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Capital

Sigilo da fonte é um direito inviolável e constitucional, asseguram juristas

Eles são unânimes em repudiar intimidação a jornalista do Campo Grande News que divulgou briga de delegados

Jhefferson Gamarra e José Roberto dos Santos | 02/12/2021 15:47
Intimações recebidas pelo Campo Grande News mostram a marcação ostensiva feita pela Corregedoria-geral da Polícia Civil para pressionar jornalista a revelar sua fonte. (Foto: Reprodução))
Intimações recebidas pelo Campo Grande News mostram a marcação ostensiva feita pela Corregedoria-geral da Polícia Civil para pressionar jornalista a revelar sua fonte. (Foto: Reprodução))

Juristas consultados hoje pelo Campo Grande News são unânimes em lembrar que o direito ao sigilo da fonte, no exercício do jornalismo, é uma prerrogativa absoluta, inviolável e garantida pela Constituição Federal. Na terça-feira a jornalista Geisy Garnes, do portal, foi intimada pessoalmente pela Corregedoria-geral da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, a prestar esclarecimentos sobre reportagem publicada no dia 04 de novembro deste ano, com o título "Na cara do chefe, delegada que investiga "mafiosos" diz não confiar na polícia".  O depoimento está marcado para o dia 6 de dezembro, a partir das 8h30.

O que a Corregedoria pretende é que a profissional revele a fonte de áudio já anexado à reportagem, que reproduz a discussão entre o delegado-geral da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, Adriano Geraldo Garcia, e sua colega de profissão Daniela Kades, onde a delegada é categórica ao afirmar que "não confia na polícia".

Após a divulgação da polêmica reunião na reportagem, a jornalista passou a ser insistentemente intimidada, em uma clara tentativa para que revelasse o nome do responsável pelo “vazamento do áudio”. O primeiro contato aconteceu com o jornal por telefone. Dias depois, equipe da unidade da polícia civil entregou intimação para que o áudio fosse disponibilizado à Corregedoria-geral da Polícia, sendo que o material está publicado integralmente na reportagem.

Abuso de autoridade – De acordo com o advogado e professor de direito penal, Márcio de Campos Widal Filho, os meios utilizados pela Polícia Civil podem configurar crime de abuso de autoridade, como previsto no artigo 15 da Lei 13.869/2019, onde é criminalizada a conduta de constranger sob ameaça de prisão, pois extrapola os limites de atuação e fere o interesse público.

Lei 13.869/19

Art. 15 Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório:
I - de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio; ou
II - de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor público, sem a presença de seu patrono.

“O caso objetivo da intimação policial, seja para questionar a jornalista sobre como conseguiu um áudio, ou qualquer outra informação utilizada em matéria jornalística, é claramente arbitrária, pois ataca o constitucional direito de sigilo das fontes jornalísticas e pode configurar crime de abuso de autoridade”, alerta o profissional, que também é mestre em garantismo e processo penal.

Márcio de Campos Widal Filho, advogado e professor de direito penal: "Meios usados pela polícia podem configurar abuso de autoridade". (Foto: Reprodução)
Márcio de Campos Widal Filho, advogado e professor de direito penal: "Meios usados pela polícia podem configurar abuso de autoridade". (Foto: Reprodução)

Outro ponto questionado por Widal é a falta de clareza no mandado de intimação recebido pela jornalista. “É importante saber em que condição a pessoa vai ser ouvida na delegacia, pois há direitos diferentes em relação a uma testemunha e um investigado. Mas, nesse caso, o sigilo da fonte é garantido tanto em um depoimento testemunhal quanto em um interrogatório. Caso fique configurado um tratamento diferenciado em relação à jornalista, sendo, por exemplo, a única a ser ouvida lá, aí, nesse contexto específico, pode representar uma forma de intimidação, o que pode reforçar a configuração do abuso de autoridade”, esclarece.

Para o advogado André Borges “o sigilo da fonte ao qual tem o jornalista é um direito constitucional absoluto, que não comporta nenhuma exceção. Segundo ele, vincula-se ao direito à informação, que beneficia a sociedade em geral.

O jurista se disse surpreso, negativamente, com a notícia da intimação da jornalista. "Espero muito dessa importante instituição que é a Polícia Civil, em especial a observância da Constituição, que a todos obriga”, arrematou.

O que diz a OAB – Sobre o caso em questão, o presidente da OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso do Sul), Mansour Elias Karmouche, repudia a violação do sigilo entre jornalistas e suas fontes, assegurado pela Constituição Federal, e explica que as prerrogativas dos profissionais de imprensa estão em igual patamar ao sigilo entre advogados, fundamentais para a preservação do Estado Democrático de Direito.

Presidente da OAB-MS, Mansour Elias Karmouche, repudia pressão da Corregegoria para que profissionalde impresa revele suas fontes. (Foto: Arquivo/Campo Grande News
Presidente da OAB-MS, Mansour Elias Karmouche, repudia pressão da Corregegoria para que profissionalde impresa revele suas fontes. (Foto: Arquivo/Campo Grande News

“O jornalista está constitucionalmente protegido, não é obrigado a informar quem repassou a informação divulgada ou de onde consegui. Ela não é obrigada a falar absolutamente nada e não estará cometendo crime nenhum. Até acusados de crimes tem direito de permanecer em silêncio, imagina uma jornalista no exercício da profissão”, garante o presidente da entidade.

Mansour cita ainda art. 207 do Código de Processo Penal, onde determina que “São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho”.


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