Certa de “promoção”, juíza arrumou gabinete antes de posse, denuncia magistrado
Ariovaldo Nantes Corrêa levou ao CNJ suspeita que colega trocou setença por cargo de desembargadora
Certa de que seria “promovida”, a juíza Elisabeth Rosa Baisch começou a organizar o novo gabinete antes da votação que a elegeu desembargadora na quarta-feira (24). A denúncia foi feita pelo juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, na segunda-feira (22), dois dias antes da sessão no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) que confirmou a suspeita do magistrado: das cinco juízas que entraram na disputa pela vaga, Elisabeth Baisch foi a escolhida para se tornar desembargadora.
“No dia 24.07.2024 haverá sessão do Tribunal Pleno do TJMS que julgará o concurso de promoção ao cargo de desembargador destinado exclusivamente às mulheres, sendo que se tem notícia de que a juíza Elizabeth Rosa Baisch, requerida neste pedido de providências, está antecipadamente arrumando o gabinete de desembargador que será destinada a quem for considerado vencedor, pois está certa de que será a vencedora”, informou o Nantes Corrêa em emenda à petição inicial, do dia 12 de julho, onde pede que a juíza seja investigada por decisão que autorizou desmatamento no Parque dos Poderes.
O juiz acrescentou considerar “algo inédito” no Judiciário sul-mato-grossense: uma eleição com “cartas marcadas”. A suspeita de Corrêa é que a juíza tenha sentenciado a favor do desmate em troca da promoção. “Uma afronta às demais colegas que estão na disputa e, aparentemente, confirma a suspeita do acordo indicado na petição inicial”, conclui o magistrado.
O pedido de providências será analisado pela Corregedoria do CNJ. No texto enviado o órgão fiscalizador do Judiciário, Nantes Corrêa narra que conduta da juíza quando tomou a decisão quanto a situação do Parque dos Poderes destoou “daquilo que é praxe entre os juízes quando se substituem em período de férias”. Ele explica que, em geral, substitutos “se ocupam do andamento de processos e medidas urgentes, deixando para o titular os processos mais complexos que são do conhecimento dele, jamais alterando decisão do titular, a não ser em evidente equívoco ou contrariedade à lei, o que não era o caso”.
Suspeita antiga – Em decisão do dia 9 de maio, que anulou a homologação de acordo para validar a derrubada de árvores no “coração verde” de Campo Grande, Nantes Corrêa, em tom de denúncia, já relatava bastidores da tramitação da ação judicial instaurada em 2019 para impedir desmatamento no parque que abriga as sedes dos três poderes na Capital.
O magistrado revelou que recebeu ligação da colega e deu a ela a informação que tinha a intenção de fazer mais uma audiência de conciliação antes de sentenciar no processo, mas teve planos “atropelados” pelo despacho da magistrada.
“Difícil compreender a conduta da juíza em substituição nesta vara, haja vista que na sentença atacada faz constar expressamente que ‘o Dr. Ariovaldo Nantes Corrêa, ilustre Juiz titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais, conduziu o feito ao longo desses anos com maestria, imprimindo modelo de organização cooperativa, de forma a permitir uma ampla gama de manifestações e uma robusta coleta de prova técnica’, mas desconsidera todo o trabalho feito na construção de uma solução que melhor atendesse ao interesse de todos, mesmo após a ressalva que lhe foi feita pelo titular de que iria realizar nova audiência de tentativa de conciliação para aparar eventuais arestas”, registrou o juiz.
Corrêa explicou que a ação é complexa e por isso, exige calma para ser decidida. Além do mais, como a possibilidade de desmatamento estava suspensa, não haveria pressa para a análise de todos os argumentos. “Na ação proposta, não se trata apenas de decidir quem está certo ou errado, quem tem o melhor direito ou escolher um lado da disputa judicial, mas encontrar a solução que melhor atende ao interesse dos envolvidos e, na medida do razoável, também da sociedade”, afirmou, completando: “Não é uma ação que se decide na pressa, na urgência ou no afogadilho, mas com cautela, prudência, examinando com o necessário cuidado os interesses em disputa e construindo uma solução que melhor atenda a todos”.
O juiz também lembrou que o próprio TJMS tinha interesse que a 1ª Vara de Direitos Difusos decidisse a favor do desmatamento no Parque dos Poderes, já que precisa derrubar árvores para tirar do papel o projeto do novo Palácio da Justiça.
“Tirar da rotina própria um processo que está aguardando decurso de prazo para eventual manifestação das partes, que não é urgente, sendo que a medida liminar havia sido apreciada muito tempo atrás, para proferir rapidamente sentença em processo complexo e do qual não tinha qualquer conhecimento por não haver atuado, mesmo após esclarecimento feito pelo titular, não parece ser uma conduta a ser desconsiderada no exame das alegações feitas pelos embargantes, sobretudo por haver sido designada em desatenção à ordem de substituição desta vara e com evidente interesse da administração do TJMS na homologação do acordo e no prosseguimento da obra do ‘Palácio da Justiça’”, anotou.
A designação de Elisabeth Baisch para atuar na 1ª Vara de Direitos Difusos durante as férias de Corrêa foi suspeita, na opinião do juiz. “Tendo em conta o evidente interesse da administração do TJMS na homologação do acordo como visto linhas atrás, a designação pela administração do TJMS de outro juiz fora da ordem natural de substituição deveria se dar com a necessária justificativa, a fim de evitar suspeita de alguma conduta irregular, o que não foi observado e impõe o reconhecimento da nulidade”.
Por esses e outros motivos apontados na decisão de 44 páginas, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa declarou nula a sentença de Baisch, que permite a derrubada de 10 hectares de mata no Parque dos Poderes, para que o Governo de Mato Grosso do Sul amplie os estacionamentos de algumas secretarias e o TJMS construa a nova sede.
Posse – Elisabeth Rosa Baisch foi empossada desembargadora na tarde de quarta-feira (24), após a promoção “por merecimento”, segundo o Tribunal. Ela passou a ocupar a vaga deixada pelo desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso, que se aposentou no dia 12 de junho, ao completar 75 anos de idade.
Natural de Ourinhos (SP), Elisabeth Baisch ingressou na magistratura estadual em 1994. Atuou no interior até 2003, quando tomou posse no cargo de juíza de Entrância Especial, na comarca de Campo Grande.
Opinião - Giselle Marques, uma das integrantes de grupo de advogados que atua no processo contra a autorização para supressão vegetal no Parque dos Poderes, comenta que "a promoção à desembargadora da juíza que homologou o famigerado acordo realizado entre o Ministério Público e o Governo do Estado, autorizando o desmatamento no Parque dos Poderes, é um fato que entristece a sociedade sul-mato-grossense".
"Trata-se de um escárnio com o Estado Democrático de Direito, pois a nomeação da referida magistrada para atuar na Vara dos Direitos Difusos violou o princípio do juiz natural. Se não bastasse, ela tomou para si um processo que não estava concluso. Pelo contrário. Eu, como advogada dos peticionários, estava com prazo fluindo para me manifestar nos autos. Essa promoção escancara os interesses reprováveis que comprometem a imagem de um órgão que deveria ser o guardião da Justiça no nosso estado", completou.
A reportagem aguarda desde esta quinta-feira (25) manifestação do TJMS sobre o assunto.
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