Jornalista do Campo Grande News é intimada após publicar áudio entre delegados
Matéria foi publicada no dia 4 de novembro com detalhes da discussão entre o delegado-geral e uma colega
Jornalista do Campo Grande News foi intimada pela Polícia Civil de Mato Grosso do Sul após publicar reportagem sobre desentendimento entre o delegado-geral da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, Adriano Geraldo Garcia, e a colega de profissão Daniela Kades. Contrariando a Constituição Federal, que garante sigilo da fonte, a repórter Geisy Garnes foi convocada para prestar esclarecimentos sobre o áudio da briga divulgado pelo jornal no início do mês.
A intimação recebida nesta terça-feira (30) é assinada pelo delegado Elton de Campos Galindo, responsável pela Seção de Investigação de Corregedoria-Geral da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul. No documento, a jornalista é convocada para "prestar esclarecimentos nos autor AIP n° 120/2021/CGPC/MS-Sigilo em referência".
A intimação alerta a jornalista que seu não comparecimento implicará a profissional em prática de crime de desobediência, como se sua presença fosse obrigatória.
Apesar da falta de informação no documento, a investigação é consequência da discussão entre o delegado-geral e a delegada Daniela Kades, durante uma reunião interna com todos os titulares das delegacias de Campo Grande.
Ao negar revelar detalhes sobre investigações da força-tarefa montada contra grupo ligado ao jogo do bicho, acusado também de uma série de assassinatos em Mato Grosso do Sul, a delegada afirmou que "não confiava na polícia" e por isso, se tornou alvo da Corregedoria-Geral de Polícia Civil de Mato Grosso do Sul por “insubordinação grave em serviço".
Essa discussão foi divulgada em matéria do Campo Grande News no dia 4 de novembro. Além dos detalhes da história descritos no texto, a reportagem publicou áudio do desentendimento. Desde então, a Corregedoria -Geral tenta acesso a integra da gravação para descobrir a fonte da matéria jornalística.
O primeiro contato aconteceu por telefone. Dias depois, equipe da unidade entregou intimação para que o áudio fosse disponibilizado à Corregedoria presencialmente. Para isso, estacionaram viatura caracterizada em frente ao jornal, com o giroflex ligado, num verdadeiro espetáculo de intimidação.
Em resposta o jornal informou por ofício que a única gravação disponível estava na própria matéria, de livre acesso ao público. Inconformados com a resposta, os responsáveis pela apuração dos fatos enviaram uma nova intimação, desta vez para a autora da reportagem, a jornalista Geisy Garnes.
A tentativa de descobrir a fonte do áudio, no entanto, caracteriza desrespeito à Constituição Federal e ao entendimento já firmado pelo STF (Supremo Tribunal Federal): o sigilo da fonte jornalística é inviolável.
Na lei maior brasileira, a Constituição de 1988, o sigilo da fonte é garantido no artigo 5°, que determinada os termos ligados aos preceitos fundamentais à população: o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Art. 5º, XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
Não bastasse a garantia constitucional, já é entendimento consolidado nas cortes superiores: o jornalista não pode ser constrangido ou se tornar alvo de investigação para revelar sua fonte.
Em junho deste ano, ao julgar a ilegalidade na divulgação de suposto esquema de corrupção envolvendo o Departamento de Trânsito do Espírito Santo, o ministro Dias Toffoli reforçou que nenhum jornalista pode ser "constrangido a revelar o nome de seu informante ou a indicar a fonte de suas informações" ou ainda sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, quando se recusar a quebrar esse sigilo.
A mesma garantia foi definida no julgamento do ministro Gilmar Mendes que proibiu a investigação do jornalista Glenn Greenwald devido as reportagens divulgando mensagens entre autoridades obtidas por hackers e no caso do jornalista Allan de Abreu, que foi investigado por divulgar trechos de escutas feitas pela Polícia Federal.
Abalo na liderança - A divulgação do áudio da discussão deu início à uma série de denúncias contra a administração do atual delegado-geral, Adriano Garcia Geraldo. Dois pedidos de investigação contra Garcia foram registrados no Ministério Público. O primeiro, um pedido de apuração sobre a ligação do chefe da instituição com o jogo do bicho e, o segundo, pede o afastamento dele do cargo.
Críticas sobre ações da "Operação Deu Zebra", realizada quase que semanalmente contra o jogo do bicho, vieram à tona. Entre as reclamações estão o fato de as equipes "ignorarem" os líderes da jogatina e serem retirados das unidades que deveriam estar à frente de investigações de outros crimes, como roubos, homicídios e furtos, para "enxugar gelo".
No meio das polêmicas, Adriano entrou de férias por 15 dias. Ele voltou ao cargo nesta quarta-feira (1°), véspera do seu depoimento sobre o caso no procedimento da Corregedoria, marcado para sexta-feira (3).