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Em Pauta

A vacina moral. O fabricante de honradez

Mário Sérgio Lorenzetto | 10/12/2020 07:00
Campo Grande News - Conteúdo de Verdade
Villa dos Broncos era uma pequena cidade rural. Havia por lá, um médico com barbas e olhos de um Cristo bizantino. Alexandre Moral, o médico da cidadezinha, anunciou que havia descoberto uma "vacina moral". Conseguiu convencer as autoridades da cidade a inocular essa vacina obrigatoriamente em toda a população. Seu objetivo era conseguir a purificação ética da raça humana e a conversão dos viciados e criminosos em pessoas probas, decentes e corretíssimas.


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Enquanto vacinavam, uma charanga amenizava a operação.

A cidade de Vila dos Broncos estava submetida a uma crescente maré de roubos, farras de bêbados, brigas, desacatos de autoridades e depravação dos costumes. O messiânico doutor organizou, então, uma campanha de vacinação. Desfilaram, em sua clinica, todos os cidadãos em poucos dias. Receberam a injeção atrás de um biombo chinês enquanto uma charanga amenizava a operação com sua música alegre.


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Os efeitos da vacina.

Os resultados da vacinação moral foram estupendos. Excederam os cálculos mais otimistas. A criminalidade foi inteiramente cessada. Parecia que os vícios, a cobiça e a desonestidade tinham fugido para sempre. Pouco tempo depois, a população começou a reclamar que a vida parecia demasiadamente uniforme e aborrecida. Os visitantes, que chegavam à cidade, narravam que seus habitantes pareciam autômatos, máquinas morais, incapazes de sentir o estímulo do pecado. Os cafés e bares estavam vazios, faltava a conversação maledicente. Perceberam que era difícil rir sem molestar os outros.


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Os políticos reclamaram da indiferença das massas.

Os políticos, tanto da extrema direita, como da esquerda também começaram a lamentar a indiferença das massas. Passaram a temer que teriam de trabalhar para comer. Sem vícios, sem más paixões, com saúde e trabalho, que importava aos cidadãos de Vila dos Broncos os credos políticos salvadores e as panaceias infalíveis, mas sempre falidas.


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Um antídoto para a vacina.

Todos aborrecidos de ser sempre honrados, começaram a pedir um antídoto que revertesse os efeitos da vacina moral. O doutor ofereceu aos habitantes um antídoto. Os cidadãos, guiados pelo prefeito, tomaram meio copo de um misterioso licor. Com a ajuda dos vereadores, conseguiram desviar boa parte desse licor. Muitos se lançaram aos garrafões e saborearam com infinita cobiça aquele filtro passional, que prometia a doçura do fruto proibido. Não sabiam, mas o doutor lhes fornecia apenas água.


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A volta das paixões, dos vícios e dos crimes.

Comprimidas por um ano, estouraram violentamente as paixões. Exibiram todos os vícios com inaudita falta de vergonha. Durante um mês, Vila dos Broncos, viveu em pleno bacanal. Todos os atrasos do amor, todas as dívidas de ódio, da vaidade, da inveja e até da paixão política foram saldados em um momento. As pessoas mais honradas se envolveram em escândalos. Poucos conseguiram fugir. A supressão do mal não implicaria no surgimento do maior dos males? Se for bem embalada, a pílula sugestiva faz com que qualquer um passe a acreditar em qualquer coisa. Esse é o poder da sugestão. A deplorável facilidade com que o cérebro aceita qualquer dogma, sem lhe oferecer crítica.
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