CGU vê armação de empresas para vencerem licitações da merenda
Participantes de 33 licitações para fornecimento de merenda escolar na rede estadual de ensino, duas empresas de Campo Grande tiveram resultados opostos. Enquanto a Cardoso Conveniência Ltda venceu 887 itens de 987 em disputa, a Dias e Fernandes Ltda não teve êxito em nenhum deles.
A situação chamou a atenção da CGU (Controladoria-Geral da União), que considera a segunda como empresa de fachada. A análise consta no Programa de Fiscalização em Entes Federativos, que verifica aplicação de recursos repassados pelo governo federal à administração estadual.
Ao todo, foram analisadas 63 licitações da modalidade convite entre 2014 e 2016, realizadas por 20 escolas e com valor de R$ 1.244.407,87. Nesse modelo, a direção fixa o edital no mural do colégio e convida empresas. Sendo necessário, ao menos, três concorrentes. A cada edital, a regra é que se tenha novos participantes. Porém, o relatório aponta que a realização do certame por meio de carta convite frustra o caráter competitivo da licitação.
“A ausência de acompanhamento por parte da secretaria nas contratações proporciona a participação de empresas em conluio. Sempre em prejuízo à obtenção da proposta mais vantajosa à administração”, afirma o o chefe da Controladoria Regional da União no Estado, José Paulo Barbiere.
O relatório mostra vínculo entre as concorrentes. No caso das empresas citadas, um sócio da Dias e Fernandes consta na RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) como empregado da empresa Cardoso Conveniências Ltda.
“Cabe observar que em condições normais de competição, é improvável a possibilidade de uma empresa participar de tantos certames, no decorrer de mais de dois anos e não conseguir cotar o preço mais baixo em único item sequer”, diz o documento.
Ainda de acordo com o relatório, o endereço da empresa Dias Fernandes é um imóvel fechado no bairro Coronel Antonino. A Cardoso Conveniência funciona num box no Ceasa (Central de Abastecimento). As visitas da CGU aos locais foram em abril deste ano.
O Campo Grande News foi ao endereço do bairro Coronel Antonino na quinta-feira (dia 20), mas não localizou ninguém no imóvel. A reportagem também telefonou para o número disponível no CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), mas não conseguiu contato com a empresa Dias Fernandes.
Apesar de ser o caso mais emblemático, não foi o único. Relação similar, que consistia em participação na licitação só para beneficiar a concorrente, foi citada para outras quatro empresas.
Outro lado – Proprietário da Cardoso Conveniência, Marcos Cardoso afirma que faz as entregas de mercadorias de forma correta e com transparência.
“Participo de licitação da merenda desde quando começou”, diz. Sobre a relação com a Dias Fernandes, ele conta que chegou a participar da empresa junto com o cunhado, mas deu baixa em novembro de 2012.
“Meu cunhado continuou sozinho”, afirma. Ele nega irregularidades. “Entrego toda a mercadorias, tudo certinho. Não faço coisa errada”, diz.
Do chinelo à comida – O relatório da CGU ainda aponta que a rede estadual conta com três nutricionistas, mas precisaria de 96 profissionais; a localização de sacos de leite vencidos numa escola; acondicionamento de alimentos direto no chão e perto de produto de limpeza; falta de merenda no começo do ano letivo e inexistência de laudos de inspeção da vigilância sanitária.
Nem o chinelo das merendeiras escapou do crivo da controladoria. Pois o calçado recomendado pelas normas sanitárias é de modelo fechado e com solado de borracha.
Conforme Barbiere, são falhas de gestão e ausência de controle primário que fragilizam a execução do programa e a entrega de alimentação aos alunos.
Comitê – A assessoria de imprensa da SED (Secretaria Estadual de Educação) informa que está aperfeiçoando os mecanismos de controle e vai criar, ainda em 2016, um comitê fiscalizador que percorrerá todas as escolas da rede estadual de ensino para acompanhar a gestão dos recursos públicos.
“Ainda que a SED oriente, acompanhe e fiscalize a efetivação do Programa nas escolas, alguns pontos foram verificados pela CGU, e, tendo ciência de possíveis irregularidades, a SED prontamente busca o seu saneamento”, informa a secretaria por meio de nota.
Quanto à licitação por meio de convite, a secretaria diz que cumpre todas as exigências previstas na legislação e compete à comissão de licitação averiguar a regularidade documental constitutiva das empresas participantes. “No entanto, a SED oficiará aos órgãos competentes pela fiscalização quanto à situação apontada no relatório”.
Os recursos para merenda são repassados diretamente às APM (Associações de Pais e Mestres) das escolas. Elas são responsáveis por todo o processo de aquisição de gêneros alimentícios: desde a ordenação de despesas; gestão e execução dos contratos administrativos; controle de estoque e armazenamento até a prestação de contas para a Secretaria Estadual de Educação.
Em relação ao quantitativo necessário de nutricionistas, o governo do Estado providenciará o aumento do quadro. A secretaria nega falta de merenda no começo do ano letivo. “A SED providenciou a aquisição e a distribuição de gêneros alimentícios no início de 2016, para que nenhuma escola iniciasse o ano sem merenda, o que de fato não ocorreu”.