"Prende e solta" de bandidos faz combate à criminalidade se perder
Para quem lida com a questão, só penas mais duras, um sistema penal que de fato ressocialize quem comete crimes pode apontar um caminho para o problema
Enxugar gelo. A expressão parece gasta, mas é exatamente o que define a sensação de agentes de segurança em Campo Grande em relação a bandidos que são pegos cometendo crimes, ficam poucos dias na prisão e, logo depois, estão soltos nas ruas novamente. Não é raro que eles voltem a ser presos, alguns são velhos conhecidos dos policiais, o que suscita uma outra figura em relação ao trabalho de combate ao crime: a de um cachorro correndo atrás do próprio rabo, que nunca é alcançado.
Na conversa com quem lida dia a dia com o crime, a reclamação, na maior parte feita com declarações de bastidor, é que é cansativo prender, para depois ver essas pessoas soltas, seja porque não houve flagrante ou que a liberdade é concedida até o processo ser concluído, mais comuns em casos de crime contra o patrimônio, como roubos e furtos.
Este ano, segundo as estatísticas da Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul), já são 592 furtos na Capital e 206 roubos na cidade. Não há estatística disponível do número de prisões, mas é fato que é ínfima perto desse total de crimes. Na prisão mais recente tornada pública, foi pego um grupo suspeito de pelo menos 30 furtos. De cinco apontados como envolvidos no crime, só um ficou preso, porque foi pego em flagrante tentando fugir com um veículo de luxo cheio de produtos furtados.
“Além das liberdades concedidas em audiência de custódia e também a adolescente infratores, a progressão de regime é uma das maiores facilitadoras para reincidência”, afirma à reportagem um delegado que pede preservação da identidade.
A cada prisão é possível ver uma “evolução” dos crimes. A maioria dos suspeitos são detidos por furto, passam ao roubo, tráfico de drogas e alguns chegam a crimes mais graves, como homicídios.
No Rio de Janeiro
Nos últimos dias, um caso de repercussão nacional traduziu o que acontece de forma geral, em todos os estados. Apontado como suspeito de matar o delegado Fábio Monteiro, na sexta-feira (13) no Rio de Janeiro, Wendel Luiz Silvestre, de 21 anos, tem um histórico de idas e vindas, que começou com a prisão por tráfico de drogas, em 2015. Colocado em liberdade após 40 dias, ele deveria comparecer a justiça a cada dois meses, mas nunca pareceu.
Em janeiro de 2016, a desembargadora Gizelda Leitão Teixeira, o declarou réu à revelia e considerou que a decisão benevolente proferida pelo magistrado oportunizou a fuga do acusado. “São presos, flagrados em plena atividade criminosa e logo voltam às ruas, sem que o estado promova qualquer tentativa de ressocialização dessas pessoas”, afirmou à época.
Mesmo assim em outubro de 2016, o juiz Marcos Augusto Ramos Peixoto, considerou as provas contra Wendel insuficientes e o absolveu do crime de tráfico de drogas. O Ministério Público recorreu e a desembargadora o condenou a seis anos de prisão, mas ele continuou foragido. Agora, é fugitivo também pela morte do delegado Fábio.
Em MS é igual
Por aqui, histórias assim também são rotineiras. Ainda quando adolescente, Dione Greisson Ribas passou a acumular registros policiais. O primeiro aconteceu em 2012, quando ele foi flagrado com drogas. Dois meses depois, foi pego novamente, desta vez por roubo. Foi solto, mas no mês seguinte acabou detido pelo mesmo crime.
A ficha criminal de Dione permaneceu assim ao longo dos anos, com furtos e roubos praticamente todos os meses, às vezes com variações de dois ou três meses de um crime para o outro. O suspeito foi identificado como autor de 24 furtos, e ainda carrega um homicídio quando adolescente.
Não é raro que só a morte encerre a sequência crime-prisão-soltura-crime de novo. Murilo Henrique Crisanto de Lima, morreu em dezembro de 2016 após troca de tiros com equipes do Batalhão de Choque. Conhecido como Cirilo, o rapaz era tido como especialista em furtos, e pelo crime respondia a nove processos na justiça.
A ficha criminal somava mais de 26 furtos, passagens por receptação e porte ilegal de arma de fogo e diversas prisões em flagrante.
Fábio Bezerra da Silva, mais conhecido como “Fábio Babão”, se envolveu com o crime ainda adolescente. Em 2007 foi apontado como autor de um homicídio, e era conhecido da polícia desde 2010. Naquele ano, preso por roubo e tráfico de drogas, foi liberado e um mês depois acabou flagrado por porte ilegal de arma, mas foi novamente solto.
Após 10 dias, segundo as investigações policiais, cometeu o terceiro homicídio. Quando maior, em 2012, foi identificado como autor de sete roubos. Em maio do mesmo ano foi preso, voltou às ruas e em novembro foi flagrado por porte ilegal de arma. Em fevereiro de 2013 acabou morto em uma troca de tiros no Bairro Nova Lima, ao reagir a uma prisão.
Outro caso - Preso no dia 10 deste mês por tráfico de drogas, David Alencar dos Santos, de 30 anos, conhecido como “Pequeno”, foi detido outras quatro vezes por roubo, estava foragido do Presídio de Trânsito de Campo Grande, onde cumpria pena pelo mesmo crime e voltou a cadeia após ser flagrado com papelotes de pasta base e um celular furtado.
Em 2009, David foi preso após roubar um Fiat Uno no Jardim Moema. Na data, ele e dois comparsas renderam a vítima e a filha, de três anos. Armados com um revólver calibre 38, obrigaram o homem entregar o carro.
Pelo crime, “Pequeno” foi condenado a cinco anos e 10 meses de prisão em regime fechado, mas evadiu do sistema prisional duas vezes e teve a pena aumentada para 13 anos. No ano passado, após conseguir o benefício da saída temporária, fugiu novamente e teve um novo mandado de prisão expedido em outubro de 2017, até ser capturado e preso por tráfico no início deste ano.
Lusiano de Souza da Costa, apontado pela polícia como o responsável pelo roubo de uma farmácia, por fazer uma família refém e ainda atear fogo em carro, em outubro de 2016, foi absolvidos dos crimes em junho do ano passado pela 6ª Vara Criminal por faltas de provas.
Mas muito antes do crime - flagrados por câmeras de segurança - o suspeito ostentava longa ficha criminal e cumpria pena por porte ilegal de arma.O crime, que resultou em uma condenação a três anos de prisão, aconteceu em fevereiro de 2015, quando foi preso com um revólver calibre 32 na Avenida Fernando Correa da Costa.
Alegando ter comprado a arma por R$ 400, Lusiano foi condenado a cumprir a prisão em regime aberto, mas em setembro do mesmo ano foi flagrado com um celular no presídio e três dias depois acabou fugindo, “por estar com “vontade de usar drogas”. Acabou recapturado em fevereiro de 2016, foi enviado ao regime aberto, mas em abril voltou ao semiaberto.
Em novembro, nova fuga e, dias depois, mais uma prisão. Menos de um ano depois, Lusiano foi enviado ao semiaberto, depois para o aberto e em dezembro, meses após ser inocentado dos três crimes que supostamente cometeu em novembro de 2016, recebeu também o direito à liberdade condicional pelo porte de arma.
Como resolver ?
Para quem lida com a questão, só penas mais duras, um sistema penal que de fato ressocialize quem comete crimes pode apontar um caminho para esse nó que parece não desatar nunca. “Penso que o maior problema é que muitos criminosos são postos em liberdade sem a necessária ressocialização. É como se não tivessem praticado crime nenhum”, defendeu outro delegado.
Segundo o advogado Fábio Andreasi, presidente da Comissão de Advogados Criminalistas, o ideal seria a reinserção dos presos na sociedade, para que quando saiam dos presídios trabalhem licitamente.”Precisamos de uma reinserção efetiva, programas profissionalizantes e de estudos mais efetivos dentro dos presídios”.
Para o advogado, o problema da reincidência é ligado a enorme massa carcerária do Brasil, a presídios sucateados e a falta de atenção do poder público ao sistema penitenciário. “O preso fica 4 ou 5 anos preso, ganha a liberdade do dia para a noite e fica perdido. Muitas vezes perdeu o contato com a família, contatos profissionais e sem nenhum meio de sobrevivência”.
Ainda conforme Andreasi, o cumprimento mais adequado das penas também é necessário para desencorajar o crime. “ Para determinados crimes a pena não é tão rigorosa, e passa a sensação de impunidade. Leva alguns a pensar que o crime compensa. Esse pensamento é fruto dessa falta de cumprimento efetivo da pena, da falta de horizonte dentro do sistema prisional”, afirmou o advogado.
“Em presídio que são oferecido cursos profissionalizantes, estudos técnicos, tem menor índice de reincidência. Não tem discussão é um fato. Nessa conta, ainda entra o que chamamos de mente criminal, aqueles que optam pelo crime, mas são exceções, a minoria. ”, reforçou Andreasi.