Núcleo reforça projeto “juiz sem face” contra crime organizado e corrupção
Corregedor-Geral de Justiça cria também este ano “Big Brother” do Judiciário, para acompanhar andamento dos processos.
À frente da corregedoria – uma espécie de vigia do judiciário - há dois meses e meio, o corregedor-geral de Justiça de Mato Grosso do Sul, desembargador da 1ª Câmara Cível Sérgio Martins, anuncia a criação do Nuccrim (Núcleo de Apoio ao Combate à Corrupção e ao Crime Organizado). Em entrevista ao lado do juiz auxiliar Cesar Marques, o magistrado explica que a novidade é uma forma de colocar o judiciário em “sintonia” com o Brasil eleito nas urnas, o de Bolsonaro, que promete o fim da corrupção e coloca como prioridade da pauta a segurança pública.
Ao núcleo cabe o apoio e não o combate, faz questão de frisar Martins, que explica que o Nuccrim será uma instância organizadora das varas que julgam esses crimes, promovendo mais rapidez além de uma comunicação e interação mais fortes com as outras instâncias – não só as de combate – que englobam a aplicação da lei sobre a corrupção e as organizações criminosas.
O corregedor anuncia o núcleo como “uma das” novidades da nova gestão e explica que o Nuccrim coloca em prática a lei federal 12.694 de 24 de julho de 2012, que criou o “juiz sem face” nos julgamentos de organizações criminosas, ou seja, deu possibilidade de distribuir o processo para um colegiado de magistrados, ao invés de deixar na mão de apenas um, muitas vezes à mercê de ameaças.
“É evidente que essa questão do crime organizado, do crime transnacional, da corrupção, do combate de corrupção e etc é de interesse nacional, tanto que há uma lei federal, só que, Mato Grosso do Sul vive uma situação peculiar, todos sabemos. Nós temos a questão da corrupção, no Brasil inteiro e temos em Mato Grosso do Sul uma região muito grande de fronteira seca com a instalação já consolidada de organizações criminosas das mais perversas e temos hoje o instrumento legal pra atuar e não só, temos a obrigação de atuar. Então o que a corregedoria pretende fazer, ela pretende, com base nisso, organizar. E qual a forma que achamos de fazer isso? É criando o que vamos chamar de Núcleo de Apoio ao Combate à Corrupção e ao Crime Organizado, chamado Nuccrim”, afirma.
O desembargador cita núcleos criados em outros estados a exemplo de Mato Grosso e afirma que, diferente de MT, Mato Grosso do Sul, na corregedoria, irá apoiar o combate e não fazer parte dele.
“Eu entendo que o judiciário não tem a função de combater, quem tem que combater o crime organizado, a corrupção etc, é a polícia, ministério público, são esses setores. O judiciário não é um órgão que haja na ponta, fazendo isso. Então nós vamos apoiar as ações de combate. De que forma? Através de um núcleo que vai reforçar. Por exemplo, ao invés de eu dar mais estrutura, agir rapidamente para resolver problemas que também são importantes de outros setores esse núcleo vai estar concentrado em agilizar”, explica.
Big Brother do Judiciário – Para que o núcleo aja, o “Big Brother” do Judiciário, novo sistema criado na corregedoria, ajuda a monitorar, com uso de diversas telas, a atividades das varas judiciais da Capital e no interior do Estado. Dessa forma, consegue acompanhar números e tempo nos processos.
“Isso aqui é um protótipo de acompanhamento online, virtual, dos andamentos dos processos em cada vara. Vai estar ligado a tudo da Corregedoria. Eu não tenho nome definitivo ainda, mas o apelido interno é Big Brother. Nós vamos saber o que uma vara ou um juiz está fazendo todo dia na cidade dele. É um sistema de controle. São 8 telas, elas vão girando, então, por exemplo, nesse caso das ações de improbidade. Nós vamos ter a possibilidade de colocar as varas que tratam disso, que podem julgar isso, e vamos acompanhar. Se eu começar a ver que essas ações estão aumentando muito, estão atrasando muito, vou ter que apertar o botão aqui e mandar alguém lá para saber porque está acontecendo isso”, comenta.
Apaixonado pelo futebol e palmeirense o desembargador utiliza da metáfora futebolística para explicar porque o núcleo vai melhorar a atuação do judiciário. “É igual você ter um time de futebol, você tem 11 bons jogadores, você tem que ter um técnico para organizar aquele time para que ele possa jogar bem. Esse núcleo, vai, digamos assim, centralizar e organizar toda a atuação dessas varas de combate à crime organizado, crimes violentos e de corrupção e interagir com os órgãos que fazem o combate direto”, diz, citando delegacias.
“Então esse provimento ou resolução vai estabelecer esse contato, então vamos ter praticamente uma linha direta. Muitas vezes tem que ficar fazendo reunião, ou algum desses setores tem que me procurar ou tem que procurar o juiz, então já vai ter o núcleo, aquele que vai fazer a interface, facilitar muito e vai agilizar muito”, complementa.
Apesar da ênfase no “apoio”, o núcleo é criado em um momento peculiar das instituições brasileiras. No Brasil pós Lava Jato há uma queda de braço entre PGR (Procuradoria –Geral de da República) e STF (Supremo Tribunal Federal), a primeira recebe críticas diversas de “julgar” ao invés de investigar e o último acabou de instaurar inquérito onde os juízes serão, também, as vítimas do crime investigado.
“Cumprindo a Constituição [forma de evitar confusão]. Está lá, o poder judiciário só tem uma função. Ele não pode tomar lado, ou pelo menos não deve, ele é o tertius, tem a acusação, a defesa, tem a investigação que dá base à acusação, e tem a defesa, então o juiz tem que se manter minimamente distanciado dessa questão toda para poder ter isenção na hora de julgar. Então, não há outra forma a não ser cumprindo a Constituição. Por isso entendo que a corregedoria não pode entrar como coparticipe de combate, porque como vamos combater uma coisa que depois a gente vai ter que julgar? E já está prejulgando que aquilo é um crime ou é uma organização criminosa ou é corrupção, se depois vai ter necessidade de decidir se é ou não é? Se ele entrar direto no combate ele já decidiu que é e entrou”, afirma.
O Brasil de Bolsonaro – Um dos objetivos do Núcleo, cita o desembargador, é que o judiciário represente duas faces do Brasil que “clamou” nas urnas, o da corrupção e o do endurecimento da segurança pública. Personificados, lembra o desembargador ao falar de uma reunião, na figura do ministro da Justiça e ex-juiz da Lava Jato, Sérgio Moro.
“E agora se tornou até uma necessidade em função ascensão do ministro Sérgio Moro ao Ministério da Justiça porque ele vem nessa linha, fazendo essa linha, escolhendo como prioridade essas duas vertentes para o Ministério da Justiça. Eu mesmo estive em Brasília em uma reunião, na qual ele participou. Então nós estamos, não perfilhando com a posição dele, mas procurando refletir, dentro do Tribunal, mais especificadamente dentro da corregedoria, um sentimento que foi expresso nas urnas no ano passado. Queira ou não, satisfeitos ou não, a verdade é que houve um pedido da população quando votou que houvesse um maior cuidado com a segurança pública no Brasil de modo geral, isso fico patente, e com o combate à corrupção”, comenta.
O desembargador também declarou estar alinhado com o novo ideário brasileiro em torno das armas, representado, de forma mais recente, pelo decreto presidencial de Bolsonaro que flexibilizou a posse, e pelo pacote “anticrimes” de Moro. Quanto ao decreto, Sérgio Martins não acredita que as mudanças vão alterar a realidade de maneira radical. Cita o preço das armas, munições e treinamento e complementa que, “em tese”, é favorável à liberdade total do porte de armas.
Diante da nova realidade emergente, ainda assim, o corregedor acredita que o judiciário esteja preparado e não precisa de reformas. O corregedor cita que os casos demoram à chegar na pauta das varas pelo vai-e-vem das investigações. “Não precisa porque o judiciário não combate, ele julga. Então se os órgãos de repressão não elucidam, o processo não chega no judiciário”, declarou.