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Cidades

Com fronteira livre e sem combate organizado, PCC vê MS como paraíso

Facção atrai membros por meio de dinheiro e status e cresce no Estado

Luana Rodrigues | 02/09/2016 19:05
Baile funk e selfies na Máxima mostram conforto que integrantes da facção parecem ter no Estado. (Foto: Reprodução/ Whatsapp)
Baile funk e selfies na Máxima mostram conforto que integrantes da facção parecem ter no Estado. (Foto: Reprodução/ Whatsapp)

É com cerimônia de iniciação, organograma e contabilidade avançada que uma das maiores facções do Brasil, o PCC (Primeiro Comando da Capital), tem conquistado seguidores por todo país. Não é diferente em Mato Grosso do Sul. Parece ironia, mas apesar dos “esforços de inteligência” do Poder Público para conter a facção, no Estado e no restante do país ela só tem crescido e, pior, faz até piada em forma de música de quem tenta derrubá-los.

“Se mexer com nós, a bala come”, diz a letra do funk que serviu de trilha sonora para a festa dos 23 anos da facção, no presídio de segurança máxima de Campo Grande, comemorados no último dia 31, conforme mostra reportagem publicada pelo Campo Grande News. A tradição e longevidade mostram exatamente a força da quadrilha, que movimenta mais de R$ 120 milhões por ano no Brasil.

Para o diretor da Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário), Ailton Stropa, a festa na máxima, em que os presos aparecem consumindo bebidas alcoólicas, dançam ao som de "Baile de Favela" e gritam cantos de guerra fazendo referência ao slogan 15.3.3, código que significa PCC – formado respectivamente pela 15ª e 3ª letras do alfabeto – representa a decadência do sistema prisional.

“O sistema está realmente comprometido por força da superlotação carcerária e isso implica que certas medidas sejam tomadas, por exemplo, nós não temos como impor uma disciplina diferenciada. Não dá para nós taparmos as bocas de 2.400 presos. Se eles resolvem cantar, eles vão cantar, diferente de ações criminosas, combatidas veemência”, afirma.

Especialista e atuante na área de segurança pública há mais de 20 anos, Adriano Chiarapa concorda que o problema está na falta de organização do poder público do Brasil. Mas, especificamente em Mato Grosso do Sul, na falta de ações para fortalecer a segurança na zona de fronteira.

“Passou da hora de o País tomar pé de fato deste problema e cuidar das nossas fronteiras. O PCC é uma organização presente em todo o Brasil, nasceu praticamente dentro dos presídios, e é um conjunto muito bem organizado, que em sua base parece um caos, mas tem o meio e o topo é totalmente centrado. Um erro é olhar para facção como um problema exclusivo de segurança pública, porque é um problema social”, acredita.

De acordo com o especialista, o PCC encontrou em MS um “paraíso”, com uma fronteira de mais de 1,5 mil quilômetros frágil e praticamente livre. “E aí você começa ver no estado tráfico, roubo, assassinatos”, considera.

E começa mesmo. Exemplos são os números de homicídios em Ponta Porã e apreensões recordes de drogas em todo o Estado. E enquanto o aparato de repressão passa vergonha, o PCC está mais organizado que nunca.

Detalhes do funcionamento da facção foram divulgados em reportagem publicada na edição 867 da revista Carta Capital, com o título "Operação Voldemort". O texto é feito com base em documentos de investigação da Polícia Federal e do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) de Piracicaba, interior de São Paulo, ligado ao Ministério Público, que mostraram um alto nível de hierarquização da quadrilha.

Alta tecnologia – Segundo a revista, há cerca de três anos, apontam as investigações, o sistema de comunicação preferido pelo PCC era o BlackBerry. Sediado no Canadá, o sistema possuía uma criptografia que impedia a interceptação de comunicações e durante muito tempo foi usado para se livrar dos grampos.

Apenas a polícia americana possuía os códigos de acesso repassados posteriormente às autoridades brasileiras. Como a criptografia foi quebrada, a nova moda é o WhatsApp. O Sistema Guardião da Polícia Civil paulista não consegue interceptar as ligações e os bandidos sabem.

Isso enquanto a investigação paulista, assim como a de Mato Grosso do Sul, patina com vídeos de festas em delegacias e presídios, o crime organizado se aperfeiçoa. É o que mostram os relatórios das investigações federais e do Ministério Público.

Para entender como a quadrilha funciona, a investigação fez um mapeamento detalhado da facção. A clareza de propósitos da quadrilha começa pela última atualização de seu código de conduta.

O documento com 18 artigos mostra que seus integrantes vivem especificamente da prática de crimes, especialmente o tráfico de drogas (apelidado de progresso), ignoram as leis brasileiras e o Judiciário, tratam as polícias como inimigas e suas ações servem como referência para o mundo do crime.

Crime organizado – De acordo com a reportagem, o organograma do PCC lembra o de uma empresa. Em formato piramidal, as principais lideranças ocupam os postos conhecidos como “sintonias”. A cabeça da organização é chefiada pela Sintonia Fina Geral, composta de sentenciados considerados fundadores da organização criminosa, e pelo líder máximo, Marcos Willian Herbas Camacho, o Marcola.

As penas somadas dos líderes passam dos 500 anos de cadeia. Entre as “sintonias” mais importantes destacam-se a do “financeiro”. Nesse setor são colocados apenas integrantes com alto grau de confiança da cúpula.

A forma de financiamento da organização é diversificada e detalhada. A arrecadação principal vem especialmente do tráfico nas ruas, mas também do comercializado nas cadeias. É o chamado Progresso 100%. Nas penitenciárias, uma parte deve ser encaminhada à organização.

Quem está fora do sistema prisional, também precisa colaborar com a facção. A Cebola (caixinha mensal) é responsável por arrecadar 650 reais de cada integrante solto, uma contribuição compulsória que, quando não paga, pode levar a alguma punição do integrante. Há também as rifas. A cada dois meses são sorteados apartamentos, casas, veículos (carros e motos). 

Batizado - Conforme o texto, para fazer parte do PCC, é necessária uma cerimônia de iniciação. Acredita-se que a ritualística tenha paralelo com aquela dos maçons. O novo integrante é “batizado” por outros três e passa a ser conhecido como irmão e a esposa ou companheira é tratada como cunhada. O iniciado ganha um número de identificação, o mesmo usado pela Secretaria de Administração Penitenciária para o registro do detento no sistema carcerário. Caso nunca tenha sido preso, terá em seu registro a expressão: “Nunca foi privado”.

Todas as informações são catalogadas em um programa de computador que fica nas mãos de integrantes próximos à cúpula da organização. Nesse cadastro há um alto nível de detalhamento da vida pregressa do bandido. A ficha contém informações básicas como número de telefone, apelido, onde está localizado, data em que passou a fazer parte do PCC, o nome dos três padrinhos de batismo na quadrilha e a última unidade prisional pela qual passou, até se ele já foi punido pela organização em algum momento.

Estima-se que o PCC movimenta por ano R$ 120 milhões e mexe com muitos interesses. "Um grande negócio, perigoso, mas que oferece entretenimento, status e dinheiro. Quem é que não quer isso?", finaliza o especialista Chiarapa.

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