada. (Foto/Reprodução)

Durante a investigação, já conforme a denúncia do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) apresentada no dia 30 de março de 2010, contatou-se que a menina era vítima recorrente de maus-tratos, vista com frequência por vizinhos e familiares com hematomas. O casal, no entanto, dizia que a menina sofria acidentes domésticos.

Um exemplo aconteceu três semanas antes da morte, quando a irmã de Handerson encontrou a menina com rosto inchado e hematomas pelo corpo. Estranhou a versão de queda na banheira e denunciou o caso no Conselho Tutelar. A menina recebeu atendimento e “sendo realizados alguns procedimentos”. No dia 10 de fevereiro, denúncia anônima levou o conselho novamente a casa e a equipe viu Rafaela machucada. Renata contou que a filha caiu da cama e não chorou com medo da zanga materna.

A morte – Na denúncia, consta que, nos dias 25 e 26 de fevereiro, Rafaela foi agredida, sofrendo ferimentos e traumatismo cranioencefálico. Somente foi levada ao médico no dia seguinte, quando foi encontrada desacordada. O primeiro laudo pericial indica que não havia fraturas, mas que sofreu lesão cerebral ocorrida de 24 a 36 horas antes do socorro.

Inicialmente, mãe e o padrasto foram denunciados por homicídio. Os dois confessaram “algumas agressões”, com propósito educativo e corretivo. A defesa contestou a versão de violência intencional.

A defesa relembrou que, na época que foi ouvida pela psicóloga, três semanas antes de morrer, a menina respondeu que se machucou quando estava pulando na cama e caiu, machucando a cabeça.  A defesa também disse que a menina tinha o hábito de se apoiar na beira da banheira para abrir a torneira, o que poderia ter ocorrido, já que a menina foi encontrada dentro da banheira, com a cabeça apoiada na beira, próxima da pia.

Nas alegações finais, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) desclassificou homicídio, optando por oferecer denúncia por maus-tratos, por encontrar indícios que mostraram a falta de zelo com a saúde e os cuidados básicos com Rafaela.

Stephanie e Christina foram denunciados por homicídio e estupro contra menina de 2 anos e 7 meses, filha dela. (Foto/Arquivo)
Stephanie e Christina foram denunciados por homicídio e estupro contra menina de 2 anos e 7 meses, filha dela. (Foto/Arquivo)

Em agosto de 2012, o juiz da 1ª Vara do Tribunal do Júri, Alexandre Tsuyoshi Ito, considerou a avaliação, alterado para maus-tratos, o que retirou os acusados do banco dos réus.

"(...) analisando as provas testemunhal e documental carreada nos autos, verifica-se que não há prova do dolo para a prática do crime noticiado na denúncia (...)". Em outro trecho, diz: “(...) as lesões que resultaram na morte da ofendida, decorreram de um longo processo (...), mas que não há provas contundentes contra os réus".

No dia 9 de abril de 2014, o juiz Carlos Alberto Garcete, na 1ª Vara do Tribunal do Júri, disse que o crime de maus-tratos está comprovado. “(...) resta evidente que os acusados privaram a vítima, uma criança de apenas 3 anos de idade, que estava sob sua guarda, dos cuidados indispensáveis para garantia de sua saúde e integridade física (...)”. A casa estava em condições precárias, inadequadas para a criação de uma criança. “(...) os acusados tinham plena ciência dos vários episódios em que a vítima apareceu com hematomas, os quais seriam principalmente decorrentes de acidentes domésticos, mas mantiveram-se inertes (...)”.

Garcete aplicou a pena definitiva em 5 anos e 4 meses de prisão, em regime semiaberto. As defesas recorreram, mas a condenação foi mantida e transitou em julgado.

A pena começou a contar a partir da prisão dos réus. Renata foi levada ao Estabelecimento Penal Feminino de Regime Semiaberto em Campo Grande no dia 14 de dezembro de 2018. Em 2019, foi para o regime aberto e terminará de cumprir a pena no dia 3 de janeiro de 2024. Hoje, está com 39 anos e trabalha em uma indústria.

Handerson entrou no sistema prisional em 7 de agosto de 2020. Ainda no regime semiaberto, agora, aos 39 anos, passou a ser investigado na Operação Bloodworm, que apura a atuação do Comando Vermelho e ação das lideranças de dentro da Penitenciária Estadual Masculina de Regime Fechado da Gameleira/Unidade II, a “Federalzinha”.

Segundo o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), Handerson passou a integrar a facção, sendo batizado no dia 4 de fevereiro de 2021 por “Cabeça” e “Betinho” e recebendo a alcunha de “Kaveira”.

Apuração – No caso atual, a conduta do sistema de proteção da criança foi questionada e gerou série de ações, como abertura de inquérito no MPMS sobre a conduta do conselho tutelar e debate sobre os atendimentos médicos realizados.

A mãe e padrasto, Stephanie de Jesus da Silva, 24 anos, e Christian Campoçano Leithem, 25 anos, foram acusados por homicídio qualificado e estupro.

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