De Corumbá a Três Lagoas, abandono devora trens, estações e história
Em Mato Grosso do Sul, as principais cargas transportadas são produtos siderúrgicos e minério
O novo Trem do Pantanal, que fazia sua segunda viagem em 9 de maio de 2009, foi recepcionado com festa e banda de música na estação de Aquidauana. Hoje, nove anos depois, o trem não passa mais pelos trilhos. Com a linha desativada, dois vagões ficam de escanteio em meio ao mato na estação, localizada na cidade a 135 km de Campo Grande.
Inaugurada em 1911, a estação, que não é mais usada por trem de passageiro, é ocupada por um restaurante e secretarias da prefeitura de Aquidauana. Segundo o funcionário público Sebastião Fonseca, os trilhos são caminhos apenas para trem de carga, que passam três vezes por semana.
Seguindo viagem, a estação de Miranda, que em 2009 exibia tinta nova e reuniu duas mil pessoas para saudar o Trem do Pantanal, hoje é ocupada por setores da administração municipal, pombos que se aninham no telhado e exibe pichação e lâmpadas quebradas. De um lado, funcionam Secretaria de Turismo, Meio Ambiente e Recursos Hídricos; Departamento Municipal de Trânsito, Procon e Sistema de Inspeção Municipal.
Do lado de fora, velhos vagões. Dentro, o turismólogo Dionatan Miranda da Silva mostra um pequeno museu, uma espécie de memorial da ferrovia. Uma réplica de trem, lousa com os destinos Bauru e Corumbá, e equipamentos.
Ligando Campo Grande a Miranda, o Trem do Pantanal voltou aos trilhos em 2009, embalado como produto turístico, pois, com o transporte rodoviário, a longa viagem só se justificava a título de passeio.
A primeira crítica era de que não chegaria a Corumbá, o que, segundo ex-viajantes, roubaria o trecho mais bonito do roteiro. Em 2014, a estação de Indubrasil, em Campo Grande, que recebeu R$ 1,6 milhão para reforma, foi cortada do trajeto. Hoje, é um local abandonado.
Em 2015, o passeio foi suspenso para não mais voltar.
Em Corumbá, os trilhos vivem, mas a estação agoniza. Apesar da receptividade do monumento com a poesia de Rubens de Castro, que narra em versos: “Corumbá nos diz sorrindo, abrindo a porta da rua, meu filho 'seja benvindo, pode entrar...a casa é sua'”; o cenário não é gentil a quem passa pela estação. Depredações e vandalismo se espalham pelo histórico endereço.
Ouvida pela reportagem, a prefeitura de Corumbá tem planos, mas não dinheiro. Por meio de nota, a administração municipal informa que os projetos para a área da estação são os seguintes: no Armazém de Cargas vai ser implantado o Centro de Atendimento ao Contribuinte; para o Hotel de Trânsito está prevista a Casa da Mulher Vítima de Violência. Para a Estação Ferroviária está em estudos o Transbordo Municipal.
“Para efetivá-los, o município está em fase de captação de recursos, uma vez que para que esses projetos possam sair do papel dependem da viabilização desses recursos”.
No município de Água Clara, a 198 km de Campo Grande, os trilhos passam por reforma, enquanto a estação segue seu destino de abandono. A janela da bilheteria sem uso foi isolada com tapume enquanto as paredes são úteis apenas para as frases pichadas. A assessoria de imprensa da prefeitura informou que não é responsável pela estação.
Em Três Lagoas, a estação tem marcas de 1913, como registra um dos trilhos usados no muro, e de 2018, como a depredação e barracas de quem fez do lugar uma moradia. Por baixo do solo, um túnel faz a travessia para que não quem passar pelo trilhos.
Por meio da assessoria de imprensa da prefeitura de Três Lagoas, o secretário interino de Infraestrutura, Transporte e Trânsito ), Adriano Kawahata, disse que é desenvolvido um termo para contratação de projeto de revitalização da área e em breve o documento será publicado.
Cargas e vagões – Em Mato Grosso do Sul, as principais cargas transportadas são produtos siderúrgicos e minério. A concessionária Rumo Logística informa que o total transportado na Malha Oeste foi de 2,1 milhão de toneladas no primeiro semestre de 2018, com aumento de 11% em relação ao mesmo período do ano passado e de 30% na comparação com 2016.
Ainda de acordo com a empresa, são executadas uma série de intervenções no trecho entre Três Lagoas e Corumbá. “Os serviços envolvem a manutenção dos trilhos, troca de dormentes, entre outras melhorias”, diz a nota.
Sobre os vagões abandonados, a Rumo informa que estão em área operacional, local adequado para os ativos que aguardam recuperação, manutenção ou baixa definitiva. “Esclarece ainda que procura tomar todos os cuidados para não causar transtornos à população”.
A ferrovia na história - Os caminhos de ferro abriram a flexibilidade na economia de Mato Grosso do Sul. Chegados há mais de cem anos, em 1914, época em que o Estado ainda era território de Mato Grosso, os dormentes da ferrovia encontraram em Campo Grande uma vila poeirenta e uma região apenas vocacionada para a venda de boi magro.
Antes dos trilhos, a estrada era fluvial. Os produtos entravam pelo estuário do Prata, seguiam pelos rios Paraná e Paraguai para só então chegar a Mato Grosso. A nova logística redesenhou a geografia econômica e fez com que Campo Grande desbancasse Corumbá, dona de um movimentado e cosmopolita porto, assumindo a condição de principal centro comercial. Pelos trilhos, vinha-se de tudo: arroz, feijão, piano, cabo de enxada.
A ferrovia foi executada em duas frentes: uma de Porto Esperança, próximo a Corumbá, e a outra de Três Lagoas. A junção foi feita em uma estação entre Campo Grande e Ribas do Rio Pardo, cem anos depois ainda chamada de Ligação. Para trás, o trem deixou cidades, como Três Lagoas, Água Clara, Ribas do Rio Pardo e Terenos. Já existente, Aquidauana foi beneficiada por receber as oficinas da ferrovia.
Confira a galeria de imagens: