Famílias se reúnem pelo Whatsapp, elegem "alvo" e invadem área da prefeitura
Cerca de 80 pessoas começaram a limpar a área ontem, foram retiradas, mas continuam disposta a entrar
Guarda Municipal Metropolitana está de plantão desde a madrugada para evitar a invasão de uma área pública no Jardim Tijuca. Famílias se organizaram em grupo de Whatsapp, elegeram um "alvo" e saíram em caravana para o local. Mais de 80 pessoas, dentre elas 20 crianças, já foram despejadas, depois de limpar o terreno baldio para montar barracos. Mesmo assim, elas não desistem e dizem que é a única alternativa diante de ordem de despejo que receberam por diferentes motivos.
Segundo algumas pessoas que ainda seguem no local, parte do grupo foi despejado do condomínio conhecido com "Carandiru do São Jorge da Lagoa". O restante vive de aluguel no entorno do terreno.
Thais do Carmo, de 28 anos, conta que "idosos e crianças vieram para cá de mala e cuia, mas quando a Guarda chegou, todo mundo voltou para o condomínio". Ela diz que vive de aluguel no Tijuca, mas como atrasou o pagamento, está prestes a ser despejada.
"Isso acontece com muita gente nessa região. Aqui, os vizinhos até estão apoiando a gente, porque é um lixão a céu aberto", diz sobre a área coberta de mato. Ela mora com os dois filhos e divide terreno com outra mãe de 3 criança, que também tenta ocupar o terreno.
A Guarda Civil Metropolitana continua no local e a ordem é seguir de prontidão para evitar que as famílias montem barracos. Não há previsão de sair. Já as famílias também estão irredutíveis. Ao lado do terreno, elas esperam a adesão de mais pessoas para novamente tentarem entrar.
"A gente não desiste nunca. Vamos entrar, eles vão tirar e a gente vai entrar de novo. Tem um mulher que mora lá pra baixo, porque a gente também não pode", questiona Thaís.
O lixo estocado no local foi retirado recentemente, confirma a Guarda Metropolitana que diz se tratar de uma área pública.
Casa de alvenaria foi levantada no lugar há mais de 30 anos, como comodato, segundo a própria moradora. Aos 36 anos, Kelly Fernandes mora com a mãe no lugar e diz que já viu muitas tentativas de ocupação da área. "Já tentaram construir até uma igreja. Aqui é área da prefeitura, metade reserva verde e metade do comodato. A gente tem de conviver com essa gente que quer invadir. Não é novidade", afirma.
Segundo ela, a família quer regularizar a situação, mas não consegue, "Há um mês tentamos regularizar, mas como não temos nenhum documento, ainda não conseguimos".
Desempregado, Adriano Alves é um dos que espera brecha para montar um barraco na área. Ele diz que sobrevive de "bicos" aos 42 anos. Pai de 3, a mais nova de 4 meses de vida, garante não ter o que perder. Diz que ou paga aluguel, ou dá comida para os filhos. Por isso, a decisão de invadir. "Criamos um grupo e fomos nos comunicando. Quando encontramos esse terreno aqui, que é um lixão a céu aberto, viemos para ele".
No grupo tem gente bem nova e já com família grande. Com apenas 26 anos, Jeferson Oliveira já tem 3 filhos, uma escadinha de 3, 4 e 6 anos. O mais velho, com paralisia cerebral, precisa de cuidados especiais, o que piora a situação.
"Só eu trabalho e minha mulher recebe beneficio por causa do meu filho. Recentemente, vimos que a prefeitura iria sortear 60 apartamentos no Jardim Antártida. Minha esposa tem cadastro na Emha e ligou para se recadastrar e pedir para participar do sorteio, mas mesmo com uma criança com paralisia, falaram que a gente não estava apto. Falaram que tem de ter no mínimo 2 salários mínimos. Onde já se viu? Quem ganha dois salários mínimos?", reclama.
Ele diz que já recebeu ordem de despejo por dívida de R$ 1 mil de aluguel. "Essa é a nossa única opção: invadir", conclui.
Henrique Silva, de 24 anos conta que em fevereiro sofreu acidente de moto e garante que desde então não consegue trabalho. "Não recebo nenhum benefício e minha esposa também não tem serviço. Por falta de opção, a gente resolveu vir pra invasão", justifica o rapaz que vive com a mulher e o filho.
Do outro lado da linha do tempo, aos 60 anos, Neli Ferreira, paga R$ 600 de aluguel para dividir a casa de 3 cômodos com mais 7 pessoas: 4 filhos e 3 netos. Já são 6 anos assim, lamenta. "Meu neto mais velho tem leucemia e só um dos meus filhos trabalha. Não temos condições de pagar aluguel, comprar comida, pagar água e luz. Por isso resolvemos vir pra cá."
Também com 60 anos, o eletricista Valcir Angoreri é vizinho do terreno invadido, mas diz que nunca tinha visto uma ação assim. Ele não apoio a invasão, mas cobra uma destinação. "Se não dão conta de limpar, deveriam vender ou, pelo menos cercar".
Em nota, a Emha (Agência Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários) confirma que na madrugada de domingo equipes do setor de monitoramento e fiscalização estiveram atuando contra uma tentativa de invasão.
"As famílias não haviam construído nada no local e estavam com seus móveis em frente ao lote para iniciar a invasão. Informa ainda que as famílias foram orientadas a buscar atendimento no setor social posteriormente para conhecerem os programas emergenciais vigentes da agência".