Vacinada contra covid, comunidade Tia Eva sonha em retomar alegria do pagode
Comunidade quilombola já está vacinando jovens a partir de 18 anos nesta quinta-feira
Desde que a pandemia se tornou realidade em Campo Grande, os cenários do cotidiano perderam a vivacidade, as comemorações e a emoção. Mas para uma comunidade inteira, de uma só vez, o sonho de retomar os planos coletivos chegou com a vacinação. Como quilombolas, os descendentes da Tia Eva recebem a vacina contra covid nesta semana é já sonham com a retomada do pagode e das festas tradicionais.
Esperada com ansiedade, a segunda rodada de doses contra o coronavírus na comunidade quilombola começou nesta quinta-feira (15) para maiores de 18 anos e segue até amanhã. Marcada pelo espírito de coletividade, a comunidade viu a comemoração de 101 anos de existência e lutas, em 2020, perder a graça.
Os quilombolas foram inseridos como prioridade no Plano Nacional de Vacinação por integrarem grupos sociais considerados vulneráveis socialmente, que ainda protagonizam números alarmantes nas projeções da infecção a nível de Brasil. Primeiro, entraram as populações rurais, depois as urbanas, assim como de indígenas.
Ansiosa pela retomada da vida comunitária, Lúcia da Silva Araújo Almeida relata que após pensar na importância da valorização dos descendentes, o que mais pensa é no viver junto.
“A gente tem isso de estar sempre junto, somos parentes, é uma das coisas que mais importam e não estamos podendo ter isso. Ano passado nossa festa tradicional precisou ser diferente e neste ano deve continuar assim, não do jeito que queríamos”, Lucia diz.
Além de perder as festividades, ela explica que a atmosfera de união tem sido isolada. “Nós temos medo e não podemos visitar ninguém, temos medo um do outro. Nem nosso pagode a gente pode mais ter, é algo marcante”.
Uma das responsáveis pelo pagode e samba de sexta-feira, que estão suspensos desde a chegada do coronavírus, a consultora de vendas e organizadora de eventos, Liliane Gonçalves Pereira, de 37 anos, explica que precisar fechar o bar é ver as ruas se transformarem em um deserto sem alegria.
“Todo mundo vinha e com coronavírus fomos atingidos, isso reflete na forma com que a gente vive. A comunidade parou de ir na casa um do outro, se vê na rua e só. A gente sabe que é tão difícil conseguir as coisas hoje em dia, então a vacinação é algo muito importante, mas vamos continuar nos cuidando até tudo acabar”, diz.
De acordo com o presidente da Associação dos Descendentes da Tia Eva, Ronaldo Jeferson da Silva, de 40 anos, as 300 aplicações durante os dois dias significam, também, mais uma conquista histórica. “É um momento importante para a comunidade, uma das formas do poder público mostrar que estão buscando o resgate das comunidades quilombolas e indígenas, que foram os fundadores do Brasil”.
Sobre a retomada de festas, Ronaldo explica que mesmo o desejo ser de retomada da presença, o momento continua sendo de atenção. “Infelizmente o momento não é de festa ainda. Para a celebração tradicional vamos fazer a parte religiosa, estamos preparando algumas coisas, mas à distância. Mesmo assim, a vacina é uma conquista”, completa.
Em março, a prefeitura de Campo Grande começou a primeira etapa de vacinação das comunidades quilombolas, mas apenas para idosos e pessoas com comorbidades. Agora, todos os descendentes de Tia Eva, a partir dos 18 anos, estão recebendo as doses.
Comunidade Tia Eva - Definida como comunidade urbana remanescente de quilombo desde 1905, a Comunidade Negra Tia Eva é reconhecida pela Fundação Cultural dos Palmares. Escrava antes de vir para, na época, Mato Grosso, Tia Eva trabalhou como benzedeira, curandeira, lavadeira, parteira e cozinheira.
Por ser devota de São Benedito, após fazer uma promessa e ser curada, construiu, em 1912 a igreja da comunidade em sua homenagem. Com isso, desde 1919 a festa de São Benedito acontece anualmente.