De beco a primeiro mundo, nova 14 promete resgatar vida social da rua
Via perdeu espaço para parques e shoppings, mas quer voltar a ser "coração" da Capital
Na manhã nublada desta quinta-feira (28), o pedreiro Cláudio Rosa, 57 anos, sorri para a foto da esposa, a dona de casa Clarice de Morais, 55, em uma esquina da repaginada Rua 14 de Julho. O registro é para marcar a primeira visita do casal à principal via do comércio de Campo Grande desde o fim das obras, iniciadas em maio de 2018.
“Mudou 100%. Está parecendo uma rua dessas cidades de primeiro mundo. Tinha muito estacionamento, muito tumulto. Agora tem mais espaço para andar”, diz Clarice. Ela e o marido moram no Los Angeles, região sul da cidade, e aproveitaram para passear na 14 depois de um compromisso no Centro.
Em sua tese de doutorado, intitulada “Campo Grande e a Rua 14 de Julho - Tempo, espaço e sociedade”, o geógrafo Antônio Firmino de Oliveira Neto, narra o processo de apropriação da via no cotidiano da população, desde a primeira planta da cidade, de 1909, até o início dos anos 2000, quando ela perde espaço no dia a dia das pessoas.
“Durante décadas, a Rua 14 de Julho representou, para a sociedade campo-grandense, o principal local onde lhe seriam apresentados todos os bens que a fariam ter contato com as principais realizações da humanidade”, descreve.
“Assim como um indivíduo precisa da rua para sair de casa, ir a um encontro, fazer compras, ou seja, ter contato com a sociedade a qual pertence, a 14 de Julho sempre cumpriu o papel de apresentar para os campo-grandenses as novas mercadorias, fabricadas nos mais longínquos lugares, chegadas através do trem”, continua Oliveira Neto.
O cronista Paulo Coelho Machado, em “A Rua Principal”, conta que a rua configurava via de acesso a Estação Ferroviária da Noroeste do Brasil, inaugurada em 1914.
Machado registra que, inicialmente, a 14 de Julho era chamada de Beco, “porque ali existia um trilheiro deserto, curto e sem saída”. O nome atual foi dado no fim da primeira década de 1900, em alusão ao marco francês da queda da Bastilha.
De volta à tese de Antônio Firmino de Oliveira Neto, o geógrafo fala do desenvolvimento de novas tecnologias e meios de transporte, que permitiram a “diluição no espaço urbano das relações de trocas de mercadorias, informações, dinheiro, trabalho”.
Oliveira Neto recorda que, durante as décadas de 1950 e 1960, a Rua 14 de Julho era tomada por jovens após o encerramento das atividades do comércio. “Circulavam no footing, caminhando pelos seus bares, no trajeto entre os cinemas da Rua Dom Aquino e da Avenida Afonso Pena, em busca dos encontros, das conversas, ou seja, dos contatos sociais”.
Na virada do milênio, o geógrafo descreve uma 14 de Julho “completamente vazia, sem bares, sem cinemas e, consequentemente, sem pedestres e com pouco trânsito de veículos”.
A mudança de cenário, de acordo com o pesquisador, se deve ao surgimento de lugares que substituíram o papel da rua como confluência da vida social do campo-grandense. Chegaram parques e shoppings, além, claro, da Internet.
Retomada - Com calçadas mais largas, bancos por toda parte e ambiente mais limpo, a nova 14 de Julho agora tem o desafio de retomar seu lugar no cotidiano da população.
O resgate começa pelos mais jovens, como a estudante Ana Beatriz Lima, 17. Para ela, o movimento na via “vai depender da proposta das lojas, se vão abrir até mais tarde”.
Ao menos nesta sexta, durante o show de reinauguração com o grupo Balão Mágico, parte das lojas do Centro permanecerão de portas abertas até 23h, iniciativa da CDL-CG (Câmara de Dirigentes Lojistas de Campo Grande).
O casal do início da reportagem, Cláudio e Clarice, viveu os tempos áureos da Rua 14 de Julho e também testemunhou suas mudanças. Hoje, a dupla comemora a revitalização e já faz planos para apresentar a nova via aos parentes de fora, que chegarão para as festas de fim de ano. “Durante muito tempo a gente só tinha a opção dos shoppings para sair, se distrair. Agora não mais”.
Investimento - A requalificação da Rua 14 de Julho faz parte do programa Reviva Campo Grande e tem investimento orçado em R$ 49,2 milhões, financiados pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Os trabalhos envolvem 1,4 quilômetro da via, entre as avenidas Fernando Corrêa da Costa e Mato Grosso.
Entre as mudanças impostas estão redução da faixa de rolamento, ampliação das calçadas, conversão das redes aéreas (postes) para subterrâneas e paisagismo no passeio público.