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Interior

Empresa que rejeita indígena se desculpa, mas advogado reforça crime em anúncio

Em descrição de vaga publicada no sábado (10), Nohall dispensou candidatos de origem indígena em Amambai

Cassia Modena | 12/06/2023 12:25
Descrição da vaga que circulou no WhatsApp (Foto: Reprodução)
Descrição da vaga que circulou no WhatsApp (Foto: Reprodução)

A cidade de Amambai é indígena já no nome, que significa "orvalho" em tradução livre do idioma tupi-guarani. Entre os 79 municípios de Mato Grosso do Sul, é um dos que possui a maior população de povos originários. São cerca de 15 mil pessoas atualmente, segundo estimativa da prefeitura, a maioria delas vivendo em três aldeias – Limão Verde, Jaguary e a Amambai.

Mas proposta de emprego no município, que circula nos aplicativos de mensagens e redes sociais desde 10 de junho, chama atenção não por ser ótima oportunidade, mas sim por rejeitar a candidatura de trabalhadores indígenas. A vaga é para a ocupação de serviços gerais e inclui trabalho nas alturas.

A anunciante é a empresa Nohall Engenharia e Comunicação Visual. Responsável pelo local e pela contratação, o engenheiro civil Leandro Torres Cabanas assina nota de esclarecimento em que admite ter cometido "ato falho e impensado" ao excluir indígenas.

O texto foi enviado nesta segunda-feira (12) para a imprensa. "Lamentamos o fato ocorrido e assumimos publicamente o compromisso de reavaliar nossas práticas e procedimentos e evitar o surgimento ou a reincidência de atitudes discriminatórias", diz um trecho. Em outro, a Nohall se retrata: "Essa empresa não compactua com racismo e pede suas sinceras desculpas a todo povo indígena pelo equívoco cometido".

Entre os serviços prestados pela empresa está a elaboração de projetos de engenharia civil e produção publicitária. Questionada pela reportagem, ela não informou se a vaga já foi preenchida.

É crime - Para o advogado criminalista e indígena da etnia terena, Wilson Matos da Silva, o "ato falho e impensado" se chama discriminação e racismo, conforme a Lei nº 7.716/1989. Se denunciado e condenado pelo crime, o representante da empresa poderá ter pena de reclusão de um a três anos e ser obrigado a pagar multa.

"Entendo que mesmo incondicionalmente, o autor inadvertidamente incorreu no crime de discriminação e racismo", afirma. Wilson também é coordenador do Observatório dos Direitos Indígenas da região Centro-Oeste, entidade que monitora a violação de direitos desses povos em todas as áreas.

Com seu olhar indígena, Wilson vê indícios do folclore do "índio é preguiçoso" e do desconhecimento geral da realidade desses povos, que "mesmo após 523 anos de 'convívio' com a sociedade dita civilizada, ainda não é conhecida".

O advogado reafirma que o indígena pode desenvolver qualquer tipo de trabalho, mas que, no entanto, acaba ficando com as funções mais rudimentares e salários mais baixos quando tenta acessar o mercado de trabalho dos centros urbanos. "E até essas funções eles têm dificuldade de conquistar, como mostra o anúncio em Amambai", acrescenta.

Ele deduz que a contratação em Amambai busque profissional para instalar anúncios em outdoor, pela natureza da empresa e a descrição da vaga. "O que o indígena tem total condição de fazer", reforça.

Wilson afirma que o Observatório dos Direitos Indígenas irá se manifestar ao MPF (Ministério Público Federal) para pedir a investigação do caso.

Por fim, alerta para o impacto emocional que a discriminação e dificuldade de acesso a emprego e renda podem provocar em indígenas, especialmente os mais jovens, levando-os até a cometer suicídio. O alto índice de indígenas amambaienses que tiraram a própria vida foi classificado como alarmante pelo Mapa da Violência em 2014, inclusive.

Casa do Trabalhador - Vagas disponibilizadas na Casa do Trabalhador de Amambai que têm maior adesão entre indígenas são a de cortador de cana em usina sucroalcooleira em Naviraí (MS) e a de operador de colheita de maça em Zacarias (RS), observa a gestora do local, Solange Mariano dos Santos.

A Casa do Trabalhador em Amambai (Foto: Divulgação/Funtrab)
A Casa do Trabalhador em Amambai (Foto: Divulgação/Funtrab)

Ela frisa que nenhuma vaga divulgada na casa faz distinção de gênero, raça ou etnia, ao mesmo tempo que avalia haver dificuldade na contratação de indígenas por empregadores devido à falta de escolarização e qualificação. "É o que muitos exigem. Muitos indígenas não têm o Ensino Médio completo, isso acaba atrapalhando", afirma.

Secretário de Desenvolvimento Social de Amambai, Roberto Racchtiunne diz que o Município investe na qualificação de toda a população, inclusive da fatia indígena. Ele cita programas municipais gratuitos realizados em parceria com o Sistema S, o IFMS (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul) e o Sindicato Rural. "Temos participação massiva de indígenas", pontua.

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