Municípios de MS que elegeram Bolsonaro têm maior incidência de casos de covid
Foram classificadas cidades com maior porcentagem de votos e comparados, proporcionalmente, casos e mortes
Municípios de Mato Grosso do Sul que em 2018 tiveram maioria de votos em Jair Bolsonaro apresentam média proporcional de casos de covid-19 superior às cidades que registraram menor taxa de votos no atual presidente do País.
A relação foi estudada em pesquisa feita em universidades do Brasil e Canadá, que constatou aumento no risco de infecção em 299% e de mortes, 415%, em comparação com lugares onde ele perdeu eleição. Atualmente o governo é alvo de CPI, que investiga a negligência no combate à pandemia no Brasil.
Ainda conforme o material, as cidades mais bolsonaristas, em que ele obteve mais de 70%, apresentaram aumento de 567% na chance de se infectar e 647% no risco de morrer do que numa cidade onde teve menos de 30% dos votantes.
Especificamente em relação aos 79 municípios sul-mato-grossenses, o cenário é parecido.
No geral, o Estado foi uma das 16 unidades federativas que tiveram maioria de votos em Bolsonaro, e apenas 10 municípios foram mais favoráveis ao candidato rival - Dois Irmãos do Buriti, Itaquiraí, Japorã, Juti, Miranda, Paranhos, Selvíria, Taquarussu, Tacuru e Vicentina.
O Campo Grande News cruzou resultados eleitorais do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a respeito do 2º turno da eleição para presidente em 2018, polarizada entre Jair Bolsonaro (à época, pelo PSL) e Fernando Haddad (PT), com dados sobre a covid-19 disponibilizados pelo Ministério da Saúde.
O resultado, em nível estadual, você confere nos dois gráficos abaixo. Foi somado o total de casos e óbitos pelo coronavírus - divididos entre o grupo de municípios que tiveram maioria de votos no atual presidente e os que tiveram mais votantes no petista - e comparado com o total de habitantes acumulados desses dois conjuntos. Como forma de facilitar a visualização, foi traçada a média móvel semanal de ambos os índices.
Professor e pesquisador em ciência política pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Daniel Estevão de Miranda ressalta que os dados podem indicar uma correlação, mas que se deve ter cautela na análise. "Incidência e mortalidade são dependentes mais das atitudes e decisões dos prefeitos e governadores do que da votação passada no candidato 'x' ou 'y'. Assim, cidades como Araraquara (SP), que fizeram lockdown de verdade e depois implementaram estratégia de testagem em massa, mas focalizada, conseguiram reduzir esses índices".
Ele também menciona que municípios podem receber pacientes de outros lugares, influenciando nessa contabilização dos casos e óbitos. Mato Grosso do Sul, por exemplo, é dividido em quatro macrorregiões de saúde - Campo Grande, Dourados, Três Lagoas e Corumbá, sendo que cada uma pode ter hospitalizados regulados de outros lugares. Ainda assim, conforme diretrizes federais, os dados tendem a ser registrados com base no "município de residência" do indivíduo.
Em relação aos casos, houve maior incidência nos municípios menos favoráveis em meados de agosto e setembro do ano passado. Apesar disso, a partir da primeira semana de outubro, cidades mais alinhadas, em 2018, ao bolsonarismo, registraram maior presença do vírus em pacientes - ou seja, no acumulado proporcional ao total de habitantes, esses municípios foram mais afetados.
O cientista político acredita que pode haver efeito do discurso presidencial, mas pontua outros fatores que dão mais complexidade ao assunto, sobretudo a influência que alguns setores podem ter no desenvolvimento das cidades. "Há um alinhamento entre os setores empresariais, que não querem seus comércios fechados, e o dicurso anti-medidas restritivas de Bolsonaro. A capacidade de pressão e lobby local desses setores eleitoralmente minoritários pode ter muito mais peso do que o resultado majoritário das eleições", comenta.
Por fim, entre os óbitos, houve maior irregularidade, mesmo que a partir de meados de março a proporção de vítimas tenha sido mais evidente nesses lugares que mais elegeram o atual presidente.
Estudo - Intitulado "Efeitos desastrosos de lideranças negacionistas: Evidência da crise da covid-19 no Brasil", o trabalho acadêmico procurou entender como os discursos relativizando e minimizando danos da covid-19 podem influenciar no comportamento da população, sobretudo na falta de adesão ao distanciamento social, uso de máscaras e medidas de higiene, bem como na adoção de tratamentos médicos sem comprovação científica como é o caso da ivermectina ou cloroquina.
Vale ressaltar que a publicação, que analisou os mais de 5,5 mil municípios brasileiros, ainda não foi analisada "por pares" - processo feito com objetivo de validar trabalhos científicos de forma crítica e imparcial por outros pesquisadores da área. O trabalho contou com três pesquisadores - Sandro Cabral, do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) Nobuiuki Ito, do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais) e Leandro Pongeluppe, da Universidade de Toronto, no Canadá.
No artigo, os autores registraram que: “o estudo joga luzes e mostra, metodologicamente, os efeitos do negacionismo dos líderes, particularmente sobre seus próprios apoiadores e seguidores". A análise contabilizou registros de todos os 5.570 municípios brasileiros, durante as primeiras 52 semanas da pandemia, equivalentes a um ano, cruzando com dados do TSE sobre os resultados de 2018 em cada cidade.
Conforme o próprio estudo, outros fatores têm de ser levados em consideração para tentar mensurar maior ou menor risco de infecção como distribuição geográfica, renda e condições sanitárias no geral. Mas, aspectos como a adesão a orientações feitas por lideranças são abordados.
(Matéria atualizada às 9h36 de 6 de maio para acréscimo de informações)