Para juiz, além da morte, réus terão de explicar violência contra menina em vida
Em troca de mensagens, padrasto revelou à mãe como “castigava” enteada: “dói e não marca”
Na frente de juiz, nesta quinta-feira (28), padrasto acusado de espancar garotinha de 2 anos e 7 meses terá a chance de “quebrar o silêncio” e dar sua versão sobre o que aconteceu em janeiro deste ano, antes de a enteada ser levada morta até uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Campo Grande. Ele e a mãe da criança serão interrogados em juízo e devem ter de explicar não só o que aconteceu no 26º dia de 2023, mas responder a perguntas sobre a violência praticada em vida contra a criança.
Trocas de mensagens e fotos entre Christian Campoçano Leitheim, de 26 anos, e Stephanie de Jesus da Silva, 24, são reveladoras sobre os cerca de 1 ano e meio que a menina viveu sob os cuidados do casal. Conversa do pai, o técnico de enfermagem Jean Carlos Ocampos, 28, com a mãe da menina também são evidências que a criança sofreu abusos físicos.
Diálogos entre Christian e Stephanie estão em relatório produzido pela Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente para embasar as acusações contra o casal – que responde a duas ações penais pelos crimes de estupro, tortura e homicídio. Ainda na fase investigatória, a mãe entregou celular e senha para a polícia, enquanto o padrasto se negou a fornecer o acesso ao aparelho dele, apreendido na data do flagrante. Policiais da DEPCA também não encontraram chips no telefone.
De acordo com investigadores, trechos das trocas de mensagens da acusada com o contato “Amor Amorzinho” – que seria um número antigo de Christian, porque a conversa havia sido arquivada – chamaram a atenção porque o então suspeito admitia para a mãe agressões cometidas contra a enteada. Uma das conversas analisadas ganhou destaque no relatório, pois o homem chega a descrever estratégias usadas para “castigar” a menina sem deixar marcas.
No dia 16 de novembro do ano passado, ele reclama das crianças. Como Stephanie trabalhava como vendedora, Christian era responsável por cuidar do filho mais velho dele, à época com 4 anos, da vítima, de 2 anos, e da bebê, filha do casal.
“Na hora que você chegar, eu saio. Dei uma surra na (...)*, só para informar, já que ela não quis comer e mijou [sic] duas vezes na roupa”, afirma o padrasto por mensagem de texto enviada à mulher, às 13h20.
No minuto seguinte, ele continua, aparentemente tentando justificar algum ferimento na cabeça da criança: “Bateu a mamadeira na boca da bebê* de propósito. Começou a chorar, falando que queria dormir, porque estava com sono. Aí quando mijou [sic] pela primeira vez, foi pro banheiro quietinha tomar banho e escondeu o short no meio das roupas sujas. Aí quando eu cheguei, estava com um galo na testa e a boca sangrando”.
Mais tarde, no mesmo dia, Stephanie encaminha duas fotos da filha, dizendo: “Cheguei aqui no posto. Tô fazendo a ficha dela”. Segundo apuração da polícia, a mãe se referia à UPA do Coronel Antonino, mesma unidade para onde a garotinha foi levada no dia 26 de janeiro, já morta.
Às 16h32, a jovem volta a falar com o marido: “vomitou mais um pouco”. A mãe afirma que a criança tomou Bromoprida (remédio para evitar vômitos) e foi levada para tomar soro.
“Tadinha”, responde o padrasto, comentando foto enviada por Stephanie que mostra a menina no colo dela, de olhos fechados. “Tá morrida”, ele também diz.
Uma hora depois, os dois conversam algo por áudio e Stephanie revela preocupação com a quantidade de machucados que a filha tem pelo corpo. “Tá toda arregaçada”, descreve. Ela teme que alguém note marca no pescoço da filha. “O f... é do pescoço, mas tomara que não tire foto”.
Nesse momento, Christian começa a se justificar. “Eu dei dois cascudos nela só”, afirma. Em seguida descreve as técnicas violentas que emprega contra a garotinha. “Eu quase não bato. Eu brigo mais que tudo para não ter de encostar nela. Aí dei uns beliscos e uns tapas na mão e pés, porque dói e não marca”.
A mãe chega a levantar dúvida sobre um dos hematomas, mas não reclama das agressões admitidas por ele. “Mas o do pescoço é quando aperta, amor”. Ele justifica: “Quando eu vou levar para o quarto, eu sempre pego por trás do pescoço. Mas isso eu belisquei, não apertei”. E Stephanie se conforma: “Tá bom, amor. Eu sei como você faz”.
Há outras ocasiões em que a ré questiona o marido sobre marcas de mordidas e até um corte na cabeça da filha, mas, aparentemente, sempre aceita as explicações. Quando questionada pelo pai da menina, ela também conta histórias sobre quedas ao brincar, da cama, arranhões de gatos. Stephanie nega que alguém esteja “judiando” da criança. Veja no vídeo:
Interrogatório – Está marcada para as 16h desta quinta-feira, a oitiva de última testemunha, chamada pela defesa de Christian. Logo em seguida, os réus devem responder às perguntas dos advogados, promotores e juiz.
Em solo policial, Stephanie afirmou que o marido batia na filha com o intuito de corrigi-la, negou que tenha testemunhado sessões de espancamento e jurou que levou a filha com vida para a UPA. Já o padrasto preferiu não falar com a polícia. Amanhã, ele pode exercer o direito de continuar em silêncio.
As acusações – Na tarde do dia 26 de janeiro deste ano, a menina deu entrada na UPA do Bairro Coronel Antonino, no norte de Campo Grande, já sem vida. Inicialmente, a mãe, que foi até lá sozinha com a garota nos braços, sustentou versão de que ela havia passado mal, mas investigação médica encontrou lesões pelo corpo, além de constatar que a morte havia ocorrido cerca de quatro horas antes da chegada ao local.
O atestado de óbito apontou que a menininha morreu por sofrer trauma raquimedular na coluna cervical (nuca) e hemotórax bilateral (hemorragia e acúmulo de sangue entre os pulmões e a parede torácica). Exame necroscópico também mostrou que a criança sofria agressões há algum tempo e tinha ruptura cicatrizada do hímen – sinal de que sofreu violência sexual.
O padrasto responde pelo homicídio e pelo estupro. Já a mãe da menina, pelo assassinato, como o Christian, mesmo que não tenha agredido a filha, mas porque, no entendimento do Ministério Público, ela se omitiu do dever de cuidar. No início deste mês, ambos foram denunciados pelo crime de tortura.
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