Casa da Mulher que deveria acolher acaba afastando vítimas, diz policial
Policial militar fala sobre robotização do sistema: "para eles, se trata apenas de números"
Cenário tenso no âmbito policial após falhas graves no sistema de atendimento às mulheres vítimas de violência, que ocasionou no feminicídio de uma jornalista, em Campo Grande, também mexeu com as cadeiras da Polícia Militar. Metade da equipe do Promuse (Programa Mulher Segura), na Capital, foi trocada. Isso inclui policiais que atuam desde o início do programa, que acabaram expondo o sistema robotizado imposto pela corporação e as falhas da Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher).
RESUMO
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A Casa da Mulher Brasileira, em Campo Grande, enfrenta críticas após o feminicídio da jornalista Vanessa Ricarte, que expôs falhas no atendimento a vítimas de violência. Metade da equipe do Promuse foi trocada, incluindo policiais que denunciaram problemas na Deam. A policial Antônia, que pediu anonimato, revelou que o sistema robotizado e a falta de apoio desencorajam vítimas a buscar ajuda. Vanessa foi morta após procurar a Deam, onde pediu medida protetiva contra o ex-noivo. O governo reconheceu falhas no atendimento e investiga o caso.
A mudança na composição do Promuse foi publicada no DOE (Diário Oficial do Estado), nesta segunda-feira (17), assinado pela coronel Neidy Nunes Barbosa Centurião, subcomandante da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul.
Apesar de ser conhecida no meio policial, a policial Militar que conversou com o Campo Grande News pediu para ter o nome preservado, o que foi atendido pela reportagem. Ela será chamada de Antônia. Com a troca repentina, Antônia foi redesignada para outro batalhão. "Atuava no monitoramento e resgate das vítimas. Achei que me aposentaria no Promuse, prometi isso para as minhas assistidas [mulheres vítimas de violência]", lamenta.
Depois da morte da jornalista Vanessa Ricarte, de 42 anos, Antônia viu a oportunidade de expor a situação grave no atendimento a essas mulheres, tanto no Batalhão de PM quanto na sede da Deam. "Infelizmente aconteceu isso com a Vanessa. Essa menina, essa proporção que ela trouxe, infelizmente foi custeando a própria vida dela", diz a policial.
Falhas - Antônia revela que a equipe do Promuse, que trabalha nas visitas in loco, acompanha as vítimas e monitora as medidas protetivas - sendo 1,4 mil em todo Estado - já tentou mostrar a grave situação dentro da Deam.
Quantas vezes a gente falou, avisou, tentou mostrar, só que a gente não podia mostrar, porque politicamente fica feio para a Casa da Mulher Brasileira, fica feio para corporação. Nos falavam 'vocês não podem criar inimizade com a delegada, com a Casa da Mulher Brasileira', mas uma mulher pode morrer, uma mulher pode ficar sem atendimento. O que nós fazíamos de resgatar vítimas, igual era para ter sido feito com a Vanessa, nós não podemos mais fazer", denuncia.
Entre os casos que já atuou, lembra quando levou uma vítima com a orelha sangrando na Deam. "Foi agredida com facão, estava com sangramento na orelha, mas não deu flagrante, falaram que não tinha viatura para levar e fazer exame de corpo de delito", lembra. "Orientávamos as vítimas a procurarem fazer medida protetiva online, porque se vai lá, é desencorajada", diz.
Mas não é só na delegacia de Polícia Civil que há falhas. O próprio Promuse, com nova gestão desde o ano passado, robotizou o sistema. "Não podemos mais passar celular para as vítimas, temos tempo curtíssimo para fazer as visitas, não podemos mais atuar no resgate. Para eles, se trata apenas de números, não de pessoas".
Entenda - A jornalista Vanessa Ricarte havia procurado a Deam horas antes de ser assassinada, no dia 12 de fevereiro. Lá, denunciou o ex-noivo, Caio Cesar Nascimento Pereira, de 35 anos, por divulgação de imagens íntimas e também já estava com medo dele devido às ameaças. Por isso, também pediu medida protetiva.
Naquela tarde, Vanessa seguiu até o imóvel onde morava, no Bairro São Francisco, a fim de buscar pertences até que Caio fosse notificado pela Justiça sobre a medida protetiva. Mas não houve tempo. Discussão entre o casal ocasionou em tragédia e a jornalista foi morta pelo músico com três facadas no coração. O amigo de Vanessa estava no imóvel e correu para ajudar, mas não deu tempo e a jornalista morreu no hospital.
A polícia disse que Vanessa recusou ficar abrigada na Casa da Mulher Brasileira e não informou que retiraria pertences no imóvel. Contudo, áudio da jornalista enviado a um amigo após ser atendida pela Deam mostra que a própria polícia induziu ela a voltar para casa onde foi brutalmente assassinada.
Assumiu falha - O Governo do Estado de Mato Grosso do Sul emitiu nota admitindo que houve falhas no atendimento prestado a Vanessa. O delegado-geral da Polícia Civil, Lupérsio Degerone, afirmou que por orientação do governador do Estado, Eduardo Riedel (PSDB) e da Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública), foi instaurado um procedimento para apurar a situação.
Retorno - A PMMS (Polícia Militar de Mato Grosso do Sul) enviou nota retorno ao Campo Grande News, onde esclareceu ser comum, previsto em lei, a transferência de policiais. "Visa atender as necessidades da instituição e assegurar junto às unidades o efetivo necessário à sua eficiência operacional e administrativa. Tais atos são previamente acertados entre os policiais militares, junto aos respectivos comandantes/diretores/chefes".
Ainda afirma que o Programa Mulher Segura é composto por dezenas de policiais militares, que trabalham não só em Campo Grande, mas em diversas cidades do estado, "sem mencionar que em Dourados e Amambai ainda temos equipes que atendem diretamente às aldeias indígenas".
A corporação afirma que no último ano o Promuse realizou 9.296 atendimentos por acompanhamento, via telefone e presencial, fiscalização e visitas às mulheres/meninas vítimas de violência doméstica em MS, sendo que em Campo Grande foram 4.854 desses atendimentos.
"Com apoio da radiopatrulha, outras 6.722 mulheres foram atendidas, sendo que em Campo Grande, 2.020 visitas e atendimentos. O total de pessoas alcançadas, em 2024, contando além dos atendimentos diretos, com as capacitações para policiais, membros da rede de apoio à mulher e membros da comunidade foi de 27.077, em todo o MS. Até o momento, em 2025, já foram atendidas 672 mulheres vítimas de violência".
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