Máfia local perde terreno e PCC assume rotas do cigarro paraguaio
Operações do ano passado desmontaram esquema milionário de contrabando, mas facção começa a ocupar espaço na fronteira
O contrabando de cigarro é, junto com o tráfico de cocaína, a atividade mais rentável do submundo do crime no Brasil. São bilhões de reais em prejuízo para o cofre público todos os anos e uma bem organizada rede criminosa para levar o cigarro do Paraguai até as bancas de ambulantes instaladas nas esquinas de qualquer grande cidade brasileira.
Para garantir que o cigarro fabricado no Paraguai chegue ao destino, as quadrilhas contam com o apoio de servidores corruptos, principalmente policiais. Dezenas deles estão presos ou sendo processados atualmente em Mato Grosso do Sul, mas o contrabando não parou e pode aumentar com a entrada no negócio das facções criminosas instaladas na Linha Internacional.
O contrabando de cigarro é tema da terceira reportagem da série especial “MS nas mãos do crime” que o Campo Grande News divulga nesta semana.
Fontes policiais que atuam na linha de frente do combate ao contrabando são unânimes em afirmar que as operações do ano passado – especialmente a Oiketikus em maio e a Nepsis em setembro – enfraqueceram as quadrilhas que formam a Máfia do Cigarro.
Com as prisões de 21 policiais pelo Gaeco na Oiketikus e dos principais chefes do contrabando da fronteira na operação conjunta da Polícia Federal e da PRF (Polícia Rodoviária Federal) em setembro, o esquema sofreu um duro golpe. Só o grupo investigado na Operação Nepsis mandou pelo menos mil caminhões de cigarro de Mato Grosso do Sul para outros estados.
Mas o poder não tem vácuo, como definiu um policial ouvido pelo Campo Grande News. “Ninguém parou de comprar cigarro paraguaio no Brasil e o Paraguai não parou de fabricar. Então, o negócio continua e com a crise econômica o mercado informal só aumenta”.
Para muitos policiais ouvidos pela reportagem, o cigarro é ainda mais rentável que as drogas, pois é vendido em qualquer esquina, em bares da periferia e bancas de camelô.
Na zona norte do Rio de Janeiro, ambulantes vendem nas ruas as marcas paraguaias, principalmente a Eigth, um dos produtos fabricados pelas empresas do ex-presidente do Paraguai Horacio Cartes. Por ser legalizado, o cigarro é socialmente aceito e poucos se preocupam com a procedência. O que conta é o valor.
PCC no negócio – As operações quebraram os tentáculos da organização liderada pelos chefões Ângelo Guimarães Ballerini, o “Alemão”, Carlos Alexandre Gouveia, o “Kandu”, Valdenir Pereira dos Santos, o “Perna”, e o ex-PM Fábio Costa, o “Pingo” – os três primeiros presos e Pingo escondido no Paraguai.
Com dezenas de policiais na folha de pagamento, a quadrilha interferia até nas escalas de trabalho para colocar aliados de serviço por onde os carregamentos passariam e chegou a planejar o assassinato de policiais rodoviários federais de Dourados, atuantes no combate ao contrabando.
Mas a queda do império de Alemão e seus sócios abriu espaço para os concorrentes. Policiais da fronteira são taxativos: atualmente o PCC está ganhando terreno no contrabando de cigarro.
O homem forte escalado pela facção criminosa para comandar o negócio é conhecido como “Levy do PCC”, segundo fontes da fronteira. Um paulista radicado em Pedro Juan Caballero, onde a facção mantém base.
O Campo Grande News apurou que o PCC já controla a principal rota do cigarro paraguaio, a que sai de Ponta Porã, passa pela região do “Copo Sujo”, Maracaju e Sidrolândia até chegar à Capital.
Já as quadrilhas tradicionais do contrabando, incluindo grupos remanescentes do esquema de Alemão e Cia, operam nas bases de Pindoty Porã, Salto Del Guairá e Bela Vista do Norte, as três do lado paraguaio. “Para os contrabandistas o momento é de reorganização, mas as rotas já estão distribuídas e por ora não se misturam”, afirma uma fonte policial.
Apreensões – Os números comprovam que houve diminuição nas apreensões de cigarro, reflexo da bagunça provocada nas quadrilhas pelas operações do ano passado. Entretanto, toda semana tem carga de cigarro paraguaio sendo interceptada perto da fronteira.
De janeiro até agora o DOF (Departamento de Operações de Fronteira) apreendeu 66,3 mil pacotes. Nos 12 meses do ano passado foram 946 mil e o recorde ocorreu em 2017, com a apreensão de 1,2 milhão de pacotes.
A Polícia Federal contabilizou quase 900 mil pacotes no primeiro quadrimestre do ano em todo o estado. A quantidade foi avaliada em R$ 44 milhões. Foram 69 pessoas autuadas por contrabando na PF.
No ano passado, a PF apreendeu R$ 663 mil em espécie das quadrilhas do contrabando do cigarro, mas o prejuízo maior foi em veículos apreendidos – R$ 20,3 milhões. Já nos primeiros quatro meses de 2019 foram R$ 99,5 mil em espécie e R$ 5,3 milhões de prejuízo com a apreensão de carretas, caminhões-baú, carros de passeio e caminhonetes usados para transportar o cigarro paraguaio.
Carros abarrotados – Na semana passada, a PF apreendeu três veículos lotados de cigarro paraguaio. Um deles tinha pacotes até dentro das portas. A apreensão ocorreu no município de Itaquiraí, na rota do contrabando que sai de Sete Quedas.
Os três carros, um Hyundai Santa Fé, um Astra e um Kia Cadenza, levavam 7.500 pacotes. Um homem de 27 anos, que dirigia um dos carros, foi preso em flagrante. Os outros dois motoristas conseguiram fugir após perseguição policial.
A fabricação de cigarro no Paraguai é legalizada. Só que o total da produção do país vizinho é muito superior ao volume consumido internamente, ou seja, a maior parte do cigarro produzido em território paraguaio é para atender o mercado estrangeiro.
Só que o Brasil não importa legalmente cigarro do Paraguai. Isso significa que qualquer maço fabricado naquele encontrado em território brasileiro é ilegal.
Para policiais que atuam na linha de frente de repressão ao contrabando, além de desmantelar as quadrilhas, apreender as cargas e patrimônio para quebrar financeiramente os contrabandistas, é preciso extirpar os corruptos da polícia. São eles que garantem o sucesso do negócio ilegal.