Ponte bioceânica faz Porto Murtinho sonhar alto: “o novo Canal do Panamá”
Aos 112 anos, cidade na fronteira com o Paraguai faz 1º plano diretor para organizar expansão
No cruzamento da Rua 13 de Maio com a Avenida Laranjeiras, em mais uma tarde de sol inclemente em Porto Murtinho, a 439 km de Campo Grande, Fernando Miguel da Silva, 31 anos, conta que visita pela primeira vez o município na fronteira com o Paraguai.
RESUMO
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Porto Murtinho, uma cidade de 112 anos localizada na fronteira com o Paraguai, está passando por uma transformação significativa devido à construção da ponte da Rota Bioceânica, que deve ser concluída em março de 2026. Este projeto visa criar um corredor viário que conectará o Brasil à China, passando por vários países da América do Sul, e está atraindo a atenção de empresários e investidores. A cidade já está se adaptando a essa nova realidade com o aumento de negócios, como restaurantes e construção de imóveis, além de um plano diretor em discussão para organizar o crescimento urbano e econômico. Apesar dos avanços, desafios como o saneamento básico ainda persistem, mas a expectativa é de que a infraestrutura melhore com os novos investimentos e a chegada de mais visitantes e empresas.
Vendedor de redes, meias, bonecas e cintos, o caixeiro viajante é mais um a “descobrir” Porto Murtinho. A cidade de 112 anos vive uma onda de euforia com a construção da ponte da Rota Bioceânica, que vai ligar o município à vizinha Carmelo Peralta.
A obra, que deve ficar pronta em março de 2026, vai permitir o corredor viário para levar mercadorias do Brasil (banhado pelo Oceano Atlântico) para a China, num roteiro passando por Paraguai, Argentina e portos do Chile, na costa do Oceano Pacífico. Diante desse cenário, o desenho da ponte já entrou na logomarca oficial de Porto Murtinho, que se anuncia como “Portal da Rota Bioceânica” e “novo Canal do Panamá”.
Localizado no Panamá, o canal artificial liga o Atlântico, por meio do mar do Caribe, ao Pacífico.
De dentro do carro, estacionado perto de outdoor em que a cidade agradece, nominalmente, a vários políticos de Mato Grosso do Sul, Miguel diz que a procura da clientela surpreendeu. “Já vendi nove redes”, conta o vendedor. Os modelos variam de R$ 50 a R$ 180.
Tempo de mudança - Para quem mora na cidade, a expectativa é que alguma grande empresa abra as portas no município. As opções de trabalho são o turismo (sujeito às sazonalidades da pesca), administração municipal e o comércio. Mas as obras e vindas de muitos empresários para prospectar na cidade já refletem na abertura de novos negócios e planos de expansão.
Gerente de supermercado, Lucas Franco Pereira conta que são três lojas da rede na cidade e a quarta está em avaliação. “Tem aumentado as vendas, bastante gente vindo para a cidade por causa da ponte”, diz. Na temporada de pesca, o grupo registrou 20% de aumento nas vendas.
Outro indicativo da disposição em investir vem da construção de casas pela cidade. “O pessoal está focando muito aqui”, diz o pedreiro Sebastião Rolandi Vieira. Na tarde de sexta-feira (6), ele trabalhava num condomínio de cinco casas. A obra está na fase de acabamento. O próximo trabalho já está contratado. “Graça a Deus o pessoal nos procura. A gente vive disso”.
Servidora municipal, a turismóloga Silvia Pinese conta que foi até chamada de louca quando ela e o marido decidiram investir na construção de dois imóveis com melhor padrão para alugar.
“Sempre foi falado que o nosso município é o final do Brasil. Agora, com a Rota Bioceânica, os empresários estão enxergando potencial aqui e tudo vai melhorar. Fala-se até em parque aquático. Faz 11 anos que estou aqui, de três anos para cá muita coisa mudou. Eu e meu marido construímos duas casas aqui e todo mundo falava que a gente era louco, hoje tem fila de gente para alugar”.
Trabalho de segunda a segunda - Com parentes em Porto Murtinho, Marcelo Nunes dos Santos, 50 anos, viajou por todo o Estado quando era consultor gastronômico de grandes marcas. Após 20 anos de trabalho, decidiu comandar um restaurante que funciona de segunda a segunda, servindo almoço e janta, na cidade.
Meu irmão está há mais de 25 anos em Porto Murtinho. Ele trabalha no ramo de turismo de pesca e foi a mola propulsora para eu vir à cidade, diante das oportunidades da Rota Bioceânica, que já está fomentando a região. Muitos empresários têm vindo sondar a cidade, conhecer”.
O restaurante emprega nove pessoas e já passou por adaptação para atender empresas, com oferta do self-service além dos pratos à la carte. “A gente está contente com a resposta que deu a cidade. Tem muita coisa pela frente, mas está melhor do que eu esperava. Graças a Deus, as coisas estão andando”, diz Marcelo.
Novo Canal do Panamá - “Nós estamos sendo chamados de novo Canal do Panamá. A logomarca agora sai em todos os nossos ofícios, vai nos carros oficiais. Ela simboliza a ponte bioceânica e a integração entre os dois países”, afirma o secretário de Turismo, Cultura e Desenvolvimento Local, Paulo Francisco Carvalho.
Com o corredor rodoviário cruzando a América do Sul, a cidade brasileira espera mais visitantes, principalmente por ser, depois de Jardim, a única em 200 quilômetros de estrada.
“Aqui será sim um ponto de apoio para quem vai ao exterior. Quando a gente fala de restaurantes, Porto Murtinho já deu um salto muito grande. Tem um a seis quilômetros da cidade que consegue receber 400 pessoas. Ali, tem capacidade de estacionamento para 389 caminhões bitrens. E tem área para dobrar o estacionamento. Temos sondagem para abertura de hotel. Também vai inaugurar pousada em uma fazenda. A gente percebe o despertar dos empresários para descobrir Porto Murtinho”, reforça o secretário.
Primeiro plano diretor em 112 anos - Em fase de crescimento, a centenária cidade discute pela primeira vez um plano diretor, documento que organiza a expansão da área urbana e atividades econômicas. O estudo já está 95% concluído.
“A partir do momento que o plano esteja definido e publicado, nós acreditamos que a corrida por locais, terrenos, será muito grande no município. O grande empresário está esperando isso. Estamos criando o plano diretor com uma empresa de Curitiba. Nós somos o segundo maior município em extensão de Mato Grosso do Sul”, destaca Paulo. O plano prevê a criação de novos bairros e a criação de polo industrial.
No quesito investimentos públicos, o hospital municipal dobrou de tamanho após aporte de R$ 11 milhões e a área urbana deve chegar a 95% de asfalto nos próximos dois anos. As escolas e os postos de saúde foram reformados.
“Estamos iniciando a construção de um posto de saúde que até podem falar que é no meio do mato. Mas em dois anos será necessário. Temos recursos para deixar nossa cidade 95% asfaltada”, diz Paulo. Atualmente, a malha viária asfaltada é de 50%.
Apesar dos investimentos, o cheiro de esgoto ainda é forte em algumas ruas da cidade, mesmo que em menor escala do que em dezembro de 2021, quando a reportagem visitou Porto Murtinho.
“Nós temos capacidade de tratamento de esgoto de mais de três vezes a nossa população. A nossa capacidade é para 50 ml pessoas e o plano diretor prevê mais uma estação de tratamento. Na realidade, esse odor é nas valetas, que teriam que escoar só a água da chuva. Mas utilizaram essa rede para jogar esgoto dentro, apesar de a rede de saneamento passar na frente de casa. E essa minoria vai começar a ser notificada. Vai ser inevitável”, afirma o secretário.
Conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), são 12.859 habitantes na cidade. A estimativa da prefeitura é de população de 17.500, mas, no começo deste dezembro, a cidade tem 13 mil pessoas. A queda seria por conta da redução de trabalhadores na obra do contorno de acesso à ponte, pesca proibida e navegação de cargas interrompida no Rio Paraguai.
Da Ásia a Porto Murtinho - Reeleito para novo mandato a partir de 2025, o prefeito Nelson Cintra (PSDB) afirma que o orçamento do município, em média, varia de R$ 80 milhões a R$ 100 milhões, mas consegue aumentar a receita por meio de emendas parlamentares e o governo do Estado.
“Cheguei de Brasília com R$ 20 milhões de emendas parlamentares. Então, a bancada federal está vendo a importância de Porto Murtinho no cenário estadual e nacional. Tudo que for exportado dos países asiáticos para o Brasil vai passar por Porto Murtinho. O orçamento varia de R$ 80 milhões a R$ 100 milhões, mas cai muita coisa do céu aqui”, afirma Cintra. O prefeito conta que a cidade recebe visitas de potenciais investidores.
Já tem muita gente olhando. Mas nós temos muita tranquilidade porque toda exportação para a Ásia tem que sair por aqui, é muito mais econômico. Vão economizar de 18 a 20 dias. Por exemplo, o Canal do Panamá é muito caro. Há 40 anos eu venho falando da Rota Bioceânica. Estou muito tranquilo sobre o sucesso do corredor. Vamos exportar todas as carnes, a celulose vai sair por aqui”, destaca o prefeito.
A ponte sobre o Rio Paraguai será ligação do corredor que promete encurtar em quase 10 mil quilômetros o trajeto de mercadorias brasileiras rumo à Ásia, que hoje precisam partir pelo Atlântico, atravessar o Canal do Panamá e acessar o Pacífico.
Pela 060 e 267 – A partir de Campo Grande, são 439 quilômetros até Porto Murtinho, que faz fronteira com o Paraguai. O limite entre os dois países é o centro do Rio Paraguai. Por enquanto, a BR-060, saída para Sidrolândia, é o ponto do trajeto com maior tráfego. Inclusive, há planos da duplicar a via federal entre a Capital e o município vizinho.
Nesta rodovia, o trecho mais perigoso é o da Serra de Maracaju, que fica em Nioaque. O local teve obras para tornar a passagem mais segura. A serra é o divisor de águas entre as bacias hidrográficas dos rios Paraná e Paraguai, uma linha entre o Cerrado e o Pantanal.
Da BR-060, a viagem prossegue pela BR-267. Fica para trás a soja, plantada até pertinho do asfalto, e começam a aparecer os morros, com bela paisagem. A 267 passa por obras, com acostamento em alguns trechos.
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