Apps que permitem ascensão social convulsionam raciocínio de esquerda
O francês Thomas Piketty, que se converteu na nova referência da esquerda mundial, afirma em seu livro, O Capital no Século XXI (um livro que é comprado mas raramente é lido), que os proprietários do capital se apropriam de fatias cada vez maiores da riqueza mundial. Sendo assim, a melhor 'solução' para este suposto problema é a criação de um imposto, em nível global, sobre a riqueza e também um aumento acentuado na tributação da renda.
Problemas teóricos e factuais abundam no livro de Piketty. Eis um deles: Piketty é simplesmente incapaz de perceber que inovações geradas pelo mercado, e a concorrência que elas geram, estão continuamente criando novas formas de capital ao mesmo tempo em que estão reduzindo ou mesmo destruindo o valor de formas antigas de capital. Capital é tudo aquilo capaz de aumentar a riqueza futura. Inovações no capital, geradas pela livre iniciativa, fazem com que pessoas jovens entrem na lista dos grandes capitalistas ao mesmo tempo em que expulsam dessa lista aquelas pessoas que não inovaram. (Treze anos atrás, Mark Zuckerberg, filho de um dentista, não figurava na mente de ninguém como um exemplo de capitalista. Hoje, ele vale aproximadamente US$ 300 bilhões.)
Entra em cena a Uber. O que faz esse aplicativo senão permitir que pessoas comuns transformem seus bens de consumo (que não geram renda) em bens de capital (que geram renda e aumentam a riqueza)?
A Uber faz com que aquele indivíduo que normalmente utilizaria seu carro apenas para uso pessoal possa agora utilizá-lo de modo a ganhar dinheiro: prestando serviços para consumidores. A Uber transforma um bem de consumo básico (um carro) em um bem de capital (um instrumento que gera renda e aumenta a riqueza).
Consequentemente, enquanto esses indivíduos estiverem utilizando seus carros como carros da Uber (ou da Lyft), esses veículos passam a integrar o estoque de capital produtivo de uma economia, ainda que as estatísticas convencionais não registrem isso.
Uber e todas as outras inovações trazidas pelos aplicativos digitais — como o Airbnb, que transforma residências em hotéis e pousadas — criam mais capital produtivo e, acima de tudo, criam mais capitalistas.
Todas as investidas governamentais que visam a banir a Uber, o Airbnb e vários outros aplicativos digitais nada mais são do que intervenções governamentais com o intuito de proteger o valor daquele velho e decrépito capital existente, blindando seus proprietários (taxistas e hotéis convencionais) contra as forças da destruição criativa.
Tais agressões governamentais não apenas representam um empecilho às forças de mercado que melhoram a vida de consumidores e facilitam seu acesso a bens e serviços, como também representam um ataque às forças de mercado que aumentam a quantidade de capital em posse de pessoas comuns, permitindo que elas enriqueçam. Em suma, trata-se de uma medida que impede que pessoas comuns se tornem proprietárias de bens de capital — ou seja, que se tornem capitalistas.
Os aplicativos digitais são uma criação de mercado que, sem qualquer política coercitiva de transferência de renda, simplesmente difundem a propriedade do capital, permitindo que qualquer pessoa se torne um capitalista e, com isso, produza e ganha riqueza. Os aplicativos digitais refutam o processo de concentração de capital que pessoas como Piketty dizem estar acontecendo.
Por uma questão de lógica, a esquerda deveria ser uma defensora fervorosa dos aplicativos digitais: eles geraram uma mudança nas relações de produção, permitindo que cada vez mais indivíduos se tornassem proprietários dos meios de produção em vez de ter de trabalhar para terceiros que detêm todo o capital físico necessário para fazer seu trabalho.
Sim, a Uber ainda é a proprietária da plataforma do software que torna possível a conexão entre vendedores (motoristas) e compradores, mas ainda assim os motoristas da Uber detêm seu próprio capital, como ocorria com os artesãos e agricultores da era pré-capitalista. Os motoristas da Uber são livres para escolher os dias e as horas em que querem trabalhar. Eles podem ir ao clube de manhã, ser um autônomo à tarde, dirigir para a Uber no horário do rush, e se dedicarem a novas ideias empreendedoriais após o jantar.
A economia digital não fará com que todos nós viremos Aristóteles ou Goethe. Ela não trará toda a utopia de Marx. Mas ela, ironicamente, parece nos levar para mais perto de vários daqueles objetivos que Marx e outros progressistas diziam e dizem defender. Quando indivíduos comuns se tornam proprietários de seus próprios meios de produção, e com isso não precisam se submeter à estrutura formada pelos atuais proprietários do capital, eles ganham a flexibilidade de explorar várias maneiras de prosperar de acordo com seus próprios meios.
Esse não era exatamente um dos objetivos centrais do socialismo de inspiração marxista? É uma grande ironia que a esquerda defenda tributar os proprietários de capital para ajudar aqueles que não possuem capital e, ao mesmo tempo, não defenda ardorosamente aquelas invenções pacíficas e voluntárias que permitem que pessoas comuns se tornem elas mesmas as proprietárias desse capital.
Fonte: Donald Boudreaux\ Mises.org.br. Disclaimer: A informação contida nestes artigos, ou em qualquer outra publicação relacionada com o nome do autor, não constitui orientação direta ou indicação de produtos de investimentos. Antes de começar a operar no SFN - Sistema Financeiro Nacional o leitor deverá aprofundar seus conhecimentos, buscando auxílio de profissionais habilitados para análise de seu perfil específico. Portanto, fica o autor isento de qualquer responsabilidade pelos atos cometidos de terceiros e suas consequências.