“Quebra-costela” e sufocamento: novo relatório reproduz últimas horas de Sophia
Análise do Gaeco de diálogos no WhatsApp desmente alegações de padrasto em interrogatório
Tapas, “quebra-costela” e sessões de sufocamento. Novo relatório anexado ao processo que julga a mãe e padrasto pelo assassinato da menina Sophia, de 2 anos e 7 meses traz detalhes dos métodos violentos empregados pelo padrasto contra a enteada e refaz as últimas horas dela em vida. Os apontamentos foram feitos pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado), que deu suporte aos promotores do caso, com base nos diálogos travados por Christian Campoçano Leitheim, de 26 anos, no WhatsApp.
Antes de rebater os argumentos das defesas do padrasto e de Stephanie de Jesus da Silva, 25, que apresentaram recursos contra a decisão de levar os clientes a júri popular, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), responsável pela acusação, entendeu ser necessário anexar ao processo “percepções adicionais” do Gaeco dos dados extraídos do celular do réu, “porque durante seu interrogatório, Christian apresentou versões fantasiosas a respeito do ocorrido”.
O documento, assinado pela procuradora Ana Lara Camargo de Castro, coordenadora do Gaeco, desmente o principal argumento do acusado para se livrar a culpa pela morte da menina. No depoimento dado em juízo, no dia 5 de dezembro, Christian disse que passou o dia 26 de janeiro de 2023 dormindo, das 4h até por volta das 16h, sob efeito de drogas e álcool, e ainda que só tomou conhecimento que Sophia passava mal quando Stephanie o acordou no fim da tarde.
O réu, contudo, começa a usar o celular na data da morte da enteada, por volta das 12h. “Às 13h25min, ele (portanto, desperto) encaminhou mensagem para sua genitora, relatando que Sophia de Jesus Ocampo estava ‘morrendo de dor’”, registra o relatório.
Cronologia – A análise aponta que a criança começou a apanhar do padrasto cerca de 24 horas antes de morrer. “Ao que tudo indica o sequenciamento observado, o acusado teria agredido fisicamente Sophia na data de 25 de janeiro de 2023, meados da tarde, quando já apresentava irritabilidade desencadeada a partir de lentidão de internet enquanto tentava se conectar para jogos on-line. O fato de o acusado considerar a vítima ‘endemoniada’, por ignorá-lo e recusar a se deitar, parece ter resultado na agressão que levou a criança a óbito”.
A procuradora explica que tomou a conclusão porque algumas horas depois de Christian “desabafar” com Stephanie sobre o comportamento da enteada, classificado por ele como teimoso, a menina começou a apresentar “aos primeiros sintomas da fatal lesão sofrida por ela”.
Por volta das 18h, Sophia passou a vomitar e padrasto culpa a mãe por ter permitido que a filha comesse vários pães no dia anterior. Ele diz que a menina “vomitou o colchão inteirinho” e continua: “O que ela fez foi vomitar, umas quatro vezes acho. Agora já era. Já vomitou o que tinha que vomitar. Acho que agora vai ficar só morrendo aqui”.
Ana Lara Camargo destaca que o réu revela à mulher como fez a menina ficar quieta na noite do dia 25 e relembra a violência já empregada em outras ocasiões. “Registra-se, ademais, que já restou noticiado o mecanismo violento usado pelo acusado, consistente em tapa e 'quebra-costela', para punir a vítima, agressões que eram seguidas de sufocamento como forma de interromper o choro da criança, cujo pranto era silenciado pela ânsia de respirar enquanto tinha seu rosto pressionado contra um colchão”.
O relatório então faz um parênteses, para recordar diálogo do casal que aconteceu exatamente um ano antes da morte de Sophia, no dia 26 de janeiro de 2022. Stephanie reclama que a filha não para de chorar e o padrasto “ensina” como calá-la. O método é asfixia:
Dá uns tapão nela, aí você vira a cara dela pro colchão e fica segurando porque aí ela para de chorar. É sério. Parece até tortura mais [sic] não é, porque aí ela fica sem ar para chorar e para de chorar. Entendeu?”, orienta o Christian Leitheim, conforme transcrito pelo Gaeco.
Evolução do quadro - A perícia encontrou fotos nos celulares do casal que mostram Sophia bastante debilitada, já noite do dia 25. Na madrugada do dia 26 de janeiro, Stephanie procura na internet como fazer soro caseiro, também aponta o relatório.
Para o Gaeco, Christian dormiu por aproximadamente 7 horas, 5h às 12h, se levadas em conta as interações encontradas no aparelho de telefone dele.
Sophia aparece chorando ao fundo de áudio, enviado pelo réu a um amigo e pinçado pela perícia, o que significa que as 12h32 daquele fatídico dia, a menina ainda estava viva e o padrasto já havia acordado. “Aliás, ao encaminhar áudio, via aplicativo mensageiro, é possível ouvir ao fundo da mensagem, a vítima queixar-se de dor, enquanto Christian se gaba com o amigo sobre a prática de sexo com Stephanie na madrugada anterior”, considerou Ana Lara Camargo.
Christian chama a relação sexual de “servicinho”:
A linha do tempo mostra que, por volta das 13h, há diálogos sobre medicamentos ministrados a Sophia, o que, segundo a procuradora, “desmente tanto a versão de que o acusado estava dormindo, quanto a de que só tomou conhecimento de que a vítima estava convalescendo quando ele foi despertado pela acusada”.
O relatório destaca a relutância de Christian em permitir que Stephanie levasse a filha ao posto de saúde. Ao amigo, diz que a dor abdominal pode ser motivada pela “pele esticando” ou “porque o osso da costela dela é meio alto”. Para o padrasto, na verdade, a mulher quer um atestado para faltar ao trabalho.
Por fim, o Gaeco traz foto tirada por Stephanie às 14h05, que mostra Sophia “desmaiada” em um colchão, “sugerindo evolução de um cenário crítico”. No fim da tarde, Christian avisa a mãe dele que a enteada não está respirando.
A acusação – No fim da tarde do dia 26 de janeiro de 2023, uma segunda-feira, a menina deu entrada na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Bairro Coronel Antonino, no norte de Campo Grande, já sem vida. Inicialmente, a mãe, que foi até lá sozinha com a garota nos braços, sustentou versão de que ela havia passado mal, mas investigação médica encontrou lesões pelo corpo, além de constatar que a morte havia ocorrido cerca de quatro horas antes da chegada ao local.
O atestado de óbito apontou que a menininha morreu por sofrer trauma raquimedular na coluna cervical (nuca) e hemotórax bilateral (hemorragia e acúmulo de sangue entre os pulmões e a parede torácica). Exame necroscópico também mostrou que a criança sofria agressões há algum tempo e tinha ruptura cicatrizada do hímen – sinal de que sofreu violência sexual.
Para a investigação policial e o MP, a criança foi espancada até a morte pelo padrasto, depois de uma vida recebendo “castigos” físicos. Ele responde por homicídio e estupro. Já a mãe da menina, pelo assassinato, como o Christian, mesmo que não tenha agredido a filha, mas porque, no entendimento do MP, ela se omitiu do dever de cuidar. Ambos também foram denunciados pelo crime de tortura em outro processo.
Outro lado - Renato Cavalcante Franco, advogado Christian, afirma que o relatório anexado neste momento do processo fere o direito o réu à ampla defesa, principalmente porque o cliente não terá mais oportunidade de se defender em interrogatório. “Hoje, ambos foram pronunciados, decisão contra a qual houve levante defensivo e padece de apreciação do recurso próprio pelo Tribunal de Justiça de MS, porém, com a juntada de documentos de forma extemporânea que fere o direito de Defesa, a autodefesa do acusado de justificar, esclarecer, confessar, negar ou mesmo mentir a respeito do assunto”.
Explicou ainda que algumas das situações citadas já foram esclarecidas pelo acusado no depoimento, reforçando que a acusação violou a lei ao apresentar informações “novas” depois de encerrada a instrução processual – período em que provas e testemunhos são juntados ao autos, antes do caso ir à julgamento.
O advogado afirma que não há no processo comprovação da prática do “suposto ‘quebra-costela’ e sufocamento” por parte do cliente contra Sophia.
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(*) Matéria alterada às 13h46 para acréscimo do posicionamento da defesa do acusado.