Sem proteção, idosos Terena enterram os próprios mortos nas aldeias
Eles enterraram vítima da covid sem EPIs necessários, o que contraria protocolo de segurança sanitária
Idosos terena enterraram, na quinta-feira (30), uma das vítimas da covid-19 na aldeia bananal em Aquidauana, a 135 km de Campo Grande, sem a presença de agentes funerários e EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), o que contraria o protocolo adotado para os ritos funerários na pandemia.
Conforme apurou a reportagem, o enterro sem proteção, que coloca em risco quem se despede de um ente querido, principalmente os mais velhos, já ocorreu outras vezes. O respeito aos rituais indígenas tem sido alvo de debates, principalmente no norte do Brasil, depois que mães Yanomami conseguiram autorização para enterrar bebês mortos pela pandemia.
Em meio aos protocolos que impedem aglomerações fúnebres e proximidade com o corpo da vítima, cultura muitas vezes entra em conflito com o risco de transmissão, mas os índios terena relataram revolta com a falta de assistência da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena).
Joilson Sobrinho, liderança na aldeia bananal, afirma que o enterro ocorreu por falta de auxílio e os terena pretendem reivindicar mais atuação da saúde indígena para as vítimas. O Campo Grande News também apurou que familiares já ouviram negativas ao solicitarem caixões para pessoas que faleceram com suspeita de estarem com a covid-19.
No Dsei local, o clima no polo base de Aquidauana é de exaustão. Funcionária administrativa que pediu para não ser identificada por temer perseguição, disse que a funerária contratada não tem dado conta pelo aumento das mortes nas duas últimas semanas. Ela afirma que há "diversos funcionários afastados".
Até esta sexta-feira (31), o boletim da saúde indígena do dia anterior ainda não havia sido divulgado, mas o boletim municipal, da Prefeitura, cita 10 índios entre os 14 mortos na pandemia. Outras três mortes ainda aguardam resultado do exame que atesta a presença do novo coronavírus, conforme o boletim.
“Ficou definido a responsabilidade das lideranças e que quanto menos pessoas estiverem no cemitério é melhor, porque nossa demanda cresceu demais, a gente está mandando para os postinhos os EPIs”, contou ela. A funcionária disse que os equipamentos compreendem luvas, máscaras e aventais, enviadas por meio de doações.
Contratada pelo polo base, a Pax em Anastácio alegou que são os caciques que escolhem enterrar as vítimas e que só permitem a entrada de agentes para deixar os corpos nas aldeias.
“Estou tendo um problema por conta da cultura deles. A gente entra dentro da aldeia, leva para o cemitério, não podemos por a mão para sepultar, então só estamos levando até a aldeia, com nossos EPIs, certinho. Infelizmente foram quatro mortes ontem e três nós atendemos”, disse a gerente da funerária Célia Fernandes.
Coordenador em substituição do Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena) em Mato Grosso do Sul, Luiz Antonio de Oliveira Júnior disse “desconhecer” que os enterros sem proteção estejam ocorrendo “pois o Dsei tem contrato com a funerária”.
Procurada pela reportagem, que perguntou sobre recursos, protocolo e orientação aos rituais fúnebres, a Sesai em Brasília não se manifestou até a conclusão da reportagem.
*matéria alterada às 14h26 do dia 01/08 para correção de informações.