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Capital

No Centro da Capital, um território demarcado como cracolândia

Mariana Lopes | 11/11/2012 08:15
No Centro da Capital, um território demarcado como cracolândia
O muro em frente a uma banca de revista, localizada na rua 15 de Novembro com a Rui Barbosa, foi pichado pelos usuários de droga, identificando o local (Foto: Rodrigo Pazinato)
O muro em frente a uma banca de revista, localizada na rua 15 de Novembro com a Rui Barbosa, foi pichado pelos usuários de droga, identificando o local (Foto: Rodrigo Pazinato)
A presença dos usuários começa desconfiada. Apesar de andarem em grupos, se dispersam rapidamente (Foto: Rodrigo Pazinato)
A presença dos usuários começa desconfiada. Apesar de andarem em grupos, se dispersam rapidamente (Foto: Rodrigo Pazinato)

Rua 15 de Novembro esquina com Rui Barbosa, no centro de Campo Grande. O cruzamento já é bem conhecido não apenas pelo comércio que movimenta a região durante o dia, mas também pela agitação que ganha noite e madrugada afora. Quando as portas das lojas se fecham, o comércio que predomina é o das drogas e do sexo.

O local muda de cara logo que a noite chega. O corre-corre de consumidores e trabalhadores do comércio dá lugar ao vai-e-vem desconfiado de usuários de droga e garotas de programa. Lá pelas 19h, um ou outro aparece, escolhe a porta de uma loja para se sentar e já acende um baseado.

Do outro lado da rua é o lugar das prostitutas e travestis, que também escolhem um ponto estratégico. Mas neste caso, preferem um ângulo no qual elas consigam ser vistas com facilidade. Assim funciona o código de conduta deles: cada um no seu espaço. “A gente não mexe com eles e eles não mexem com a gente, não tem confusão”, conta uma das garotas de programa que aguardava o próximo cliente.

Essa é a famosa cracolândia, que antes funcionava na 15 de Novembro mesmo, mas na altura das ruas 14 de Julho e Calógeras, e mudou de ponto após a revitalização da praça Ari Coelho e a presença dos guardas municipais.

Apesar de manter a política da boa vizinhança, Rinaldo confessa que não dá para confiar (Foto: Minamar Júnior)
Apesar de manter a política da boa vizinhança, Rinaldo confessa que não dá para confiar (Foto: Minamar Júnior)

Para os comerciantes da região, a situação não chega a dar problemas muito sérios, mas eles são categóricos em afirmar que causa transtornos. “É por causa dos clientes também, todos os dias amanhece uma sujeira só aqui na porta da minha banca, até preservativo aparece”, comenta Rinaldo Narcizo de Medeiros, 46 anos.

Há oito anos com a banca de revista bem em frente ao muro no qual foi pichado “cracolândia”, hoje ele prefere manter a política da boa vizinhança. “Eles me chamam de tiozão, me cumprimentam, até me desejam um bom descanso. Há um certo respeito, mas minha banca já foi arrombada umas quatro vezes, não tem como confiar”, pontua.

Em outra loja, o comerciante José Rogério Facre Pinto, 56 anos, diz que apesar de os usuários de droga e prostitutas nunca terem tentado roubá-lo, ainda assim ele tem um pouco de receio quando sai da loja à noite. “Às vezes fico até umas 20h, 21h, fazendo trabalho interno, e antes de sair, tomo o cuidado de observar bem a rua”, diz.

Como funciona - Neste mesmo horário que José Rogério às vezes deixa a loja, a reportagem do Campo Grande News foi conferir de perto como funciona a noite da cracolândia.

A equipe chegou ao local perto das 19h30. Passou pouco tempo e um casal se aproximou, ele de bicicleta e ela à pé. A garota, que disse ser menor de idade, logo pegou uma latinha cortada e acendeu a pasta base, enquanto o rapaz, que ela mesma confirmou ser o namorado, continuou em direção à praça Ary Coelho.

Ao ser abordada pela reportagem, a adolescente rapidamente soltou a droga e se esquivou. “Não tenho nada para falar, não. Tô de boa”, dizia ela, tentando até esconder o rosto. De longe, o namorado percebeu a aproximação e voltou ao encontrado da garota. Durante o tempo que a reportagem permaneceu no local, ela ficava de um lado para o outro com a bicicleta, conversando com várias pessoas.

Do outro lado da rua, uma mulher encostada na parede de uma loja só observava a movimentação. Há mais ou menos 4 anos, ela fica naquele ponto todas as noites, em busca de programas.

Sem se identificar, por causa da namorada que não sabe sua verdadeira profissão, ela conta que o convívio com os usuários de droga é tranquilo. “O máximo que eles fazem é pedir dinheiro para comprar a droga. Quando a gente tem, a gente dá, caso contrário eles ficam de boa”, afirma.

Ela diz ainda que não conhece todos por nome, mas garante que a maioria é figura carimbada. “Daqui a pouco aglomera mais gente, agora o movimento ainda está fraco”, relata.

Voltamos para o outro lado, onde ficam os usuários. Sentado na porta de uma loja, um rapaz de 26 anos topou conversar com a reportagem, mas sem se identificar, é claro. Ele disse que é dependente desde os 13 anos e que frequenta o local há uns 7.

Visivelmente sob o efeito de drogas, ela confirmou que havia fumado pasta-base há uns 20 minutos, e agora estava sentado esperando aparecer alguém com mais droga para vender.

Embora ele estivesse sem dinheiro, garantiu que sempre passa alguém que ajuda. “Às vezes eu também pego umas paradinhas para vender e acabo ganhando algo em troca”, conta.

Lá pelas tantas, ele vira para a equipe e pede R$ 4. “Eu preciso de droga, estou em abstinência”, diz o jovem, em perceptível gesto de desespero. O olhar vazio procurava insistentemente por alguém que pudesse lhe salvar, não das drogas, mas de lhe saciar a vontade de usá-la.

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