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Interior

Facções têm mão de obra barata para espalhar violência, diz especialista

Ex-superintendente da PF rechaça versão de que morte de Rafaat agravou crime na fronteira; “disputa à bala sempre ocorreu”

Helio de Freitas, de Dourados | 31/05/2019 06:08
O advogado e consultor em segurança pública Edgar Marcon, ex-superintendente da PF (Foto: Saul Schramm/Arquivo)
O advogado e consultor em segurança pública Edgar Marcon, ex-superintendente da PF (Foto: Saul Schramm/Arquivo)

O delegado aposentado da Polícia Federal Edgar Paulo Marcon vê as facções criminosas como as responsáveis pelos piores atos de violência cometidos contra pessoas que praticam o bem. Ele fala ao Campo Grande News na quarta reportagem da série “MS nas mãos do crime”, divulgada nesta semana.

Advogado e especialista em segurança, Marcon foi superintendente da PF em Mato Grosso do Sul de 2011 a 2015 e conhece bem a realidade da fronteira Brasil-Paraguai, onde a violência se espalha, principalmente devido à guerra entre grupos criminosos pelo controle do tráfico de drogas.

“As facções são responsáveis pelas piores violências cometidas contra a maioria que defende o bem. Seja pelas ações organizadas de tráfico de substâncias ilícitas, contrabando, assaltos a bancos e carros fortes, assassinatos, corrupção e, o pior de todos, a cooptação de jovens que dependem muito mais de ações sociais do estado do que da polícia”, afirma.

Para Edgar Marcon, quando diversas pessoas se unem para o bem fazem coisas espetaculares e para o mal também. “Essas são as facções, grupos de pessoas que por razões distintas agem em afronta ao conceito de sociedade ordeira que as pessoas de bem defendem”.

Jorge Rafaat – Marcon comenta também sobre a situação da fronteira após a execução do chefão do tráfico Jorge Rafaat Toumani, em junho de 2016 em Pedro Juan Caballero. Segundo ele, a violência atual não é muito diferente do passado e que o “ponto fora da curva” é justamente a presença das facções.

“Disputa pelo poder à bala, assassinatos por acerto de contas ou queima de arquivo na fronteira sempre ocorreram, inclusive com Jorge Rafaat. Dizer que ele era melhor ou pior destes que aí estão é partir de uma premissa falsa. O que se sabe é que Rafaat estava preocupado com a chegada destas facções à fronteira pelo simples fato de temer concorrência em suas empreitadas criminosas. Ou seja, seus até então clientes passaram a querer disputar mercado”, avalia Marcon.

Segundo ele, o diferencial das organizações atuais é a quantidade de mão de obra barata, composta por pessoas marginalizadas e de fácil descarte pelo grupo, cuja ascensão ocorre devido ao caráter violento que possuem. “Quando um ‘chefe’ tomba, surge outro em seu lugar quase automaticamente para dar prosseguimento às empreitadas criminosas”.

Veja abaixo outros trechos da entrevista com Edgar Paulo Marcon:

“O que falta é mais investimento”, afirma Edgar Marcon (Foto: Divulgação)
“O que falta é mais investimento”, afirma Edgar Marcon (Foto: Divulgação)

Campo Grande News – As apreensões têm se tornado mais frequentes. Na sua opinião, por que tantas remessas de drogas?

Edgar Paulo Marcon – Isso decorre do trabalho mais atuante das forças públicas associado ao aumento da oferta com a maior produção das drogas. Em relação à cocaína e derivados, deve-se ao aumento da produção da droga, principalmente e com apoio estatal na Bolívia. A maior oferta de maconha ocorre quando os programas de erradicação no Paraguai não são seguidos de acordo com termos assinados com o Brasil via Policia Federal e com o Paraguai via Senad [Secretaria Nacional Antidrogas].

Campo Grande News – Diante das recentes execuções na Capital, a criminalidade extrapolou as linhas da fronteira?

Marcon – Temos de analisar sob alguns aspectos. Primeiro: os atuais assassinatos com armamento de guerra, como fuzis de alto poder, não se diferem de outros que ocorreram aqui em Campo Grande num passado recente. O diferencial está somente no calibre. Então, diria que continua tudo na mesma, ou seja, ações que, apesar de assustadoras, não têm reflexo direto na segurança exercida e direcionada à população em geral por tratarem-se se de pontuais e relacionadas por problemas internos nas organizações. Outro aspecto preocupante são os assaltos em via pública e residências, pequenos furtos ou roubos cometidos por pequenos marginais, que, não agem com a sofisticação das organizações apesar de, em muitos casos, agirem em decorrência delas. Causam mais danos diretos ao cidadão.

Campo Grande News – Diante do cenário atual, a sensação é de que a polícia está secando gelo?

Marcon – O trabalho da segurança é hercúleo devido, em parte, as nossas leis demasiadamente garantistas. Aqui, todos têm o direito de cometer um crime pelo menos e, até a condenação não transitar em julgado – regra e não exceção – o indivíduo está apto a cometer outros. Mas, o que se faz e com o que se tem, produz bons resultados. Uma segurança deficitária sempre será melhor que sua ausência.

Campo Grande News – O Exército Brasileiro poderia assumir o controle da fronteira?

Marcon – A soberania nacional está longe de ser ameaçada. Em tempo de paz, e num país onde a democracia e as instituições estão íntegras e integradas, o controle de fronteiras é ação dos órgãos de segurança pública, onde as forças armadas não se enquadram. Apesar de termos uma extensa fronteira seca em nosso estado, quem conhece, sabe que são poucas as rodovias por onde tudo passa e que dão acesso aos outros estados. Portanto, capacidade de atuar nossas forças públicas possuem. O que falta é mais investimento em recursos materiais e pessoais na fronteira para formação de equipes de barreiras fixas e móveis que juntamente com a inteligência policial realizada nos grandes centros trarão à população uma maior tranquilidade.

Brasileiros presos ontem na zona rural de Capitán Bado; grupo integra facções presentes na fronteira (Foto: Divulgação)
Brasileiros presos ontem na zona rural de Capitán Bado; grupo integra facções presentes na fronteira (Foto: Divulgação)
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