História da solidão. O direito de estar só
À procura da solidão. Será na aurora do cristianismo que encontraremos o fenômeno da "fuga maciça de muitos milhares de indivíduos para o deserto, à procura da solidão". Esse insólito movimento teve início no século III d.C.. Já no século IV d.C. vem a explosão. As multidões caminhavam para o deserto em busca da solidão. Foi tão grandioso que os poderosos tiveram de intervir em razão das perturbações sociais provocadas por esse êxodo.
Serão milhares os exemplos dos padres que viverão no deserto como eremitas, mas não raro atraindo multidões. Em uma localidade no deserto egípcio, no século IV, havia uma comunidade de aproximadamente 3 mil monges. Mas os poderosos vencem. A solidão passa a ser mal vista, maldita.
Os reclusos fofoqueiros.
A solidão atravessará os séculos como algo a ser evitado. Na Idade Média seria considerada algo assustador. É nessa época que se afirma que a "cidade favorece a solidão". Percepção ainda adequada para nossos dias. Nessa época, torna-se popular o fenômeno dos reclusos e reclusas. Eram milhares de pessoas em toda a Europa que experimentavam o afastamento voluntário da sociedade. Mas a conduta deles era bastante dúbia. Estavam sempre cercados de empregados, confessores, pedintes, curiosos, companheiros e admiradores. Tratava-se de uma falsa solidão. Eram as mulheres mais bem informadas sobre as fofocas da cidade. Era a espetacularização da solidão. Um tipo de Big Brother medieval, que como em todos os espetáculos desse tipo, a virtude dá lugar à representação.
A solidão dos estudiosos.
O início da modernidade verá o boom da imprensa e dos livros. Esse fator atenuará o repúdio à solidão. Montaigne parece que foi um dos primeiros a enfrentar a sociedade em luta a favor da solidão. Era um homem solitário, mas não misantropo. Dedicará um de seus ensaios à solidão.
Embora o século XVIII d.C. ainda seja contrário à solidão, será nesse momento de ascensão da burguesia ao poder que a privacidade ganhará contornos de direito a ser protegido. O burguês demandará proteção a seus bens, aos seus contratos. A ideia de individualidade ganhará força. Com ela, virá a solidão, o recolhimento. No final do século XIX, os advogados norte-americanos Samuel Warren e Louis Brandeis criaram o marco do "direito de privacidade" delimitando-o como o direito de estar só. Criaram uma definição bastante objetiva, hoje contestada.
Os governos desejam possuir nossos dados.
Hoje o direito de privacidade está em severo risco. Os governantes querem possuir nossos dados. Na esteira dessa tirania, as grandes empresas de informação - Google, Amazon, Apple... - sequestram nossa privacidade. Mas o individualismo persiste.
O paradoxo da solidão é que ela é desejada - por muitos amada - quando próxima da ideia de privacidade. Mas é repudiada quando remete a abandono e a esquecimento.