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Interior

Após morte de líder indígena, clima na cidade é como se nada tivesse acontecido

Paula Maciulevicius | 20/11/2011 10:03

Dois dias após sumiço do líder guarani-kaiowá, população segue na rotina e os comentários, em geral, são de crítica aos índios.

“Para nós é normal, porque os indígenas fazem horrores”, falam moradores. (Foto: João Garrigó)
“Para nós é normal, porque os indígenas fazem horrores”, falam moradores. (Foto: João Garrigó)

Entre moradores da região que foi palco do ataque a um acampamento indígena, na última sexta-feira, o clima é de normalidade.Dois dias depois do líder Nisio Gomes desaparecer, as conversas com quem vive na cidade revelam pouca ou nenhuma preocupação com que, segundo os índios foi um ataque com vários homens armados.

Em meio à população, o que se escuta é “eu ouvi falar”, “fiquei sabendo hoje” Diante do relato dos índios, de que o líder foi executado e corpo levado pos pistoleiros, a reação é de indiferença. “Para nós é normal, porque os indígenas, todo mundo sabe que eles bebem, fazem horrores, se acampam desse jeito e ninguém gosta. Se eles tem aldeia, tinha que ficar lá, ninguém gosta de ser invadido”, declara a jovem Bruna, 22 anos.

Enquanto o clima no acampamento entre as fazendas Querência Nativa e Ouro verde, quase na divisa dos municípios de Aral Moreira e Amambai, é de insegurança entre as vítimas do atentado ocorrido na última sexta-feira, os depoimentos colhidos pelo Campo Grande News revelam um grau de intolerância com a presença dos índios.

Segundo relatos de moradores a cidade de Amambai foi “tomada” por indígenas. “Está cada vez mais invadida e a gente é obrigado a aceitar. O que se pode fazer mais?”, comenta Rosenildo Pereira, de 32 anos.

A explicação para os relatos do casal acima vem dos benefícios que, segundo eles, são concedidos aos indígenas. De acordo com eles, os guarani-kaiowá têm desde atendimento preferencial em hospitais até ajuda de custo do governo para construção de moradias.

“Você chega no hospital com uma criança passando mal e o indígena que está com um corte causado numa briga entra primeiro. Vai nas aldeias para se ver, estão quase chegando na cidade e com casas boas. Tudo é o governo que dá. A gente que trabalha como eu trabalho mal tem uma motocicleta para andar”, desabafa o casal.

O senso comum de que índio não produz também é citado. “Eles reclamam, aí entram em uma fazenda produtora e tomam. Querem terra, mas não fazem nada. Vem até a cidade para comprar tudo. Porque vai tirar de quem está plantando e produzindo sendo que eles não vão produzir nada?” questiona Bruna.

A posição que os moradores ouvidos adotam é baseada em históricos de brigas e confusões na cidade de Amambai, que, pelos testemunhos, parece ser algo comum.

“Fiquei sabendo por terceiros. Morreu um, morreu cinco ou seis”, diz um morador.

“Índio em cemitério vai ter em todo lugar, se for assim, eles sempre vão dizer que as terras são deles”. (Foto: João Garrigó)
“Índio em cemitério vai ter em todo lugar, se for assim, eles sempre vão dizer que as terras são deles”. (Foto: João Garrigó)

Pessoas como Rosenildo até procuraram a notícia nos veículos locais, mas não encontraram. “Eu olhei depois que me falaram, mas não achei nada. E tudo o que acontece sai, mas não tinha, eu não achei. Então alguém por trás disso deve ter”, sugere.

O mesmo foi vivenciado pelo aposentado Ramão Moreira, de 63 anos, que soube apenas ao ver o caso em noticiário nacional.

“Vi no jornal agora uma parte falando, eu não estava aqui na cidade, então não sei o que falar, só pelo que vi na TV”, comenta.

Seo Ramão está há quase 50 anos na região e desde que chegou conhece a área ocupada pelos índios como produtora de erva-mate. Ele conta que a propriedade tinha cerca de 8 mil hectares e abrigava muitos trabalhadores, mas com o fim da produção de erva, a fazenda passou a viver da pecuária. Mais tarde o dono, um advogado, morreu e a terra foi dividida entre herdeiros, segundo conta.

A terra onde estão acampados cerca de 60 guarani-kaiowá está com o relatório de identificação como território indígena em fase de conclusão.

“Eles dizem que foi um cemitério de indígena ali. Índio em cemitério vai ter em todo lugar. Aqui mesmo tem um desativado que acho que tem um ou mais, se for assim, eles sempre vão dizer que as terras são deles”, argumenta Ramão.

Tragédia anunciada?-Antes do sumiço nesta sexta-feira, o líder Nisio já vinha sofrendo ameaças, segundo a comunidade. Quanto aos possíveis mandantes, os testemunhos são claros.

“Eu não tiro a razão. Governo e Funai não fazem nada. Daí os fazendeiros contratam pistoleiros que sentam e dibuiam enquanto a Justiça demora. Só que cada um tem o seu direito”, acrescenta um caminhoneiro da região.

“Vai se complicar se não tomar uma providência. Mais índio vai morrer. Chama a Polícia Federal que intervem para proteger de um confronto entre indígenas e fazendeiros e só”, acrescenta.

Atentado - Segundo informações do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), pelo menos 40 pistoleiros estariam envolvidos no ataque. Segundo o relato dos que estavam no acampamento, Nísio foi executado com tiros de calibre 12. Ainda conforme informações do órgão, os homens estavam com máscaras, jaquetas escuras e pediram para todos deitarem no chão durante o ataque.

De acordo com a comunidade, o líder indígena foi executado em frente ao filho, que ainda tentou impedir e foi contido com tiros de bala de borracha. De acordo com o Cimi, a ação dos pistoleiros foi respaldada por cerca de uma dezena de caminhonetes – marcas Hilux e S-10 nas cores preta, vermelha e verde. Os índios contaram que na caçamba de uma delas o corpo do cacique Nísio foi levado.

Os indígenas ocuparam a área onde aconteceu o conflito há cerca de 15 dias e já vinham recebendo visitas da Funai e da Polícia Federal. Ainda assim, como vem acontecendo em outras áreas em conflito, isso não tem sido suficiente para coibir as agressões realizadas por homens armados a serviço dos fazendeiros da região, reclama o movimento.

Mesmo com o episódio, indígenas já afirmaram que vão permanecer no acampamento.

A comunidade vive na beira de uma rodovia estadual antes da ocupação do pedaço de terra no tekoha Kaiowá, aponta o Cimi. O acampamento atacado fica na estrada entre os municípios de Amambai e Ponta Porã, perto da fronteira entre Brasil e Paraguai.

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