Dois anos depois, Hospital do Câncer ainda tenta recuperar credibilidade
Após dois anos da troca de administração, o Hospital do Câncer José Abrão, em Campo Grande, ainda trabalha para recuperar a saúde financeira e a credibilidade da população. O hospital viu o número de doadores e atendimentos cair devido ao envolvimento da antiga diretoria, em um esquema de fraudes e desvio de dinheiro do SUS (Sistema único de Saúde), revelado pela Operação Sangue Frio, em março de 2013.
A ação da polícia revelou prejuízo de pelo menos R$ 11 milhões aos cofres de hospitais públicos da Capital, entre eles o Hospital Universitário (HU) e o Hospital do Câncer José Abrão. Ambos tiveram suas diretorias substituídas e ao todo, 20 pessoas foram indiciadas e quatro inquéritos policiais abertos. Os crimes ainda estão sendo apurados.
A Operação Sangue Frio apurou que recursos repassados pelo SUS eram utilizados indevidamente pela antiga direção do Hospital do Câncer, que hoje responde por crimes de peculato, estelionato e corrupção.
Foi em meio a esse turbilhão de denúncias que o Hospital do Câncer, uma das unidades de saúde do Estado mais procuradas por pacientes do Estado, trocou sua administração e começou a lutar para se reerguer e recuperar o status de referência no tratamento da doença.
O novo diretor, o médico Carlos Alberto Coimbra assumiu o controle em março de 2013, porém, em maio do ano seguinte um novo escândalo voltou a abalar a reputação do hospital, quando veio à tona um esquema de propina envolvendo a ex-consultora técnica do Ministério da Saúde, Roberlayne Patrícia Alves, que exigia dinheiro para facilitar a liberação de verbas federais. O caso ficou público quando Coimbra foi à Brasília questionar sobre a liberação de um montante que seria utilizado na compra de equipamentos.
Flagrada pela Polícia Federal, a ex-funcionária admitiu a prática. Hoje ela responde pelo crime em liberdade.
Após a revelação de mais um esquema criminoso, a saúde do hospital que já estava fragilizada, sofreu novo baque. O montante de doações que chegou a R$ 210 mil por mês, caiu pela metade e a dívida somava R$ 17,5 milhões.
Para dar início ao processo de recuperação do hospital, Carlos Coimbra adotou uma política de transparência, onde a população tem acesso às despesas e receita do hospital. Os dados podem ser verificados no site da instituição. No primeiro ano da nova administração também foi criada uma comissão de acompanhamento da aplicação de recursos financeiros provenientes do Sistema Único de Saúde (SUS), implantação do Serviço de Ouvidoria Hospitalar, além de criação da Comissão de Gestão de Recursos Materiais e de Medicamentos, que trabalha para evitar o desperdício de materiais e produtos e utilizá-los em quantidades adequadas.
Mas a principal medida no sentido de prestar contas foi a adoção do sistema de pregão eletrônico, onde o hospital pode realizar comprar com fornecedores do país todo e não apenas através de contratos exclusivos, como era feito na gestão passada. “Havia muitos contratos escusos, com valores superfaturados. Eliminamos tudo isso”, ressalta o diretor.
Primeiros resultados
Com essas medidas, logo nos primeiros meses de gestão, Coimbra liquidou uma dívida de R$ 1,5 milhão, sendo R$ 1 milhão com fornecedores e R$ 538 mil só com medicamentos comprados pela gestão anterior. Os resultados positivos começaram a surgir já em 2013. Após três meses com a nova direção, foi possível economizar R$ 460 mil com a compra de medicamentos e material hospitalar através do pregão eletrônico, o que representou diferença de 44% em relação a administração passada.
Quanto à dívida de mais de R$ 17 milhões, a diretoria atual conseguiu reduzir o valor para R$ 12 milhões após negociações com os bancos credores. A expectativa é que o valor seja sanado dentro de seis anos, porém Coimbra ressalta que a necessidade de investir para melhorar o atendimento pode fazer com que a dívida não seja totalmente liquidada. “O importante é manter um equilíbrio, fazer compromissos que são possíveis de arcar, até porque a rotina de um hospital é muito dinâmica. É preciso fazer dívidas para melhorar a estrutura. A diferença é que agora fazemos com responsabilidade”, afirma.
As doações são parte fundamental na saúde financeira do hospital, por isso a diretoria promoveu mudanças no serviço de telemarketing, responsável pela captação desses recursos. Na antiga gestão havia 60 funcionários que arrecadavam R$ 200 mil por mês, porém metade desse valor era para pagar o salário da diretoria, segundo depoimento de Coimbra à CPI do Câncer, instalada na época pela Assembleia Legislativa. “Hoje temos 35 funcionários nesse setor. A arrecadação caiu um pouco ano passado devido aos escândalos, mas já voltamos a atingir o patamar antigo”, disse. Houve também uma redução no número de funcionários no primeiro ano da nova gestão, que contava com 214 profissionais. Com a regularização das contas, o número subiu para 260, melhorando o atendimento aos pacientes.
Os números também refletem no total de procedimentos, incluindo quimioterapias, cirurgias, exames e internações. Em 2013 o hospital realizou 109 mil intervenções e já no ano passado foram 132 mil. “Isso significa mais gente sendo atendida”, destacou Coimbra.
Obra e benefícios
Com a dívida sob controle, está sendo possível manter o novo cronograma de entrega das obras de ampliação do hospital, que chegaram a ficar paralisadas por seis meses em 2011 devido a divergências entre o antigo administrador e o pecuarista Antônio Morais dos Santos, que desistiu, na época, de doar R$ 23 milhões. O quadro complicou após os escândalos, porém o anexo de dois pavilhões, que vai ampliar de 46 para 294 leitos, está com 50% da obra concluída. “Ainda não é possível dar uma data certa para a inauguração porque foram feitos novos orçamentos. Teve também a Casa Cor (evento de decoração) que ocupou o terreno da obra no final do ano passado, mas vamos terminar esse ano”, afirma o diretor. Os novos pavilhões terão dez novos consultórios e ampliação da parte administrativa.
Outro grande benefício aguardado pelo Hospital do Câncer é a entrega de um acelerador linear, utilizado no tratamento da doença. O hospital já conta com um equipamento e espera a entrega do segundo. Carlos Alberto Coimbra revela que o governador Reinaldo Azambuja (PSDB) esteve dia 13 de março em Brasília e, junto à bancada federal, cobrou do Ministério da Saúde agilidade na liberação do acelerador, que deveria ter sido entregue há dois anos.
Ainda de acordo com Coimbra, o governador aproveitou para cobrar também a liberação de duas emendas parlamentares, uma de autoria do senador Ruben Figueiró e outra do ex-deputado federal Antonio Carlos Biffi que totalizam R$ 1,5 milhão e já foram empenhadas e publicadas. O montante é para ser investido em custeio, compra de medicamentos e equipamentos, como desfibriladores, monitores cardíacos e materiais para realização de colonoscopia e endoscopia.
Enquanto aguarda a liberação dos benefícios, a diretoria vem batalhando para colocar em prática projetos que irão ampliar e melhorar o atendimento na unidade. Um desses projetos é Serviço de Atenção Domiciliar, do Programa Melhor em Casa, do Governo Federal, que permite que pacientes, após alta hospitalar, possam ser cuidados em seus domicílios com o apoio da família e da equipe multiprofissional do hospital, que presta atendimento diário aos usuários, com frequência de acordo com a necessidade de cada paciente. O Hospital do Câncer Alfredo Abrão é o primeiro a possuir o serviço em atenção domiciliar oncológica gratuita no país através deste programa federal.
Hoje, 33 pacientes são inscritos no SAD do hospital. “Com isso garantimos a otimização dos leitos, que podem ser ocupados em casos realmente graves, sem falar na humanização do tratamento, já que o paciente fica próximo à família”, diz.
Outra ação que vem facilitando o acesso ao tratamento e diagnóstico da doença é ônibus equipado que percorre cidades do interior. De novembro de 2011 a dezembro de 2014, o veículo havia passado por 101 localidades do Estado, totalizando 11.572 pessoas atendidas, com 456 diagnósticos.
A facilidade em realizar exames também trouxe mais pacientes do interior para o Hospital do Câncer. Atualmente 35% do atendimento realizado pela unidade são de moradores de fora da Capital. Para abrigar essas pessoas, que nem sempre tem onde se hospedar durante o tratamento, o hospital, em parceria com a Rede Feminina de Combate ao Câncer, dispõe da Casa de Apoio, oferecendo estadia para esses pacientes, inclusive de outros estados. Em 2013, a oferta era de 16 leitos e atualmente esse número dobrou, passando para 32.
Com a demanda de exames crescendo, o hospital recebeu, em 2014, através de doação da Central de Execução de Penas Alternativas , recursos de R$ 170 mil para aquisição de um digitalizador de imagens e uma impressora de filmes de raios x, que, incorporados ao mamógrafo, permitiram ao hospital ter seu próprio serviço de mamografia, reduzindo os custos de terceirização. Com isso, foram processados, de dezembro de 2014 a fevereiro deste ano, 1.006 exames de mamografia e 710 radiografias.
Em relação a projetos futuros, Carlos Coimbra ressalta que o objetivo é prosseguir com as ações de captação de doações. Com um orçamento na casa dos R$ 2 milhões, o hospital conta com repasse do SUS no valor de R$ 1,7 milhão, divididos entre os governos federal, estadual e municipal. "As despesas sempre irão aumentar porque a proposta é ampliar e melhorar a qualidade do serviço oferecido, por isso é importante que a sociedade confie nessa nova fase do hospital", finaliza.