Juiz nega adiar audiência após réu por matar enteada revelar senha de celular
Para magistrado, fornecimento do código para debloquear telefone não demonstra cooperação
O juiz Aluízio Pereira dos Santos, da 2ª Vara do Tribunal do Júri, não viu como prova de cooperação a iniciativa da defesa de Christian Campoçano Leitheim, 26, de revelar a senha do celular do cliente para “facilitar” o trabalho da perícia. Para o magistrado, pareceu mais ser uma tentativa de atrasar o andamento do processo, já que advogados pediram em troca que a audiência do dia 28 de setembro, marcada para ouvir uma última testemunha e interrogar os réus, fosse adiada até que os defensores tivessem acesso integral ao conteúdo do telefone.
Christian, acusado de matar a enteada de 2 anos e 7 meses até a morte, se recusou a fornecer o código de desbloqueio do aparelho em solo policial, ao contrário de Stephanie de Jesus da Silva, 24, mãe da menina, que também responde por assassinato. Parte das conclusões tiradas pela Polícia Civil sobre o ocorrido, em janeiro deste ano, tomou por base o diálogo do casal extraído do celular da jovem. Para a investigação, os dois tentaram combinar versão sobre a morte da criança.
Pereira dos Santos lembrou que se passaram oito meses desde a constatação do óbito da garotinha e que o acusado manteve silêncio até agora sobre a senha do telefone, mesmo a defesa observando a dificuldade do Instituto de Criminalística em fazer o desbloqueio. O aparelho apreendido chegou a ser enviado para o Paraná, onde peritos também não conseguiram acesso. A perícia agora será feita pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado).
“Ao contrário do que aduz o acusado, ao dizer que está cooperação com a Justiça e por este motivo tem o direito de ser ouvido somente após o resultado da perícia, pretende, em verdade, tão-somente adiar o ato processual deforma desnecessária sob a alegação de ferir o contraditório e ampla defesa”, registrou.
Para o magistrado, para o réu, não é segredo o conteúdo que será encontrado no aparelho. “Obviamente, se o acusado exerceu o direito de se manter em sigilo a senha, presume-se que sabe do conteúdo de suas próprias mensagens e que será desvendada por uma tecnologia mais avançada, do Gaeco”.
O juiz decidiu, então, manter o interrogatório do réu agendado para a semana que vem.
Aluízio Pereira dos Santos assumiu o caso após o juiz Carlos Alberto Garcete, da 1ª Vara do Tribunal do Júri, se declarar suspeito para julgar Christian e Stephanie. Em um das audiências do caso, ele teve desentendimento com defesa do padrasto da vítima e expulsou um dos advogados do plenário.
Assim que recebeu os autos, Pereira dos Santos decidiu colocar o processo para “andar”. “No mais, fica mantida a data da audiência agendada para o dia 28 de setembro do fluente mês e ano. Isto porque assegura-se o regular retorno do andamento do processo evitando-se, sobretudo, demora na conclusão da instrução criminal, lembrando as partes, principalmente à assistente de acusação que o excesso de prazo abre frestas ao ingresso de habeas corpus pela defesa nas instâncias superiores (...) para obterem a liberdade até porque os crimes ocorreram em janeiro do fluente ano, avançando, portanto, a passos largos”, afirmou o juiz no despacho do dia 13 deste mês.
O crime – Na tarde do dia 26 de janeiro deste ano, a menina deu entrada na UPA (Unidade de Pronto Atendimento Comunitário) do Bairro Coronel Antonino, no norte de Campo Grande, já sem vida. Inicialmente, a mãe, que foi até lá sozinha com a garota nos braços, sustentou versão de que ela havia passado mal, mas investigação médica encontrou lesões pelo corpo, além de constatar que a morte havia ocorrido cerca de quatro horas antes de chegar ao local.
O atestado de óbito apontou que a menininha morreu por sofrer trauma raquimedular na coluna cervical (nuca) e hemotórax bilateral (hemorragia e acúmulo de sangue entre os pulmões e a parede torácica). Exame necroscópico também mostrou que a criança sofria agressões há algum tempo e tinha ruptura cicatrizada do hímen – sinal de que sofreu violência sexual.
O padrasto responde pelo homicídio e pelo estupro. Já a mãe da menina, pelo assassinato, como o Christian, mesmo que não tenha agredido a filha, mas porque, no entendimento do MP, ela se omitiu do dever de cuidar.
Na delegacia, Christian optou por exercer o direito ao silêncio. Já Stephanie afirmou que o companheiro batia na filha como forma de correção, mas negou que ele tivesse espancado a enteada naquele dia. Ela alega que nunca denunciou por medo do marido, já que também era vítima de violência doméstica.
A morte jogou luz sob processo lento e longo que a menina protagonizou com idas frequentes à unidade de saúde, tentativa do pai em obter a guarda após suspeita de que a criança era vítima de agressão e provocou série de audiências públicas, protestos e mobilização para criação da Casa da Criança, bem como soluções ao falho sistema de proteção à criança e ao adolescente em todo o Brasil.