Grávida de 18 semanas, mulher quer ter direito a entregar o filho para adoção
"Quero o melhor para a criança", diz mulher que foi abandonada pelo ex-namorado por não querer fazer aborto
"Estou grávida de 18 semanas de uma gravidez não planejada e indesejada. Tenho mais outros três filhos e não tenho condições. O pai não quer saber, foi embora, trocou de telefone, eu não tenho mais contato. Gostaria de saber se posso entregar o bebê ao nascer".
A mensagem acima foi escrita e enviada para a redação. Do outro lado está uma mulher de 30 anos, moradora de uma vila de casas simples no Bairro Tiradentes, em Campo Grande, que resume em quatro linhas o que é vivido por muitas mães que sob julgamento dos outros encaram uma gestação sozinha.
A mulher abre a porta de casa para a equipe entrar. O lar tem dois quartos, cozinha, sala e banheiro, espaço pelo qual ela paga R$ 550,00 de aluguel, metade do salário que recebe como auxiliar de cozinha.
Mãe de três filhos, dois meninos de 14 e 6 anos e a caçulinha de 2, ela ficou sozinha e sobre os ombros dela ficou o peso da responsabilidade de decidir entregar o filho para adoção.
"Já me julgam por eu ter três filhos e estar grávida de mais um. Por isso eu quero dar, eu quero o melhor para criança", responde.
Além do salário, a mãe recebe pensão para os dois filhos mais velhos que soma R$ 450,00. Dinheiro que é gasto nas compras do mês, no gás e também nas roupas das crianças. Da menorzinha, o pai ainda não paga e mãe luta na justiça para conseguir.
"A gente passa aperto às vezes. Tem que comprar roupa, gás, coisa para as crianças", diz. Afastada do trabalho por conta da pandemia, quando ainda tinha de ir presencialmente, a auxiliar deixava os dois menores sobre os cuidados do filho mais velho, de 14 anos.
A descoberta da última gestação veio há pouco tempo, quando já estava para completar dois meses. "Ele era meu namorado, ficamos juntos por seis meses, quando eu engravidei ele foi embora. Eu não tenho condições mesmo de ficar com a criança", se justifica.
O pai, segundo ela, não só sabia da gravidez como tentou fazer com que ela abortasse tomando remédio. "Eu não quis, aí começaram as brigas e ele decidiu ir embora. Ele trocou o chip do celular, disse que ia trabalhar em Dourados e de lá ia voltar para a cidade dele no Piauí", conta.
Logo depois que o ex-namorado partiu, a mulher pensou em entrar na justiça contra ele e assim fazê-lo arcar com as responsabilidades, mas depois acreditou que o melhor seria encontrar um lar onde a criança recebesse amor sem que uma decisão judicial precisasse ordenar isso.
"É uma responsabilidade muito grande, quem vai cuidar pra mim? Por isso eu estou fazendo isso, pensando no melhor para a criança. A minha pequena, por exemplo, não convive com o pai. Ele vive fugindo da justiça, penso que adoção vai ser a melhor opção para ela".
A mãe chama o bebê de "criança" o tempo todo. Menino, ele está crescendo bem, e a gravidez é acompanhada de perto no pré-natal.
"É muito difícil. Eu vejo muitas pessoas abandonarem crianças. Acho isso um pecado. Não queria que acontecesse comigo, por isso eu quero me informar e fazer tudo certo. Sei que tem que ser tudo legal e quero saber como funciona", explica à equipe.
A ideia de procurar a reportagem foi justamente essa, de saber como fazer para entregar o filho para quem vai cuidar. "A minha opinião já está formada e não vai mudar. Só queria que ela soubesse, no futuro, que eu fiz o que fiz porque era o melhor para ela".
Direito - Entregar um filho para adoção não é crime e sim um direito da mãe previsto no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) que ainda prevê que a mulher deve receber acompanhamento durante a gestação inclusive garantindo que o processo tramite em segredo de justiça.
"Todo mundo atribui à mulher a responsabilidade pela contracepção. Nessas hipóteses é comum os companheiros sumirem deixando a mulher sozinha em situação de muita vulnerabilidade social e emocional", comenta a juíza da Vara da Infância e Juventude, Katy Braun.
Por isso que em Campo Grande o poder judiciário tem há anos o projeto "Dar a luz". "E ele é sem crase, justamente para indicar que vamos dar uma luz para essa mulher que está na escuridão. O que a gente faz? Acolhe essa mulher. Sem julgamentos, ela passa pela equipe técnica do poder judiciário e recebe toda orientação e apoio que precisa durante a gestação", frisa a magistrada.
O apoio é estendido a toda família que tem garantida a segurança alimentar. "Nós vamos ajudá-la a refletir sobre entregar ou não o bebê. Não existe da nossa parte uma pressão nem para ela entregar nem para ela ficar. Queremos apenas que ela possa tomar uma decisão madura sem estar pressionada", esclarece Katy.
Cabe à Justiça encontrar uma família que já esteja habilitada para receber o bebê, garantindo assim que tanto mãe quanto criança tenham todos os direitos preservados. "Essa mãe sabe que a criança vai ser entregue para alguém que já está habilitado para adotar, que foi avaliado e demonstrou capacidade para ter filhos em todos os aspectos", complementa a juíza.
Desde o ano passado, as mulheres que desejam entregar o filho voluntariamente para adoção podem procurar tanto o Fórum quanto qualquer unidade de serviço de saúde na Capital para ser encaminhada à justiça.
Onde procurar - Interessados em saber sobre adoção podem falar com o Núcleo de Adoção pelo telefone 9-9107-5844. Para conhecer um pouco mais sobre o projeto "Dar a Luz" você pode procurar a Vara da Infância, Juventude e do Idoso de Campo Grande, no Fórum. O telefone é o: 3317-3548 e o endereço é Rua da Paz, 14 - Térreo, Bloco 02.