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Capital

Sem temer “consequências”, juiz revela ao CNJ pressão para dar aval a desmate

Juiz Ariovaldo Nantes Corrêa levou ao CNJ suspeita que colega trocou sentença por cargo de desembargadora

Por Anahi Zurutuza | 27/07/2024 07:35
Ariovaldo Nantes Corrêa, juiz titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, durante evento no Fórum de Campo Grande (Foto: OAB-MS/Divulgação)
Ariovaldo Nantes Corrêa, juiz titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, durante evento no Fórum de Campo Grande (Foto: OAB-MS/Divulgação)

Dizendo saber que pode sofrer represálias por ir ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) denunciar “acordão” para desmatamentos em áreas no Parque dos Poderes com aval judicial, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa revelou que vinha sendo pressionado para homologar a minuta que autorizaria a derrubada de árvores.

O magistrado pediu que o órgão fiscalizador do Judiciário investigue o TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) e a então juíza Elisabeth Rosa Baisch, agora desembargadora, sobre decisão judicial suspeita.

O requerente esclarece ainda que foi procurado por juiz auxiliar da presidência do TJMS após apresentada a petição para homologação de acordo e antes de sua homologação que, embora não tenha feito qualquer pedido explícito, explicou sobre o interesse da administração na homologação do acordo, sendo que posteriormente, antes de sair de férias, foi procurado por um outro colega, que atua em cargo de confiança na atual administração, que lhe disse que ‘queriam’ que julgasse logo o processo, independentemente do que decidisse, momento em que afirmou que apenas julgaria quando entendesse que o processo estivesse pronto, maduro para tal finalidade”, relata Nantes Corrêa em petição protocolada no dia 12 de julho a qual o Campo Grande News teve acesso.

O juiz continua afirmando que a juíza Elisabeth Rosa Baisch – designada para substituí-lo durante suas férias mesmo fora da escala – também ocupava cargo de confiança no Judiciário estadual. A suspeita de Corrêa é que a magistrada tenha aceitado decidir pela homologação do acordo, “atropelando” os planos do titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, para em troca, ser promovida a desembargadora – o que de fato ocorreu na quarta-feira (24), sete meses após a “canetada”.

“Ao designar, sem qualquer justificativa no ato, uma juíza que ocupa cargo de confiança na administração atual e obter uma sentença de acordo com o interesse da administração também é algo no mínimo curioso, como também é curioso o comentário que se ouve nos corredores do Fórum de que a próxima desembargadora em concurso de promoção pelo critério de merecimento em curso é aquela que acabou coincidentemente proferindo sentença de acordo com o interesse da atual e da próxima administração do TJMS, bem como que isto seria resultado da sentença homologatória”, afirma Ariovaldo Nantes Corrêa ao CNJ.

O juiz pede que a Corregedoria-Geral de Justiça investigue a circunstâncias da homologação do acordo porque a sociedade campo-grandense, na opinião dele, “merece um esclarecimento”. “O ato do requerente de propor esta medida não é inconsequente ou de alguém que não se importa com o seu resultado, mas de um magistrado com mais de 27 anos de carreira, 10 anos como servidor público do Poder Judiciário neste Estado, que, às vésperas de completar seu direito à aposentadoria, vê-se na obrigação de fazer o que ainda lhe cabe para que situações como essas não se repitam mais”.

Ele conclui dizendo que está disposto a pagar o preço por fazer a denúncia. “O requerente sabe que seu ato terá consequências, será doravante um pária, mas é o preço que se paga em alguns momentos para a defesa daquilo que se mostra como o mais correto a se fazer”.

Elisabeth Rosa Baisch, empossa desembargadora na quarta-feira (24), durante entrevista (Foto: TV Alems/Youtube/Reprodução)
Elisabeth Rosa Baisch, empossa desembargadora na quarta-feira (24), durante entrevista (Foto: TV Alems/Youtube/Reprodução)

Suspeita antiga – Em decisão do dia 9 de maio, que anulou a homologação de acordo para validar a derrubada de árvores no “coração verde” de Campo Grande, Nantes Corrêa, já em tom de denúncia, relatava bastidores da tramitação da ação judicial instaurada em 2019 para impedir desmatamento no parque que abriga as sedes dos três poderes na Capital.

O juiz também lembrou que o próprio TJMS tinha interesse que a 1ª Vara de Direitos Difusos decidisse a favor do desmatamento no Parque dos Poderes, já que precisa derrubar árvores para tirar do papel o projeto do novo Palácio da Justiça.

“Tirar da rotina própria um processo que está aguardando decurso de prazo para eventual manifestação das partes, que não é urgente, sendo que a medida liminar havia sido apreciada muito tempo atrás, para proferir rapidamente sentença em processo complexo e do qual não tinha qualquer conhecimento por não haver atuado, mesmo após esclarecimento feito pelo titular, não parece ser uma conduta a ser desconsiderada no exame das alegações feitas pelos embargantes, sobretudo por haver sido designada em desatenção à ordem de substituição desta vara e com evidente interesse da administração do TJMS na homologação do acordo e no prosseguimento da obra do ‘Palácio da Justiça’”, anotou.

Por esses e outros motivos apontados na decisão de 44 páginas, Ariovaldo Nantes Corrêa declarou nula a sentença de Baisch, que permite a derrubada de 10 hectares de mata no Parque dos Poderes, para que o Governo de Mato Grosso do Sul amplie os estacionamentos de algumas secretarias e o TJMS construa a nova sede.

A reportagem aguarda desde esta quinta-feira (25) manifestação do Tribunal de Justiça sobre o assunto. Elisabeth Rosa Baisch foi empossada desembargadora na tarde de quarta-feira (24), após a promoção “por merecimento”. Ela passou a ocupar a vaga deixada pelo desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso, que se aposentou no dia 12 de junho, ao completar 75 anos de idade.

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