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Capital

Em atuação inédita, mãe quis encarar réus em júri na luta por filho “até o fim”

Cristiane Coutinho teve participação decisiva para condenar responsáveis pela morte do filho e "lavou alma"

Anahi Zurutuza | 21/07/2023 06:11
Cristiane Coutinho, mãe de Matheus, durante as considerações finais, nesta quarta-feira (19) (Foto: Henrique Kawaminami)
Cristiane Coutinho, mãe de Matheus, durante as considerações finais, nesta quarta-feira (19) (Foto: Henrique Kawaminami)

Após atuação inédita, Cristiane de Almeida Coutinho, 48, diz que é uma mãe mais aliviada por ter conseguido, como advogada, honrar o nome o filho, Matheus Coutinho Xavier, em um Tribunal do Júri, espaço onde ele queria trabalhar se tivesse conseguido se formar em Direito. Não por isso, a dor da perda e a saudade foram embora. A “alma lavada”, contudo, lhe dá forças para seguir em frente.

Em entrevista ao Campo Grande News, Cristiane contou que a condenação de Jamil Name Filho, 46, e outros dois réus lhe tirou um peso das costas, depois que ela decidiu, de última hora, assumir posição de protagonismo no julgamento.

A advogada, que nunca havia pisado em um Tribunal do Júri, tampouco é criminalista, admite que não se sentia pronta para a missão. Era muito grande a responsabilidade de contribuir para o convencimento dos jurados que “Jamilzinho” mandou matar o pai de Matheus, Paulo Roberto Teixeira Xavier, 52, plano que tirou a vida do universitário aos 20 anos – e que Marcelo Rios, 46, e Vladenilson Daniel Olmedo, 64, foram os “arquitetos” do crime.

“Depois do assassinato do Matheus, eu fiquei tão destruída, a dor foi tão dilacerante que eu passei esses quatro anos tentando me levantar. Eu não me sentia emocionalmente capaz. Achei até que pudesse desmaiar no meio do júri e poderia piorar as coisas”, narra a mãe.

A força surgiu num fim de semana, há mais ou menos 15 dias, quando ela passou a revisitar tudo o que viveu de 2019 para cá e percebeu que nada poderia ser pior que receber a notícia que o filho havia sido fuzilado até a morte.

Nenhum dia vai ser pior que aquele 9 de abril. Mas, como disse na minha sustentação oral, não sou ex-mãe, minha ligação com o meu filho é eterna, e eu decidi que precisava defender meu filho até o fim”, afirma Cristiane Coutinho.

Mesmo assim, a advogada resolveu amadurecer a ideia, antes de protocolar o pedido no processo. Ela narra que pegou promotores de surpresa, mas que foi acolhida com carinho e respeito. “Eu não os conheciam, eles nunca tinha me visto e eles acreditam em mim. São promotores aguerridos e corajosos”.

Após julgamento, mãe segura beca que ganhou de promotores (Foto: Paulo Francis)
Após julgamento, mãe segura beca que ganhou de promotores (Foto: Paulo Francis)

Presente – No último dia do julgamento, antes do início das argumentações, Cristiane recebeu uma beca bordada com o nome de Matheus das mãos do promotor Moisés Casarotto, trazido de Três Lagoas para auxiliar a acusação, "no maior júri da história de Mato Grosso do Sul", como ele definiu. Ela conta que os promotores lhe devolveram a surpresa.

“Depois dos meus filhos, que foram um presente de Deus para mim, este é o melhor presente que já recebi na vida”, afirma a advogada.

A mãe revive a cena. Para ela, o momento que Casarotto a olhou segurando a beca com força, como se fosse um abraço apertado no jovem, e disse que a homenagem era porque o garoto tinha o sonho de usar aquela vestimenta, foi muito impactante. "Foi como se eu tivesse diante do meu filho".

O discurso – Encarar Jamilzinho, Rios e Vlad não foi nada fácil, revela Cristiane. “No primeiro dia, eu estava em um sofrimento horrível. Meu coração estava sangrando. Fui terminando de catar meus cacos, ali mesmo, no Tribunal do Júri”.

Mas a mãe-advogada conseguiu. Conta ainda que havia rascunhado a sustentação que faria na frente dos jurados, mas que o texto foi totalmente modificado pelos acontecimentos dos três castigantes dias de julgamento e depois, lapidado pela emoção. “Consegui falar tudo que era necessário”.

Ela abriu o discurso dizendo que não estava em busca da verdade ou de vingança. Lutava era por justiça. “A verdade está nas 15 mil páginas do processo. Achei absurdo, grotesco, um advogado vir dizer pra mim que estava ali em busca de uma verdade para uma mãe. A verdade é uma só, não permite versões e eu não permito que digam o que eu quero”.

A advogada também achou desrespeitoso, por parte da defesa, que o filho fosse chamado de Matheuzinho, uma maneira, para ela, de “forçar intimidade”. “Pior foi quererem desabonar o trabalho da polícia, dos promotores, enxovalhar a imagem do pai do Matheus e a minha imagem, falando da nossa separação”.

Por fim, se lembra da afronta ao ouvir Name Filho falar de riqueza e capacidade financeira para comprar um carro blindado para cada filho, enquanto o dela morreu desprotegido, na caminhonete do pai. “Fez isso para tirar meu equilíbrio. Mas só mostrou que dinheiro não compra honradez”.

Cristiane e Paulo Xavier se abraçando depois da leitura da sentença (Foto: Paulo Francis)
Cristiane e Paulo Xavier se abraçando depois da leitura da sentença (Foto: Paulo Francis)

Relação com o pai – A mãe fez ainda outra revelação. Embora diga saber que a intenção dos executores de Matheus fosse matar o ex-marido, ela garante que nunca o culpou pela tragédia. “Reconheço que sempre foi um pai apaixonado e que se ele imaginasse que aquilo ia acontecer, mesmo que o Matheus fosse o alvo, ele entraria na frente para salvar o filho".

A colaboração de Paulo Xavier foi importante para o desenrolar as investigações, tanto que a Promotoria o classificou como "testemunha imprescindível" para o julgamento.

Por fim, Cristiane diz não desejar o que passou, com a morte do jovem, a ninguém, nem aos réus.

O promotor Douglas Oldegardo (à esquerda) e o juiz Aluízio Pereira dos Santos, na bancada mais alta, durante o julgamento (Foto: Henrique Kawaminami)
O promotor Douglas Oldegardo (à esquerda) e o juiz Aluízio Pereira dos Santos, na bancada mais alta, durante o julgamento (Foto: Henrique Kawaminami)

Inédito e decisivo – A mãe de Matheus foi a primeira que o juiz Aluízio Pereira dos Santos, em 27 anos de carreira, viu trabalhar pela condenação dos responsáveis pela morte de um filho, como assistente da acusação. “Ali, ela mostrou o sofrimento do filho, uma pessoa que morreu sem saber de onde vieram os tiros. Uma covardia total”.

Há 18 anos atuando exclusivamente no Tribunal do Júri, Pereira dos Santos é acostumado a consolar famílias destruídas por crimes cruéis, mas a coragem que Cristiane teve, de encarar os réus e enfrentar as defesas, num duelo de convencimento, ele nunca havia testemunhado. “É a primeira vez, com certeza absoluta. Obviamente, já atendi várias mães de vítimas, mas na minha sala, nas audiências, mães que choram, que sentem e sofrem a perda do filho, que mantêm o quarto do filho por vários anos, as coisinhas dele, aquela coisa de pai e de mãe. Mas, assim, no Tribunal do Júri, é a primeira vez na minha vida”.

Além de inédita para um magistrado com 20 anos de experiência em júris, quiçá de Mato Grosso do Sul, a participação de Cristiane foi “decisiva” para a condenação, segundo o promotor Douglas Oldegardo, que também atuou na condenação. “Tudo o que foi usado nas falas contribuiu para o resultado”.

Agradecimentos – Cristiane Coutinho fez questão de agradecer a polícia, Promotoria e à imprensa pelos papéis essenciais exercidos, segundo ela, nos últimos quatro anos. “Se faltasse o trabalho de um dos três, talvez não tivéssemos chegado até aqui”.

Matheus Coutinho Xavier, assassinado aos 20 anos, teve sonho de ser promotor lembrado em Tribunal do Júri (Foto: Arquivo de família)
Matheus Coutinho Xavier, assassinado aos 20 anos, teve sonho de ser promotor lembrado em Tribunal do Júri (Foto: Arquivo de família)

Morto por engano – O estudante de Direito, Matheus Coutinho Xavier, foi assassinado no dia 9 de abril de 2019. O ataque aconteceu por volta das 18h, quando ele saía da casa onde vivia com o pai e irmãos, no Jardim Bela Vista, em Campo Grande.

A investigação apurou que o universitário foi morto por engano, pois estava manobrando a caminhonete S10 do pai. O policial militar reformado Paulo Roberto Teixeira Xavier era considerado traidor pela família Name, por isso, seria o alvo. O rapaz foi atingido com sete tiros de fuzil AK-47 e o disparo fatal foi na base do crânio.

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