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Capital

Policiais "trocam" bico de segurança por trabalho em aplicativos

Entre 10 mil profissionais, entidade estima que entre 600 e 800 são policiais e guardas municipais

Marta Ferreira | 06/08/2019 16:15
Clientes em ponto onde param motoristas de aplicativo, serviço que tem atraído profissionais da segurança pública. (Foto: Kísie Ainoã)
Clientes em ponto onde param motoristas de aplicativo, serviço que tem atraído profissionais da segurança pública. (Foto: Kísie Ainoã)

Os bicos como segurança acompanham, historicamente, a vida profissional de parte dos agentes de segurança pública, como policiais e guardas municipais, apesar de vetados. Desde que surgiu a modalidade de transporte por aplicativo, isso mudou. Boa parte dos profissionais preferiu migrar de trabalho paralelo e hoje representa parcela razoável dos “motoristas parceiros” das empresas do setor atuantes em Campo Grande. Pelos cálculos de entidade representativa dos prestadores de serviço, de um universo de 10 mil, entre 600 e 800 são das categorias de segurança pública.

A reportagem do Campo Grande News constatou isso empiricamente, encontrando até motorista rodando com arma do serviço público. Andamos com guardas civis municipais, policiais civis, policiais militares, agentes penitenciários e até com um que se apresentou como policial rodoviário federal, categoria que, como se sabe, tem vencimento acima das outras e mais raramente apela aos bicos. O salário inicial de um “PRF” supera os R$ 15 mil. Entre os policiais militares, o vencimento mais baixo, de soldado, é de 3,3 mil. Na Polícia Civil, o salário é em torno de R$ 4,5 mil para os agentes.

Na conversa com os motoristas, sob condição de preservação da identidade e da idade, para não sofrer processos administrativos, os motoristas contam que usam o período de folga para atuar nos aplicativos. “É bom porque eu mesmo faço meu horário e posso trabalhar quando dá”, conta um deles, afirmando ser policial militar.

Outro, que disse ser PRF, revelou o motivo de estar fazendo esse “free lancer”: quer viajar para fora do país e por isso está trabalhando a mais para garantir o passeio.

Um terceiro profissional, também policial militar, admitiu estar usando a arma recebida da Corporação dentro do veículo. “Ando de madrugada, é muito perigoso”. Ele disse que, apesar de estar com o revólver no carro, nunca ter precisado usar.

Presidente da Aplic (Associação Associação dos Parceiros de Aplicativos de Transporte de Passageiros e Motoristas Autônomos de Mato Grosso do Sul), Paulo Pinheiro reafirma o discurso de utilização das horas vagas para o trabalho nos aplicativos. “É uma excelente fonte de renda para ajudar nas suas despesas do dia a dia. Além do mais são bastante profissionais no que diz respeito ao transporte individual de passageiros”, defende.

Indagado sobre o uso da arma de fogo, Pinheiro afirma ser caso raro e atribui ao nível de insegurança atrelado à vida dos profissionais, volta e meia vítimas de roubos, principalmente nas corridas da madrugada. “Não tem como impedir tal situação, pois não temos acesso, não temos competência de revistá-los”.

Alternativa” - As entidades representativas de policiais militares e de policiais civis, as maiores categorias da segurança em Mato Grosso do Sul, sabem do bico como motorista de aplicativo. A justificativa é a mesma utilizada quando o assunto é a atuação como segurança: salários baixos e insuficientes para os compromissos com a família.

“Nós, hoje, ocupamos a 17ª posição de ranking do país em salário. Estamos há mais de quatro anos esperando reposição salarial e não conseguimos. Os nossos policiais precisam se manter, a inflação altíssima, as coisas todos os dias altíssimas, então nada mais que justo”, afirma o cabo Mario Sérgio Couto, presidente da ACS (Associação dos Cabos e Soldados de Mato Grosso do Sul).

“Se me perguntar: mas é proibido ou liberado? É proibido, a gente sabe disso, mas nossos policiais têm que se virar”, argumentae. Segundo ele, o trabalho para os aplicativos é “a maneira mais correta, que traz menos perigo no envolvimento de uma situação”.

“O policial tem família, tem toda uma estrutura para arcar. Seja homem, seja mulher, é chefe de família, então em vários casos, quando é possível, ele faz o bico”, pondera o presidente do Sinpol (Sindicato dos Policiais Civis), Giancarlo Miranda. “É em razão do baixo salário, o policial faz bico infelizmente para complementar o salário”, resume.

Giancarlo reconhece que a carga excessiva, com trabalho em vez de folga, pode prejudicar a atuação nas delegacias. “O ideal seria que nós tivéssemos o salário adequado para o nosso trabalho, que é uma profissão de risco, envolve o risco de vida todos os dias. Se a gente pudesse apenas desempenhar o serviço policial, porque a partir do momento que você tem que fazer o trabalho, no nosso caso de investigação todos os dias, e na sua folga, a noite, ou então na folga do plantão, acaba desempenhando outro trabalho, com certeza você não vai conseguir realizar um trabalho com excelência”, diz.

Sem restrição – A reportagem consultou as duas maiores empresas do setor em atuação em Campo Grande, a Uber e a 99 Pop. A Uber não comentou especificamente a presença de policiais e afins entre seus parceiros. A assessoria de imprensa enviou o link da política da empresa para os motoristas, onde são relacionados motivos para desligamento. Portar arma é um deles. O passageiro pode fazer denúncia no próprio aplicativo.

A 99 Pop disse apenas que os motoristas são “profissionais autônomos e fazem a gestão de seu trabalho e dia a dia”. Para atuar na plataforma, segundo informado, são exigidos documentos pessoais e do carro, conforme estabelecido em seu termo de uso.

Sobre segurança dentro dos veículos, a empresa informou que “condutores e passageiros que ameacem a segurança ou cometam qualquer ato ilícito durante a corrida poderão ser banidos do aplicativo”. Em caso de incidente, a recomendação é que o cliente deve fazer a denúncia por meio do canal de atendimento exclusivo de segurança pelo 0800-888-8999.

Nas corporações, quem faz o bico sabe do risco de sofrer punição, embora isso na prática seja raridade. A Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública), consultada pelo Campo Grande News, informou que vai determinar às corregedorias a investigação do fato.

Na Polícia Rodoviária Federal, a informação é de que é muito raro algo do tipo ocorrer e que vai contra as regras acatadas pelos policiais quando assumem as vagas. Existe permissão apenas para atuação como professor e em áreas como a saúde, como médico ou odontológo, sempre comunicando a chefia e se não houver prejuízo ao horário de serviço. A Guarda Civil Municipal de Campo Grande foi procurada, mas não se manifestou até o fechamento do texto.

Em meio às regras da plataforma Uber, parceiros são alertados que armas são vetadas. (Foto: Reprodução internet
Em meio às regras da plataforma Uber, parceiros são alertados que armas são vetadas. (Foto: Reprodução internet
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