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Capital

Pacientes são contra ideia de liberar comércio de sangue

Plasma é valioso na indústria farmacêutica e usado na produção de medicamentos de alto custo

Por Aline dos Santos | 04/10/2023 12:10
Doação de sangue é voluntária no Brasil, sem remuneração ao doador. (Foto: Henrique Kawaminami)
Doação de sangue é voluntária no Brasil, sem remuneração ao doador. (Foto: Henrique Kawaminami)

Os pacientes de Mato Grosso do Sul defendem o SUS (Sistema Único de Saúde) e são contrários à PEC 10/2022, que estabelece regras para coleta, processamento e comercialização de plasma humano, presente no sangue.

As polêmicas da “PEC do Plasma” são a liberação do ingresso de empresas privadas e a possibilidade da comercialização desse componente do sangue, bastante valioso na indústria farmacêutica e usado na produção de medicamentos de alto custo. O tema está em discussão hoje no Senado.

“Nosso posicionamento, enquanto paciente é contra a PEC. No momento, os medicamentos e tratamentos com plasma são exclusivos do SUS. Antigamente, tinha contaminação com HIV, hepatite C. Mas foi criada essa legislação, com todo um sistema de inativação viral. Se for coletado por empresas privadas, será que vai conseguir manter todo o protocolo? A gente já passou por problemas de contaminação no passado, quando não tinha todos esse protocolos e cuidados. Não vejo essa remuneração com bons olhos”, afirma o presidente da Associação das Pessoas com Hemofilia de Mato Grosso do Sul, Neder Santos.

A entidade representa 190 pacientes que estão em tratamento no Estado. O plasma é utilizado para produção de medicamentos. A hemofilia afeta a coagulação do sangue.

Presidente do Instituto Sangue Bom e representante da Associação Brasileira dos Transplantados, Carlos Alberto Rezende, 59 anos, o professor Carlão, também é contrário a essa privatização. “Sou transplantado, só estou vivo graças a um sistema público que funciona de maneira eficiente”, destaca.

Professor Carlão é presidente do Instituto Sangue Bom, criado a partir de doação recorde de sangue. (Foto: Antonio Marques)
Professor Carlão é presidente do Instituto Sangue Bom, criado a partir de doação recorde de sangue. (Foto: Antonio Marques)

Carlão, que é biólogo e biomédico, enfatiza que a PEC é perigosa por também abrir precedente para privatização do sistema nacional de transplante, num mercado em que um órgão pode valer milhões. “Se você já começa a abrir a possibilidade de comércio de plasma, um produto que salva vidas. E quem vai ser a agência reguladora, de que forma vai ser feito o controle”, questiona o professor.

Basicamente, o plasma corresponde à parte líquida e reúne os elementos celulares: hemácias ou eritrócitos, leucócitos e plaquetas. O componente ficou mais conhecido em 2020, durante estudos científicos para tratamento da covid-19.

Personalidades, como o cantor sertanejo Mariano e o senador Nelsinho Trad (PSD), mobilizaram doadores. No caso deles, a doação foi pela chamada aférese, com duração que vai de 90 minutos a duas horas. Mas o plasma também é obtido com a doação comum de sangue.

Trad é autor da PEC, mas destaca que a possibilidade de pagamento de compensação não constou no texto original, tendo sido incluída pela relatora, a senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB).

O senador sul-mato-grossense disse que apresentou a PEC depois de ser procurado por entidade que representa portadores de mais de 20 doenças que exigem uso de medicação e tratamentos à base de hemoderivados. Ele explica que os elementos encontrados no plasma não existem na indústria, de forma sintética, e, portanto, é preciso apoiar a coleta do derivado, para estimular a produção de medicamentos no Brasil. Hoje, o País precisa importar.

Conforme Trad, a Hemobrás (Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia) consegue atender somente um quinto da demanda.

Senador fez a doação de plasma em 18 de junho de 2020 no Hemosul. (Foto: Divulgação)
Senador fez a doação de plasma em 18 de junho de 2020 no Hemosul. (Foto: Divulgação)

A regra atual - Pela Constituição Federal, uma mesma lei deve tratar de temas como remoção de órgãos (transplante), tecidos e substâncias humanas e coleta de sangue e derivados para fins de transplante, pesquisa e tratamento. O texto em vigor veda expressamente a comercialização desses produtos.

“O que inspira cuidados nessa PEC é a liberação da comercialização sem uma regulamentação apropriada, que pode vir com uma tendência à comercialização do sangue de uma forma geral. Acabando com os bancos de sangue por todo o País e transformando essa questão em comércio. Então, essa é a questão mais sensível. Se essa PEC vai esvaziar os estoques dos hemocentros e se ela tem o poder de encarecer os medicamentos produzidos a partir do plasma”, afirma a advogada Ludmila Freitas Ferraz, especialista em demandas de acesso à Saúde.

De acordo com ela, a entrada do setor privado, conforme a PEC, seria com o intuito de abrir o mercado e avançar em tecnologia com relação a medicamentos fabricados a partir do plasma.

Hemosul – Em Mato Grosso do Sul, o Hemosul é credenciado e habilitado para enviar plasma para a Hemobrás. O material é destinado à produção de medicamentos advindos de hemocomponentes do sangue, que irão auxiliar pacientes de coagulopatias (doenças decorrentes de deficiência na coagulação) e doenças autoimunes. A primeira remessa foi feita na terça-feira (dia 3).

“Realizamos um passo importante para a Instituição e a produção e envio do plasma para a Indústria Brasileira nos confirma como colaboradores em mais uma frente dessa causa tão significativa do sangue, que é muito maior do que se pensa”, afirma gerente de produção da Rede Hemosul MS. Júlio César Sant'Ana Silva.

Atualmente, os hemoderivados são fornecidos pelo SUS e distribuídos no Estado gratuitamente, exclusivamente pela Rede Hemosul MS.

Campanha dos hemocentros informa os motivos contra a PEC. (Foto: Reprodução)
Campanha dos hemocentros informa os motivos contra a PEC. (Foto: Reprodução)

Vender sangue – Para o Ministério da Saúde, a eventual permissão legal para comercialização de plasma no Brasil seria um retrocesso. “Foi uma conquista do Brasil ter proibido a comercialização de sangue na nossa Constituição. Antigamente, tínhamos uma situação onde os brasileiros precisavam vender o próprio sangue para poder ter um prato de comida”, diz o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde, Carlos Gadelha.

 O posicionamento consta em nota divulgada pelo ministério. Ainda de acordo com Gadelha, a mudança na lei seria desnecessária no momento em que o Brasil vem reduzindo a dependência de outros países por hemoderivados por meio da Hemobrás.

 Atualmente, 30% dos hemoderivados ofertados pelo SUS são resultado do fracionamento do plasma doado no País e a previsão é que, a partir de 2025, com a conclusão da sua planta, a Hemobrás passe a produzir e processar 80%.

“Se a gente desestimular a doação de sangue porque o sangue virou um comércio, pode faltar sangue até para transfusão, além de faltar o plasma para a Hemobrás processar, em assistência aos hemofílicos. Poderia faltar sangue na ponta, como quando você entra na emergência do hospital”, destaca Gadelha.

 A rede nacional de hemocentros também é contra a PEC. Um dos lemas reforça que “plasma é sangue e sangue não é mercadoria”.

Ministério da Saúde também faz campanha contra a venda do plasma. (Foto: Reprodução)
Ministério da Saúde também faz campanha contra a venda do plasma. (Foto: Reprodução)


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