Margens de córrego estão esquecidas e população teme período de chuvas
"O que é que Campo Grande tem pra mostrar em seu aniversário? Está tudo feio", resume Ubaldino Simões de Lima, 56 anos, há dezoito deles dono de uma oficina modesta de estofaria na Avenida Ernesto Geisel, na altura do Jardim Marcos Roberto, em Campo Grande.
As fortes chuvas que caíram na capital no último sábado (20), ligaram o sinal de alerta nos comerciantes como Ubaldino, que ficam na margem direita do Rio Anhanduí, sentido centro. A região amarga há anos a fama de um dos locais com mais alagamentos na capital. E não há previsão de melhora desse cenário tempestuoso quando a temporada das chuvas chegar junto com o verão, no final do ano.
"A gente deu sorte que o tempo estava seco há muito tempo, então não choveu, mas quando chegar, já sei que terei prejuízos, porque o material que trabalho é todo perecível", conta Ubaldino. "Essa região central, tão importante para a cidade, com shopping, está abandonda quando deveria ser uma prioridade", desabafa o comerciante enquanto mostra com as mãos aonde a água chegou na última temporada de chuvas: uma marca reta aos 80 centímetros da altura, acima até mesmo da mesa onde o homem trabalha.
Os moradores dizem que o problema antigo, e assistem impotentes ao desmoronamento lento e abandono das margens do Anhanduí. "Está assoreando e a margem cede, daí o asfalto cede e já vimos árvores caindo por causa disso, é uma terra podre. Mesmo na seca, cai", conta Ubaldino.
De fato, em pelo menos três pontos, é possível notar erosões que, quando não estão totalmente sem sinalização, contam com um cavalete no asfalto para avisar do perigo iminente. Entre quem vive nesse trecho, a sensação é uma só: abandono.
"Eu nunca vi ninguém da Prefeitura vindo aqui e nem recebi nenhum tipo de indenização pelos prejuízos", lamenta Claudio Balbino, proprietário de uma loja de veículos usados vizinho à estofaria de Ubaldino.
Para aguentar as enchentes, Balbino teve que gastar mais de R$200 desde 2011. "Primeiro, tive que aterrar os fundos para subir o nível do chão e, depois, tive que refazer a frente pois perdi banheiro, cozinha e quatro contra-pisos por conta da água". O esforço tomou mais de 250 caminhões de terra para ficar acima da água.
O comerciante, que já se organizou com os vizinhos para tentar obter respostas da Prefeitura, sem resposta, relata ainda situações que reforçam o descaso com a região. "Mandei carpir por minha conta o mato aqui da frente, na margem, porque ficava cheio de usuários de drogas e cheguei a ter meu estabelecimento furtado", completa.
A Prefeitura foi procurada para contar se há planos de alguma obra para minimizar os danos, mas não se manifestou até o fechamento da reportagem.
Solução
A região do Anhanduí nesse trecho é tão sujeita aos alagamentos porque acumula as vazões do Prosa e do Segredo, que se unem perto do Horto Florestal. Daí, os mais de cinco metros entre a água e a rua são preenchidos em questões de minutos e o fluxo forte arranca tudo que está por lá, incluindo o asfalto, que parece tão perto de ceder em diversos trechos.
"A região foi urbanizada e os moradores das margens retirados nos anos 90, mas não foi feita nenhuma obra que preparasse para esse volume de água", explica Ângelo Arruda, arquiteto e urbanista e professor da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul).
"E isso é uma irresponsabilidade, pois trata-se de uma via arterial com fluxo intenso, não consigo entender como podem simplesmente colocar um cavalete e pronto", opina. Para o especialista, as soluções a curto prazo são apenas minimizadoras, como a dragagem do córrego. "O ideal seria um plano robusto feito por engenheiros para elaborar um projeto técnico que respeite as características geológicas únicas dessa região", completa Arruda.
O único movimento feito em relação aos alagamentos na capital foi um veto do Prefeito Alcides Bernal (PP) à sinalização obrigatória em pontos de alagamento aprovada pela Câmara Municipal em agosto desse ano. A justificativa para o veto foi financeira.
Enquanto os técnicos não veem, as araras e os anús que vivem nas árvores das margens parecem ser os únicos a transitar tranquilos de um lado a outro da Ernesto Geisel.
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