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Capital

Enquanto mundo declara emergência, MS não sabe quantos estão com zika

Natalia Yahn | 03/02/2016 17:29
Larvas do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika vírus e chikungunya. (Foto: Gerson Walber / Arquivo)
Larvas do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika vírus e chikungunya. (Foto: Gerson Walber / Arquivo)

Enquanto a OMS (Organização Mundial da Saúde) declara emergência mundial por conta da propagação do vírus zika, principalmente porque ele está associado à microcefalia, em Mato Grosso do Sul órgãos de saúde divergem sobre a quantidade de pessoas afetadas pela doença. A situação local, além de não indicar com exatidão quantas pessoas estão ou já foram afetadas, reflete o que tem acontecido em todo o Brasil: não há padrão na forma de contabilizar os casos, conforme admite o próprio Ministério da Saúde.

Desde as primeiras notificações de casos de zika vírus, em novembro de 2015, informações sobre a doença são registradas de formas diferentes pela SES (Secretaria de Estado de Saúde) e pela Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) de Campo Grande, por exemplo.

Enquanto o órgão estadual registra 1.056 notificações da doença, com sete casos confirmados em todo o Estado, a Sesau diz que apenas em Campo Grande são 1.224 notificações. Nos dois casos, o balanço foi feito a partir de novembro de 2015 até sexta-feira, dia 29 de janeiro.

Somente este ano, na Capital foram 458 casos notificados. A SES explica que encaminha para análise amostras que passaram por triagem no Lacen (Laboratório Central de Saúde Pública), por isso existe diferença na quantidade de casos notificados.

Oficialmente, o município confirma seis casos de zika em 2015 - cinco em novembro e um em dezembro. As mesmas confirmações só entraram no balanço da SES em 2016. Ao todo são sete casos confirmados desde novembro até agora no Estado, sendo um em Aquidauana, a 130 quilômetros de Campo Grande.

Dos seis casos confirmados em Campo Grande, três eram em mulheres grávidas – de 21 e 25 anos – e outra que já ganhou bebê, um em idoso e outro em adolescente. Do total de casos investigados pela SES, apenas 492 aguardam resultado laboratorial, 68 já foram descartados pelo Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, onde os exames são realizados.

Porém, outras 496 amostras não chegaram nem mesmo a ser enviadas para o laboratório. A SES explicou que o descarte do material foi feito pelo Lacen, após triagem com base em critérios clínicos de envio para o Adolfo Lutz.

Em Campo Grande, a Sesau notificou os primeiros casos da doença em novembro do ano passado. Na época, foram 36 notificações com cinco casos confirmados.

No mês seguinte, houve uma explosão no número de notificações, com 730, e apenas uma confirmação. O balanço do ano de 2015 foi fechado com 766 notificações seis confirmações.

Emergência – Enquanto isso, a OMS declarou no dia 1º de fevereiro situação de emergência em saúde pública de interesse internacional, em razão do aumento de casos de infecção pelo vírus zika identificados em diversos países e de uma possível relação da doença com quadros registrados de malformação congênita e síndromes neurológicas.

O temor maior é a associação do zika com a microcefalia e outras malformações no Brasil e o fato de o vírus já ter sido detectado em 23 países das Américas. O Ministério da Saúde investiga três casos de microcefalia com suspeita de infecção pelo vírus zika em Mato Grosso do Sul. A SES informou que são dois casos em Dourados e um em Bela Vista, ainda sem confirmação laboratorial.

Em todo o Brasil, foram registrados 3.530 casos de microcefalia com suspeita de infecção pelo vírus zika, em 21 estados e 724 municípios. Destes, estão em investigação 46 casos que evoluíram para óbito.

Uma estimativa da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), braço da OMS (Organização Mundial da Saúde), prevê que o continente americano deve ter entre 3 milhões e 4 milhões de casos de zika em 2016. O cálculo é baseado no número de infectados por dengue, doença transmitida pelo mesmo vetor, em 2015. A organização considerou também a falta de imunidade da população para chegar a esse número.

Subnotificação – Três médicos infectologistas que atuam em Mato Grosso do Sul, ouvidos pelo Campo Grande News, apontam problemas em relação às notificações dos casos e o diagnóstico da doença. Todos atuam diretamente no atendimento aos pacientes com sintomas ou com as doenças transmitidas pelo Aedes aegypti – dengue, zika e febre chikungunya.

Infectologista do Hospital Universitário de Campo Grande, Maurício Antonio Pompilio diz que existem problemas em relação à notificação dos casos. “É diferente da dengue, não tem notificação compulsória para zika. Eu mesmo atendo vários pacientes nos locais onde trabalho, inclusive no meu consultório, que estão com zika. Não notifico, mas examino e faço o diagnóstico pelos critérios clínicos, sem o exame”.

O infectologista relaciona a subnotificação do zika vírus aos casos de gripe. “Como o número de doentes é muito alto, só os casos graves são notificados. A gripe, por exemplo, só quando é grave é notificada, porque as pessoas ficam gripadas normalmente”.

Ele explica que a doença causa apenas sintomas leves em uma pessoa adulta, que não terá graves complicações. “Não vai ser feito teste de zika nos pacientes com sintomas como febre baixa ou mesmo sem febre, manchas no corpo, dor nas articulações, inchaço nas mãos e pés, e vermelhidão nos olhos. É uma recomendação da própria OMS e também do Ministério da Saúde”, disse o médico.

Mesmo assim, ele orienta a população a procurar atendimento médico, caso apresentem sintomas de qualquer uma das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. “O paciente não vai saber com qual das três ele está, por isso precisa ir a uma unidade de saúde, passar pela triagem e receber as orientações”.

A subnotificação dos casos também é analisada pela médica Priscila Alexandrino, infectologista da Santa Casa. Outra preocupação, além da microcefalia, são problemas neurológicos que podem ser apresentados por pessoas infectadas pelo zika. “São quadros isolados e posteriores. Ainda é desconhecido, mas está sendo estudado, como a Síndrome de Guillain-Barré”, disse.

A síndrome é uma doença autoimune que se manifesta depois de infecções por vírus ou bactérias e ataca os nervos periféricos. Essa desordem do sistema imune provoca fraqueza muscular e paralisia que, nos casos mais graves levam a óbito.

Além disso, a médica alerta para a dificuldade de diagnosticar a doença e a falta de procura por atendimento médico. “80% dos casos são assintomáticos, a pessoa tem a doença, mas não sabe. Outros pacientes apresentam sintomas leves, febre baixa e exantema (erupção na pele). Muitos nem procuram assistência também por conta dos postos superlotados. Por isso a subnotificação fica abaixo do número real de casos.”, afirmou.

O infectologista da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Rivaldo Venâncio da Cunha, acredita que, por ser uma doença ainda desconhecida, as pessoas com sintomas do zika vírus devem procurar atendimento especializado. “Seria melhor se todos pudessem ser atendidos. Mas, de fato, como as unidades de saúde estão lotadas, as pessoas não procuram”.

Água limpa e parada serve de criadouro para o mosquito transmissor das doenças. (Foto: Fernando Antunes)
Água limpa e parada serve de criadouro para o mosquito transmissor das doenças. (Foto: Fernando Antunes)

A SES e a Sesau informaram que todos os casos suspeitos de zika vírus devem ser notificados, sejam em gestantes ou não. Já o Ministério da Saúde informou ao Campo Grande News que as notificações não são compulsórias, e mesmo com o alerta mundial em relação à doença o sistema será mantido, pelo menos por enquanto.

Uma mudança no modo de notificação pode acontecer, mas não existe previsão de quando será feito. Até lá, os casos não são compulsórios – como é a dengue – e sim estimados com base no número de pessoas doentes na região.

Zika – O zika vírus só foi identificado no Brasil em abril de 2015, por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia. Em pouco tempo, porém, ele se dispersou por 18 estados do País, levado pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo que serve de vetor para os vírus da dengue, da febre chikungunya e da febre amarela.

O Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde reconheceram oficialmente a relação entre o nascimento de bebês com má-formação cerebral e a circulação simultânea do ZIKAV, no Brasil.

Quando os sinais aparecem, em geral dez dias depois da picada, podem ser semelhantes aos da dengue, porém tão menos agressivos, que chegam a ser confundidos com os sintomas de uma virose. Como desaparecem espontaneamente depois de três a sete dias, na maioria dos casos, as pessoas nem chegam a procurar assistência médica e não recebem o diagnóstico da doença. O diagnóstico é basicamente clinico. “É difícil o diagnóstico, pois o paciente tem menos febre e menos alteração nos exames de sangue”, explicou a médica Priscila Alexandrino.

Ainda não existe vacina contra o zika vírus. Por enquanto, a única forma de prevenir a infecção é combater os criadouros dos mosquitos, que proliferam em depósitos de água parada. O tratamento também não é específico. Mas a orientação é de que, assim como acontece nos casos de dengue, os remédios que contêm ácido acetilsalicílico são contraindicados, porque podem aumentar o risco de hemorragias.

É preciso estar atento aos seguintes sintomas que fazem parte do quadro típico da infecção pelo zika vírus:
- febre por volta dos 38 graus;
- dor de cabeça, no corpo e nas articulações (que pode durar várias semanas);
- erupção cutânea (exantema maculopapular) acompanhada de coceira intensa que pode tomar o rosto, o tronco, os membros e atingir a palma das mãos e a planta dos pés.
- fotofobia (sensibilidade à claridade intensa);
- conjuntivite (olhos vermelhos, inflamados, lacrimejantes e sem secreção purulenta);
- diarreia, náuseas, mal-estar;
- cansaço extremo.

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