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Cidades

Cidade mais pobre tem rico, gente querendo ir embora e sonhadores

Aliny Mary Dias, enviada especial a Japorã | 07/10/2013 07:30
Casal viveu início da formação da cidade e hoje tem vontade de ir embora de Japorã (Foto: João Garrigó)
Casal viveu início da formação da cidade e hoje tem vontade de ir embora de Japorã (Foto: João Garrigó)
Cidade mais pobre tem rico, gente querendo ir embora e sonhadores

Dois recordes negativos marcam a vida de quem vive em Japorã. A cidade localizada no extremo sul de Mato Grosso do Sul e que faz fronteira com o Paraguai possui a menor renda per capita, estimada em R$ 241, e o pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), avaliado em 0,526, do Estado.

Na sexta-feira (11), Mato Grosso do Sul completa 36 anos e em comemoração ao aniversário do Estado, o Campo Grande News percorreu cidades e distritos que possuem suas particularidades e merecem ter as histórias contadas aos sul-mato-grossenses.

Mais do que o abismo entre o melhor e o pior IDH do Estado separam Japorã de Campo Grande. O caminho para chegar até a cidade de 9 mil habitantes é longo e misterioso. Seguindo pela BR-163, são quase 6 horas de viagem até encontrar a primeira placa que indica o acesso à estrada que leva até Japorã.

O município, que apresenta os piores índices de arrecadação e geração de renda do Estado, tem 55% da população composta por índios guarani-kaiowá que vivem na Aldeia Porto Lindo, a 35 quilômetros da cidade. O restante dos moradores são assentados do distrito de Jacareí e outros 2 mil vivem na área urbana da cidade.

Além de possuir a maioria da população economicamente inativa, outro grande problema do município é a extensão territorial e a distância entre a zona urbana, o distrito e a aldeia. Há 20 anos, Japorã era um distrito de Mundo Novo, mas por ordem do então governador Pedro Pedrossian o vilarejo foi desmembrado e ganhou administração própria.

Cidade tem uma avenida principal onde os comércios se instalaram (Foto: João Garrigó)
Cidade tem uma avenida principal onde os comércios se instalaram (Foto: João Garrigó)

Os problemas sociais sempre fizeram parte de quem escolheu Japorã para morar quando tudo ainda era um apanhado de propriedades rurais. Valdomiro Carlos, 62 anos, é produtor rural e dono de um dos quatro mercados da cidade. Ele acompanhou a emancipação e viu o lugar crescer, mas diz não ter visto desenvolvimento social e econômico.

“Japorã sempre foi um lugar bom para se viver para quem tem terras. Um dos nossos maiores problemas ocorreu em 1981 quando freiras vieram na cidade para levar famílias para assentamentos localizados no Paraguai e Paraná. Mais de 400 pessoas deixaram a cidade”, explica o comerciante.

Depois da migração, o município voltou a se reerguer só em 1994 e Valdomiro acompanhou tudo. “Não tinha asfalto e eram casinhas bem simples, hoje tem lojas e casas de alvenaria. O lugar continua humilde, mas é muito bom de viver”, declara.

A área urbana de Japorã é menor do que a aldeia Porto Lindo e o distrito Jacareí. A avenida Deputado Fernando Saldanha é a principal da cidade e para o lado esquerdo e direito as casas se estendem até duas quadras em média. Em uma volta de 10 minutos de carro é possível percorrer todas as ruas da cidade. A maioria das vias é asfaltada e algumas casas possuem o acabamento tão bem feito quanto aquelas encontradas em bairros de classe média das grandes cidades.

Para quem pouco visitou cidades interioranas, a calmaria e tranquilidade da cidade impressionam. No meio da tarde de um dia de semana, poucos moradores são vistos nas ruas. Os botecos de esquina com alguns homens em bancos de madeiras, a charrete no meio da rua e o silêncio chamam a atenção.

Anita e Moisés sempre gostaram da calmaria do município (Foto: João Garrigó)
Anita e Moisés sempre gostaram da calmaria do município (Foto: João Garrigó)

Quem também acompanhou os avanços de Japorã, mas hoje se sente desmotivado com a falta de investimentos e oportunidade de crescimento é o casal Moisés de Lima, 70 anos e Anita Pereira, 65 anos.

A mulher vive há mais de 20 anos na cidade e há três, depois de uma separação, se casou com Moisés. Eles nasceram na Bahia e no Paraná, mas afirmam que Japorã foi uma escolha, apesar dos bons tempos, hoje o casal humilde e hospitaleiro admite querer ir embora da cidade. “Japorã foi um lugar muito bom, hoje ainda está gostoso, mas temos muito problemas com transporte e queremos procurar outro cantinho para terminar a vida”, conta Anita.

Para Moisés, muita coisa mudou na região, mas investimentos são necessários para que mais pessoas sejam atraídas a morar no lugar. “Antigamente as ruas eram puro barro e hoje a maioria está asfaltada, isso é muito bom pra gente, mas em outras coisas o governo poderia investir também”, conta o homem que faz planos para se mudar de Japorã assim que a casa de madeira for vendida. Ele garante que há interessados e que o pedaço de terra vale R$ 40 mil.

Gente indígena – Por serem mais da metade da população de Japorã, os guarani-kaiowá também recebem a atenção da administração pública. Apesar dos problemas relacionados com a pobreza, falta de comida e consumo de álcool, algumas iniciativas fazem a diferença e tentam minimizar a distância entre os índios e a população da cidade.

De Japorã até a Aldeia Porto Lindo são mais de 40 minutos em uma estrada de terra que só foi cascalhada pela primeira vez esse ano. O trajeto é cheio de curvas e passa pelo distrito de Jacareí antes de chegar até os índios.

Vista como a grande esperança para a realidade social dos indígenas, a escola indígena Tekoha Guarani tem a missão de ensinar mais de 380 alunos que estudam na instituição de manhã e à tarde. A quadra da escola ganhou cobertura e o prédio está sendo ampliado, tudo é bancado pela prefeitura do município.

Indígenas da Aldeia Porto Lindo compõem mais da metade da população (Foto: João Garrigó)
Indígenas da Aldeia Porto Lindo compõem mais da metade da população (Foto: João Garrigó)
A escola da aldeia é mantida pela prefeitura (Foto: João Garrigó)
A escola da aldeia é mantida pela prefeitura (Foto: João Garrigó)

Joaquim Adiala tem 32 anos e é o exemplo a ser seguido pelos pequenos que frequentam as salas de aula. O guarani-kaiowá estudou na aldeia até a 4ª série e o ensino fundamental foi completado na escola localizada no distrito de Jacareí.

Para cursar o ensino médio e não desistir como a maioria dos jovens e adolescentes da aldeia, Joaquim encarou mais de 1 hora de pedaladas todos os dias até Iguatemi, cidade próxima onde terminou o 2º grau. Em 2003, o sonho de ser professor falou mais alto que as dificuldades e o indígena começou a estudar Pedagogia em Naviraí. Não satisfeito com a primeira graduação, Joaquim se formou em Matemática e o hoje é o diretor da escola pólo.

“Nosso maior desafio é proporcionar o conhecimento aos nossos jovens, mas manter nossas tradições. Aqui nós alfabetizamos em guarani e temos um trabalho intenso para eles não perderem as raízes. O maior sonho de todo índio é se formar e voltar para a aldeia para repassar o conhecimento e foi isso o que eu fiz”, conta Joaquim.

Fome que ainda mata - Além do ensino, a nutrição das crianças também é uma preocupação recorrente dos líderes indígenas e da administração da cidade. Há 50 dias, seis índios com menos de 1 ano de idade morreram vítimas de desnutrição.

Em busca de mudar o cenário preocupante, o Centro de Nutrição da aldeia funciona ao lado da escola e atende atualmente 16 crianças de 0 a 2 anos. A coordenadora do lugar, Palmira Batista, 57 anos, também é indígena e conta que as três refeições diárias são reforçadas para evitar que mais mortes ocorram.

Joaquim se formou em pedagogia e matemática e hoje é diretor da escola. (Foto: João Garrigó)
Joaquim se formou em pedagogia e matemática e hoje é diretor da escola. (Foto: João Garrigó)
Centro de nutrição é referência em recuperação de índios desnutridos (Foto: João Garrigó)
Centro de nutrição é referência em recuperação de índios desnutridos (Foto: João Garrigó)

“Nós damos o leite especial e reforçamos bastante a alimentação deles. Além dos bebês, as mães e os irmãos das crianças também se alimentam no centro”, conta a coordenadora.

Mãe do mais novo indígena atendido pelo centro, Rosenilda Nunes, 35 anos, deu a luz ao 6º filho que hoje tem 1 mês de vida. Com dificuldades para amamentar o recém-nascido, a guarani-kaiowá foi encaminhada até o centro. “Ele e os irmãos também comem aqui, meu leite secou e aqui ele come e não morre”, diz a mulher que se expressa melhor em guarani do que em português.

Quem é rico em Japorã? – Diferente da realidade da aldeia e da maior parte da população, Japorã também possui os moradores com poder aquisitivo elevado e condições que causam inveja a muitos japorenses.

Com carro novo na garagem e sem preocupação com as contas do fim do mês, Matilde Demarchi Malvezzi, 53 anos, é dona do único posto de combustíveis da cidade. O estabelecimento foi montado pelo pai há mais de 30 anos e passou a ser comandado pela filha após o falecimento do pioneiro no ramo.

Natural do Paraná, a empresária criou os filhos que hoje vivem em Londrina e adquiriu uma propriedade rural na cidade. Com a renda do posto, ela conheceu várias cidades do país, mas diz preferir continuar vivendo em Japorã.

Dona do posto não perde a elegância ao abastecer os veículos (Foto: João Garrigó)
Dona do posto não perde a elegância ao abastecer os veículos (Foto: João Garrigó)
Valdomiro foi o pioneiro em comércios na região e ama a cidade (Foto: João Garrigó)
Valdomiro foi o pioneiro em comércios na região e ama a cidade (Foto: João Garrigó)

“É claro que muitas coisas que a gente precisa não tem por aqui e precisamos ir para fora comprar. Alimentos de outras marcas, maquiagens, roupas e perfumes eu compro fora, mas a tranqüilidade da cidade é o que nos prende aqui”, conta Matilde.

Apesar das joias douradas no pescoço e da elegância de quem dá valor ao que conquistou, a mulher “desce do salto” assim que mais de três carros param ao mesmo tempo próximo as bombas para abastecer.

“Eu só tenho dois funcionários e ajudo a abastecer quando tem gente esperando. Não acontece direto, por isso não compensa contratar mais gente”, declara.

Outra situação inusitada que nenhum proprietário bem-sucedido de um posto enfrenta na cidade grande é o atendimento “VIP” 24 horas. Pela pouca demanda, o estabelecimento funciona das até as 19 horas de segunda a sábado e não abre aos domingos.

“É comum as pessoas me ligarem ou irem até minha casa para abastecer durante a noite ou a madrugada. É chato, mas a gente entende a urgência das pessoas e vem atender. Ainda bem que eu moro há duas quadras”, brinca Matilde.

Prefeito Vanderley Bispo (PT) critica distribuição do ICMS no Estado (Foto: João Garrigó)
Prefeito Vanderley Bispo (PT) critica distribuição do ICMS no Estado (Foto: João Garrigó)

O que o prefeito diz – Com o desafio de mudar a realidade do pior município para viver em Mato Grosso do Sul, o prefeito Vanderlei Bispo (PT) não mede críticas ao método de divisão de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) e admite que aliado a redução do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), as finanças da cidade vão de mal a pior.

“Nós temos um déficit mensal de R$ 150 mil e tivemos que reduzir custos para fechar as contas. Nossa maior dificuldade é porque não temos receita própria e 100% é mantido com recursos federais e estaduais”, afirma Bispo.

Para o prefeito, é necessário haver uma lei de incentivos fiscais que dê benefícios para que os empresários invistam na cidade. “O mesmo incentivo que a pessoa tem de investir aqui ela tem para investir em Três Lagoas e é claro que ela vai escolher as cidades maiores. Isso precisa ser revisto urgente porque tudo tende a ficar cada vez pior”.

Apesar dos problemas financeiros que aumentam a cada dia o abismo entre Japorã e o restante de Mato Grosso do Sul, o prefeito garante haver dois motivos para que os turistas e sul-mato-grossenses visitem a cidade. “Somos um povo ordeiro e hospitaleiro e a cada dia que passa promovemos a integração entre o indígena e o branco”, completa o prefeito.

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