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Capital

Com 8 mil crianças sem vagas, Campo Grande tem “cemitério de obras” de creches

Mães são obrigadas a comprometer quase 40% do salário mínimo com pagamento de babás

Aline dos Santos | 09/02/2023 11:39
Mato toma espaço que deveria ser pátio para as crianças em escola no São Conrado. (Foto: Marcos Maluf)
Mato toma espaço que deveria ser pátio para as crianças em escola no São Conrado. (Foto: Marcos Maluf)

Se há oito mil crianças na fila por vaga na creche, também há um cemitério de obras de Emeis (Escola Municipal de Educação Infantil) espalhadas por Campo Grande.

No Jardim Inápolis, a Rua Atenas é o endereço de uma obra parada. Devorada pelo mato e pelo tempo, com infiltrações por todos os cantos e paredes mofadas, a construção inacabada motiva reclamações que vão de dengue ao impacto nas finanças das mães, obrigadas a comprometer quase 40% do salário mínimo com pagamento de babás.

“Tem tanta mulher que precisa. Pagam R$ 400, R$ 500 para babá ficar com a criança, isso porque ganha um salarinho”, afirma a dona de casa Dirce de Oliveira Silva, 57 anos.

Moradora no bairro há 20 anos, ela relata que a obra parada virou um grande foco para reprodução do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, além de ponto de romaria de usuários de drogas. “Na minha rua, já são quatro pessoas com dengue nesse ano”.

Dirce conta que obra parada virou um grande foco de problemas no Jardim Inápolis. (Foto: Marcos Maluf)
Dirce conta que obra parada virou um grande foco de problemas no Jardim Inápolis. (Foto: Marcos Maluf)

Próximo da escola, Ana Cristina Alves, 35 anos, conta que tem filhos de 12 e 15 anos. Quando crianças, eles ficavam sob os cuidados da avó. “Graças a Deus que tenho a minha mãe. Fica bem complicado para a mulher que precisa sair para trabalhar e não tem com quem deixar os filhos. Se deixa sozinho, já é chamada de vagabunda”.

Cercada pelo mato que já beira um metro de altura, a obra da escola acumula paredes mofadas, com infiltrações que fazem brotar água por toda a construção. Onde seria o pátio, partes das telhas foram arrancadas. Já o espaço que deveria receber as crianças para aulas, é invadido pelo mato que  entra sem cerimônia pelas janelas sem vidro.

Salas alagadas em obra de Emei no Jardim Inápolis. (Foto: Marcos Maluf)
Salas alagadas em obra de Emei no Jardim Inápolis. (Foto: Marcos Maluf)

Na última segunda-feira (dia 6), a prefeitura recebeu as proposta para a licitação com teto de até R$ 2,7 milhões para concluir a obra. Sete empresas participaram desta etapa: Rafael Pereira Tognini Ltda, Rogol Comércio e Serviços Ltda, MRL Comércio de Materiais Elétrico e Serviços Eireli ME, Montenegro Construtora Ltda, Predial Construções Ltda, FAG Engenharia e Construção Ltda e Salgueiro e Arantes Engenharia Ltda EPP. Lançada em 2012 pelo então prefeito Nelsinho Trad (PSD), a obra patina há uma década.

Sem uso pelo poder público, prédio no São Conrado tem lixo e pichações. (Foto: Marcos Maluf)
Sem uso pelo poder público, prédio no São Conrado tem lixo e pichações. (Foto: Marcos Maluf)

A mesma situação é encontrada na Rua Lucena, no São Conrado. O quadro de abandono só diverge num ponto em relação à situação no Jardim Inápolis: altura do mato. No São Conrado, o matagal tem dois metros no lugar onde seria o pátio das crianças. As paredes mofadas exibem frases pichadas, com garrafas vazias de bebida alcoólica espalhadas pelas salas inacabadas.

“Cheguei aqui há três anos e já estava abandonada. Só fazem uma limpeza de vez em quando”, diz o comerciante Márcio Melgarejo, 57 anos. Conforme consulta ao Portal da Transparência, a concorrência para essa obra foi vencida pela empresa Casa 10 Comércio e Administração de Obras Eireli. A publicação é de 19 de dezembro do ano passado, mas ainda sem ordem de serviço. A proposta foi de R$ 2.225.692,57 para conclusão dos serviços.

"Cheguei aqui há três anos e já estava abandonada", diz Márcio sobre escola no São Conrado. (Foto: Marcos Maluf)
"Cheguei aqui há três anos e já estava abandonada", diz Márcio sobre escola no São Conrado. (Foto: Marcos Maluf)

A construção está parada desde 2015, quando a empresa responsável pediu rescisão do contrato com 50% do projeto realizado.

A última entrega de Emei em Campo Grande foi em 31 de março do ano passado, com a inauguração de unidade escolar para atender 120 crianças na Vila Nasser, ainda na gestão de Marquinhos Trad (PSD). A obra foi iniciada em 2013, paralisada em 2015, e retomada em abril de 2019.

Com a renúncia do prefeito, o comando do Poder Executivo foi assumido por Adriane Lopes (Patriota) em abril do ano passado, desde então não houve entrega de escolas de educação infantil.

A prefeitura tem 11 obras de creches paradas: Jardim Inápolis, Jardim Centenário, Radialista, São Conrado, Anache, Talismã, Serraville, Nashville, Jardim Colorado, Moreninha II e na Avenida Mato Grosso.

O projeto mais recente foi anunciado em 2022: a revitalização e implantação da Emei Surian, na Avenida Mato Grosso. A transformação do antigo clube em escola tem previsão de gasto de R$ 8,6 milhões.

Esqueleto de obra de escola de educação infantil no Jardim Inápolis. (Foto: Marcos Maluf)
Esqueleto de obra de escola de educação infantil no Jardim Inápolis. (Foto: Marcos Maluf)

De acordo com a Semed (Secretaria Municipal de Educação), a Emei São Conrado passou por licitação e a empresa vencedora está nos últimos ajustes para iniciar a obra. Quanto à licitação do Jardim Inápolis, a prefeitura aguarda a finalização do processo licitatório.

Segundo a administração municipal, a previsão é gastar cerca de R$ 4 milhões para a conclusão das duas obras.

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