Ong sem-teto some com recursos e deixa mais de 200 famílias sem casa
Morhar Organização Social recebeu R$ 2,7 mihões e só entregou 42 casas. A atual gestão bloqueou repasse de R$ 900 mil.
Mais de duas centenas de famílias retiradas da favela Cidade de Deus há um ano, sob a promessa de um teto digno, ainda está sem casa. O motivo não é falta de recurso, mas de gerenciamento e fiscalização. Pelo menos R$ 800 mil que seriam destinados à compra de material de construção parecem ter sumido, ainda na gestão anterior - parte de um convênio de R$ 3,6 milhões com a Morhar Organização Social, que ficou responsável pela entrega de 300 unidades habitacionais até julho de 2016.
Até o momento, apenas 42 residências foram entregues no loteamento Vespasiano Martins, sem acabamento. Porém, R$ 2,7 milhões já foram repassados à referida ONG (organização não-governamental) que sequer tem sede e, a exemplo das demais ocasiões, não atende jornalistas. Até o mês passado, do total "utilizado", apenas R$ 1,9 milhão teria sido justificado pela Morhar ao poder público, em balancete de prestação de contas. O restante, R$ 800 mil, foi retirado à deriva.
Depois de tomar posse, em 2 de janeiro, a atual administração municipal conseguiu bloquear apenas os R$ 900 mil restantes do convênio - e agora procura o Governo do Estado em busca de parceria - leia-se: mais recursos - para concluir as demais residências em outros três loteamentos, onde mais de 500 pessoas, incluindo crianças, atravessaram o inverno e chuvas em barracos improvisados, e ali permanecem.
Na prefeitura, o imbróglio segue na Procuradoria-Geral do Município, para resolução por vias judiciais. "A PGM tem que averiguar se existiu irregularidade. É um processo extremamente complexo", aponta o diretor-presidente da Emha (Agência Municipal de Habitação), Eneas José de Carvalho Netto. "Fizemos levantamento, identificamos algumas situações, bloqueamos R$ 900 mil e encaminhamos o caso para o jurídico".
Ao Campo Grande News, ele demonstrou descontentamento com o método usado pela gestão anterior - de construir em regime de mutirão envolvendo uma organização sob a justificativa de baratear custos. "Em uma licitação pelo menor preço se compra mais barato. Bastaria entregar o terreno com um kit material de construção e uma planta baixa", avalia Eneas. Para completar, "contrata-se mestres-de-obra para execução do alicerce, assim como eletricistas e outros profissionais especializados para ajudar os moradores".
Todavia, para conseguir a ajuda do governo, a prefeitura precisa, primeiro, saber quanto será necessário para terminar as obras. Para tanto, o Município diz que fará levantamento da situação de cada um dos lotes com casas inacabadas e outras que sequer começaram a serem levantadas. Sem prazos definidos, percorrerá a região do bairro Dom Antônio Barbosa (Jardim Pedro Terel), Jardim Canguru e Bom Retiro (Vila Nasser), onde as famílias que viviam junto ao aterro do Dom Antônio aguardam uma resolução desde março de 2016.
O outro lado - Ao longo do ano passado, o Campo Grande News acompanhou de perto a situação, desde a retirada das famílias de catadores do "lixão do Dom Antônio", até os protestos das mesmas famílias clamando por moradias, já alocadas nos lotes. A assessoria do então prefeito Alcides Bernal (PP) defendia a participação da Ong Morhar, alegando que uma licitação tradicional levaria muito tempo e não conseguiriam, por meio de empreita, construir casas ao custo de R$ 12 mil cada.
Na ocasião, o ex-titular da área de Finanças, Planejamento e Controle, Disney Fernandes, explicou que os recursos foram liberados em duas fases. A primeira correspondeu a 53% do convênio, portanto R$ 1,9 milhão. A convenente prestou conta e foi liberado mais dinheiro. Porém, na segunda parcela, que totalizou cerca de R$ 800 mil, não houve a prestação de contas.
Meses depois, a nova gestão comandada pelo prefeito Marquinhos Trad (PSD) rebate: "Como você constrói uma casa com R$ 12 mil? Não adianta entregar a casa de qualquer maneira", questiona, por fim, o atual diretor de habitação do Município.