A Chimérica iniciou o conflito final?
Sejam bem vindos ao maravilhoso país dual da “Chimérica” –China mais a América–, que possui pouco mais de um décimo da superfície da Terra, um quarto de sua população, um terço da sua produção econômica e mais da metade do crescimento econômico global.
Durante algum tempo, pareceu um casamento organizado pelo céu. Os chimericanos orientais poupavam. Os chimericanos ocidentais gastavam. As importações chinesas mantinham a inflação dos EUA baixa. As poupanças chinesas mantinham baixas as taxas norte-americanas de juros. A mão de obra chinesa mantinha baixos os custos dos salários norte-americanos. Como resultado, era extraordinariamente barato fazer empréstimos e extraordinariamente lucrativo administrar uma empresa norte-americana na China.
Graças à Chimérica, as taxas reais dos juros globais caíram mais de um terço abaixo de sua média. Graças à Chimérica, os lucros das empresas norte-americanas subiram quase a mesma proporção. Mas havia uma artimanha, um ardil, uma pegadinha escondida.
Os EUA devem US$ 3 trilhões para a China
Até há pouco, parecia improvável que a China sairia completamente incólume de uma recessão norte-americana. Os EUA continuavam sendo o maior parceiro comercial da China, destino de um quinto das exportações chinesas. Além disso, o acúmulo de reservas pela China colocou Pequim na poderosa posição de ser capaz de oferecer injeções para bancos norte-americanos com problemas. Desde 2007, os fundos da China estavam começando a investir em bancos como o Barclays, Citigroup, Merril Lynch, Morgan Stanley e UBS.
Durante um tempo, pareceu que esses fundos chineses pudessem orquestrar uma aquisição global das finanças ocidentais. Aqui está uma dolorosa anomalia: entre os maiores vencedores da última crise internacional estavam as entidades financeiras de propriedade estatal. Não só chineses, mas também de Cingapura, Kwait e dos Emirados Árabes. Foram eles que sustentaram a saída da crise que quase destruiu as finanças ocidentais, como saíram ainda mais ricos ao seu término (ainda inconclusivo, pois outra crise se avizinha). Só os EUA devem mais de US$ 3 trilhões para os chineses.
“Se nós vemos um coelho gordo, nós atiramos nele”
Depois de pagar US$ 5 bilhões por uma participação de 9,9% no banco Morgan Stanley, o presidente do conselho da China Investment Corporation, Lou Jiwei, comparou a oportunidade ao aparecimento de um coelho na frente de um fazendeiro: “Se nós vemos um coelho gordo”, disse, “nós atiramos nele”. As primeiras incursões chinesas nos bancos dos EUA produziram resultados estelares.
As tensões no coração da Chimérica
Existem medos em Pequim de que o pior ainda está por vir para os bancos ocidentais. Mas, com Trump, criou-se uma tensão política no coração da Chimérica. Os chineses receiam que a retórica inflamada do governante dos EUA seja apenas uma desculpa para não pagar as dívidas contraídas.
Pelo lado dos norte-americanos, a preocupação de um aumento no conflito é visto como uma competição injusta e uma manipulação da moeda pela China. As reclamações tendem a aumentar de tom e crescer.
Mas os EUA também manipularam sua moeda. Os cortes exorbitantes nos fundos federais e nas taxas de descontos, os vários leilões e “oportunidades” de empréstimo, a concessão de crédito para a aquisição do Bear Stearns pelo banco JP Morgan equivaleram a uma versão norte-americana de manipulação da moeda. O dólar depreciou-se 25% em relação às moedas de seus principais parceiros comerciais –China e Europa.
Talvez, como seu nome sugere, a Chimérica não seja mais que uma quimera –a besta mitológica de uma lenda antiga que era parte leão, parte cabra e parte dragão. A cabra, entre um leão e um dragão, somos nós, o governo brasileiro, que tem algumas centenas de milhões de dólares emprestados para os EUA.