Após 4 anos de espera, concorrência acirrada é drama de sem-terra
Após quatro anos e meio acampados debaixo de barracos de madeira ou lona, famílias sem-terra vão enfrentar uma acirrada disputa por um dos 150 lotes da Fazenda Nazaré, em Sidrolândia, a 60 quilômetros de Campo Grande. O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) vai escolher os "sortudos" entre 2,5 mil famílias cadastradas na região.
A concorrência por cada lote será de 16 famílias por lote, uma das maiores na história do órgão no Estado, conforme a assessoria de imprensa. De acordo com o Incra, o processo de desapropriação das terras que pertenciam a Plínio Rocha, ex-secretário estadual de Governo, estava parado há três anos. O anúncio da retomada do procedimento foi feito pelo órgão em abril deste ano após vistorias nas terras.
Dois meses depois, o instituto protocolou uma ação de desapropriação junto à Justiça Federal. Na quinta-feira (10), oficiais de Justiça e policiais federais estiveram na área para oficializar a desapropriação. Segundo o Incra, o valor da indenização repassada ao proprietário chegou a R$ 16,8 milhões.
Integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e da Fetagri (Federação dos Trabalhadores na Agricultura) vivem às margens da BR-163 desde janeiro de 2009. A maioria chegou na região por orientação da direção dos movimentos que avaliou a situação das terras e repassou aos assentados que o processo da desapropriação poderia ser rápido.
O primeiro a levantar acampamento no local foi Natalino José da Silva, 62 anos. O aposentado conta que vivia em outro acampamento em São Gabriel do Oeste, mas resolveu ir para Sidrolândia para conseguir o sonhado lote. “Falaram para gente que ia ser mais rápido e acreditamos. Levantei meu barraco no dia 30 de janeiro de 2009 e nunca mais saí”, conta o aposentado.
Em poucos meses, mais de 150 famílias montaram acampamento nas redondezas. Muitas desistiram, outras foram embora e voltaram, mas Maria Ilma, de 65 anos, continuou na região com esperança de que as terras fossem demarcadas.
A aposentada deixou os 4 filhos em Dourados e resolveu se mudar com o marido para um barraco de lona. As vigas de madeira e tábuas foram doadas pelas lideranças dos movimentos e a construção dos barracos foi feita em mutirão.
“Quando chegamos aqui o prazo era que em 4 ou 5 meses teríamos o lote. Mas o dono acabou indo embora e só ficou um capataz, o processo demorou, mas nunca entramos na fazenda. Eu sabia que a nossa hora ia chegar e eu nunca perdi a esperança”, conta Maria Ilma.
Ainda sem data definida para a entrega dos lotes, os acampados vivem na expectativa de conquistar o espaço. Alguns dizem que os técnicos do instituto prometeram as terras em poucas semanas, mas o que existe de concreto até agora é a vinda da presidente substituta nacional do Incra, Érika Galvani Borges, a Campo Grande nesta quarta-feira (17). A chefe do órgão se reunirá com as lideranças dos movimentos às 10 horas na sede do Incra na Capital.
Rotina – A existência dos barracos às margens da BR-163 muitas vezes não é notada por motoristas que passam em alta velocidade pela rodovia. As lonas pretas, tábuas, frio, chuva galinhas e cachorros fazem parte da rotina dos acampados.
Raimundo José da Silva, 62 anos, vive há 3 anos nos barracos e além dele e da esposa, levou as duas irmãs para disputar um lote na Fazenda Nazaré. Todos vivem em residências de até dois cômodos.
Um poço artesiano foi furado e uma alavanca manual somada à força dos braços é a fonte da água para todo o acampamento.
“É uma vida sofrida, mas foi uma escolha que fizemos e aguentamos tudo isso. Nossa rotina é de muita necessidade e trabalho, fazemos bicos em fazendas vizinhas e as mulheres procuram trabalho de diaristas em Anhaduí ou nas conveniências dos postos das estradas. A gente vai levando como dá”, desabafa Raimundo.
Empolgada com a demarcação que deve acontecer em breve, Neuza Cavalcanti Rodrigues, 66 anos, conta que a casa foi montada com doações e que o fogão de lenha só foi modernizado pela boa vontade de um caminhoneiro.
“Um dia um caminhoneiro passou aqui e me deu esse sofá e o fogão. Eu juntei o dinheiro e comprei o botijão e agora tenho água quente pra tomar banho”, conta a mulher.
Futuro – A esperança de um futuro melhor predomina entre o discurso dos sem terra. Enquanto a papelada para o novo lote não chega, eles fazem planos de como será a nova vida fora da rodovia.
“Nós vamos usar o crédito do Incra para comprar materiais de construção e fazer um mutirão para erguer nossas casas de verdade. Queremos plantar e criar nossos bichos, no futuro podemos até fazer uma cooperativa”, conta Neil Turatti, 63 anos.