Disputa entre índios e fazendeiros expõe diferentes visões sobre uso da terra
Nos últimos meses de 2012, o conflito entre índios e produtores rurais voltou a ganhar destaque nacional. Principalmente depois de dois episódios ocorridos na Região Centro-Oeste.
Primeiro, a divulgação de uma carta escrita por guaranis kaiowás da comunidade Pyelito Kue, no Mato Grosso do Sul, equivocadamente interpretada como uma ameaça de suicídio coletivo. Em seguida, o início do processo de retirada dos não índios da Terra Indígena Marãiwatsédé, no Mato Grosso, homologada pelo Poder Executivo em 1998.
Diante do risco iminente de confrontos, diversos setores voltaram a discutir a questão da disputa de terra, problema que perpassa toda a história brasileira e do continente americano.
De um lado, os índios reivindicam o reconhecimento dos territórios que afirmam ter pertencido a seus antepassados, para, assim, poderem produzir o necessário à sua sobrevivência, resgatar seus costumes e preservar sua cultura.
De outro, os fazendeiros sustentam que a demarcação de terras vai prejudicar a produção de alimentos sem necessariamente contribuir para melhorar as condições de vida dos índios.
“O que poucos entendem é que, no campo, a terra é a base não apenas do poder econômico e político, mas também do poder cultural. Por isso, ainda há quem concorde com o discurso de que os índios são vagabundos. Ou que são todos uns aculturados que só querem terras para deixar o mato crescer”, diz o jornalista Cristiano Navarro, um dos diretores do documentário À Sombra de Um Delírio Verde, sobre o impacto da produção de etanol para as comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul e a dificuldade de se conciliar os direitos indígenas com os interesses econômicos.
"O modelo que se quer instalar aqui é do século passado e não cabe mais no estado, que vai ser prejudicado. Fora que, por si só, a demarcação não vai melhorar em nada a situação indígena já que ter terra, hoje, não resolve o problema dos índios”, disse à Agência Brasil e à TV Brasil o presidente do Sindicato Rural de Dourados, Marisvaldo Zeuli, destacando as vantagens do modelo de produção agrícola sul-mato-grossense, de larga escala. Modelo graças ao qual o estado se tornou um dos maiores produtores brasileiros de soja, milho, cana-de-açúcar e carvão vegetal.
“Os caras que dizem defender os índios estão os condenando a viver perpetuamente no estado em que se encontram hoje”, disse o produtor Raul das Neves, dono de uma fazenda no município de Rio Brilhante (MS), próximo a Dourados (MS). A propriedade é vizinha de outra em que, entre idas e vindas, cerca de 140 índios guarani-kaiowá vivem acampados desde 2007.
Atualmente, por força de uma decisão judicial, eles estão concentrados em 25 hectares, na aldeia conhecida por Laranjeira Ñanderu, aguardando a decisão final sobre a possível demarcação de uma área que afirmam ter pertencido a seus antepassados. Um hectare corresponde a dez mil metros quadrados, aproximadamente um campo de futebol de medidas oficiais.
“Vivemos na miséria porque não tem mais floresta, nem bicho pra gente caçar. Só tem fazenda com soja e pasto [ao redor das terras que os índios reivindicam]”, diz o cacique de Laranjeira Ñanderu, Farid Mariano. “Podem nos oferecer o que for, o que queremos é permanecer onde nossos antepassados morreram. E vamos permanecer. Para o índio, conforto é ter nossa terra”, acrescenta Mariano, explicando que, se a área for reconhecida, dezenas de famílias indígenas que abandonaram o grupo devido à falta de terras poderão voltar a viver na aldeia devidamente ampliada.
Já o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Eduardo Riedel, sustenta que o direito ao usufruto exclusivo da terra não vai solucionar os problemas dos índios. “A situação das comunidades indígenas é precária e os produtores rurais não questionam isso. Só que a origem do conflito é a fragilidade social, representada pela fome e pela falta de assistência à saúde e à educação em que vivem as comunidades indígenas”, frisou Riedel.
Ele destacou que o setor rural responde por cerca de 18% do Produto Interno Bruto (PIB) estadual – a soma de bens e serviços produzidos no estado. “A criação ou ampliação de áreas indígenas é posta como a única solução, enquanto nós, produtores, somos colocados como bandidos. Se seguirmos a lógica de que [se os índios precisam] de mais terras basta ampliarmos os territórios já demarcados, onde vamos parar? Isso não terá fim nunca”.