Com 123 invasões, MS é campo de guerra entre índios e fazendeiros
Barril de pólvora que se tornou conflito por terra é mancha de sangue no aniversário de Mato Grosso do Sul e a tendência é só piorar
O conflito por terra entre índios e fazendeiros é um barril de pólvora que já começou a explodir e continua manchando de sangue o solo de Mato Grosso do Sul, que neste dia 11 de outubro comemora 39 anos criação.
De um lado estão os guarani-kaiowá e terenas que lutam pela demarcação de territórios que consideram tradicionais e do outro estão produtores rurais, de grandes fazendeiros a pequenos sitiantes, como os sete de Dourados, que estão com as terras invadidas pelos “vizinhos” desde março.
Quanto mais o tempo passa sem uma solução por parte dos governantes, mais áreas são ocupadas e mais confrontos com mortos e feridos aumentam as estatísticas. Os produtores rurais contam os dias para a próxima invasão e os índios perdem o sono esperando outro ataque na madrugada.
As áreas em disputa se espalham por várias regiões de Mato Grosso do Sul, mas a maioria está nos municípios do sul e da fronteira com o Paraguai.
As exceções nas outras regiões são Buriti de 17,2 mil hectares, localizada nos municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti e reivindicada pelos terenas, Cachoeirinha de 36,2 mil hectares em Miranda, e Taunay/Ipegue de 33,9 mil hectares, em Aquidauana.
De acordo com a Funai (Fundação Nacional do Índio), existem 48 áreas indígenas em Mato Grosso, contando as delimitadas, declaradas, homologadas, regularizadas e em estudo.
Nem mesmo um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) assinado com o Ministério Público Federal foi suficiente para acelerar os estudos e o confronto continua.
Amambaypeguá I – A maior de todas as áreas reivindicadas pelos índios em Mato Grosso do Sul é Dourados-Amambaipeguá I, que tem 56,6 mil hectares e atinge terras de Dourados, Amambai e Naviraí.
O estudo de identificação e delimitação foi assinado em maio deste ano, “no apagar das luzes” do governo Dilma Rousseff e desencadeou o confronto ocorrido no dia 14 de junho, na fazenda Yvu, em Caarapó, a 283 km de Campo Grande.
Foi por causa desse decreto que os índios da aldeia Tey Kuê decidiram ampliar a reserva e ocuparam a fazenda onde seis deles foram feridos a tiros e o agente de saúde indígena Clodioude de Souza, 26, morreu atingido por cinco disparos.
Nos dias seguintes ao ataque dos fazendeiros – cinco deles estão presos pelo atentado – outras duas fazendas e sete sítios nos arredores da aldeia foram invadidos e os índios permanecem nas terras.
O TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região, em São Paulo, negou o pedido da Funai e manteve a reintegração de posse da área. A Funai recorreu ao STF, mas ainda não há uma decisão.
Mais terras – Outra área reivindicada pelos índios, a Iguatemipeguá I, de 41,5 mil hectares, no município de Iguatemi. Já a Iguatemipeguá II ainda está em estudo e seu tamanho não é conhecido, mas a área vai atingir os municípios de Amambai, Aral Moreira, Coronel Sapucaia, Dourados, Iguatemi, Paranhos e Tacuru.
Sem contar as áreas já regularizadas e homologadas e as que estão em estudo e por isso ainda não têm extensão conhecida, as declaradas e delimitadas somam 273 mil hectares em vários municípios.
Invasões x retomadas – De acordo com a Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), atualmente existem 123 propriedades ocupadas por índios no Estado.
Para os proprietários, as terras estão invadidas. Para a Funai e os índios, as áreas foram “retomadas”.
Antonio João – As áreas ocupadas pelos índios se espalham por Mato Grosso do Sul. Entre os pontos de confronto está Ñanderu Marangatu, no município de Antonio João, onde há duas décadas os guarani-kaiowá e fazendeiros disputam um território de 9.300 hectares, bem ao lado da fronteira com o Paraguai.
Em agosto de 2015, em mais uma “retomada” que o grupo fez às terras dez anos após o STF anular a demarcação, o índio Semião Fernandes Vilhalva, 24, foi morto com um tiro na cabeça em confronto com fazendeiros na sede da Fazenda Fronteira. Até agora a Polícia Federal não apresentou um resultado para a investigação.
Em outubro, com as terras ocupadas cercadas pelo Exército, policiais federais e militares prepararam grande operação de guerra para fazer o despejo, mas uma decisão do STF suspendeu o despejo horas antes de a polícia entrar nas fazendas ocupadas.
Um ano depois, a situação em Antonio João continua a mesma. Os índios continuam acampados em três fazendas, o Exército saiu do local ainda em 2015 e os fazendeiros não fazem ideia de quando poderão retomar suas propriedades.
A morosidade verificada Antonio João é a mesma, presente em várias outras áreas de conflito em Mato Grosso do Sul, onde índios morando em barracos sofrem ataques de jagunços e produtores rurais já perderam a esperança de ver uma solução por parte do governo.