Na Cidade dos Anjos, infância precária em meio a “gatos”, ratos e barracos
Na Cidade dos Anjos, a favela que ocupa uma quadra no Jardim das Hortênsias, são os pequenos quem mais sofrem com a vida precária. Ter como lar um barraco de lona, iluminado por “gatos”, abastecido com água “puxada” da rua reflete diretamente na saúde de quem está na infância. Ter um gato, neste caso o felino, também é item básico para afugentar ratos.
“As crianças ficam muito doentes. Minha filha furou o pé e não sara. Meu filho vomita todo dia. Levo no posto, mas ninguém sabe o que é. É bem complicado”, conta Marlei Espíndola Chaves, 33 anos, que divide um barraco com o marido e quatro filhos.
As crianças crescem ladeadas por lixo, esgoto a céu aberto, animais domésticos esquálidos, roedores e mau cheiro. O cenário preocupa Walquíria Ferreira, 29 anos. Enquanto o primeiro filho cresce na barriga, o temor cresce na cabeça. “Viver num barraquinho de lona é complicado. Para piorar o meu desespero, estou grávida do meu primeiro filho”, relata.
Walquíria e o marido se mudaram para o barraco há três anos. Ele sofreu acidente e o casal não conseguiu mais pagar com o aluguel. O lar se resume a um barraco em que a lona separa a cozinha do quarto e o banheiro é emprestado da vizinha.
A mesma versão do dinheiro curto para pagar um imóvel se repete em muitos dos 48 barracos da favela. Keila Simare Marcelino Gonçalves, o marido e os três filhos trocaram uma casa com aluguel de R$ 600 por um barraco. O quarto filho completa oito meses no ventre da jovem de 24 anos. Quando nascer, Melissa vai dividir com a família o barraco de uma peça, duas camas, dois televisores, dois fogões, micro-ondas e ventilador.
“No começo foi difícil por causa dos meus filhos. O segundo tem bronquite asmática”, relata. A família vive com R$ 300, valor que sobra da aposentadoria do marido após desconto de pensão alimentícia para outros filhos, e de programas de transferência de renda, como Bolsa Família e Vale Renda. As crianças frequentam creche e escola.
Para Keila, o ideal é que a prefeitura loteasse o local e eles pudessem erguer casas de alvenaria. Ela conta que são 42 famílias e quem mora lá impede o entra e sai. Ou seja, quem foi embora, não pode entrar, “que sai, a gente não deixa entrar”, diz a jovem.
O local também é endereço de quem viu na invasão uma oportunidade de ter casa própria. “Morava de aluguel e aproveitei o embalo. Vai que a gente consegue uma casa”, diz Hemily do Nascimento, 20 anos. Ela mora com o filho de dois anos. O barraco fica de frente para o de sua mãe.
Ela explica que o maior problema é a chuva. “Quando chove, entra água por baixo, por cima. Vem os ratos, tem que ter gato”, diz.
Se por um lado vivem em condições precárias, a dispensa de pagar aluguel, água e luz alimenta a poupança de alguns moradores. As economias são guardadas com intuito de construir uma casa. Mas, sem ver solução a curto prazo, há quem invista em sonhos. Alessandra Vera dos Santos, 24 anos, conta que viajou para Aracaju com o marido e os três filhos. Ela aproveitou para conhecer o mar. “Vou ter que começar a poupança de novo”, diz.
No fim de 2015, moradores da favela, que nasceu há três anos, fizeram protesto em frente à prefeitura de Campo Grande. A área é do poder publico e deveria receber uma praça.
Na ocasião, o prefeito Alcides Bernal (PP) informou que faria levantamento das famílias e que a fila da casa própria tem 28 mil cadastros. Conforme os moradores, a Emha (Empresa Municipal de Habitação) enviou equipe ao local. Mas não houve novidades sobre o destino das famílias.
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