Em Inocência, sai o boi e entra a floresta de eucalipto
Economia local migra da pecuária para a celulose; gigante expõe hoje estudo ambiental sobre fábrica
A confirmação da chegada de uma gigante chilena para instalar uma fábrica de celulose em Inocência só acelerou um processo que já vinha se estabelecendo na cidade de 8,4 mil habitantes.
O pequeno município, na região Leste de Mato Grosso do Sul, já vinha sentindo a substituição da pecuária pelo eucalipto para atender as fábricas Eldorado, de Três Lagoas e a Bracell, do interior paulista, mas agora viu disparar o interesse em substituir as propriedades rurais que eram utilizadas para criação de gado por plantações de florestas.
Nesta quinta-feira, a Arauco apresenta em audiência pública na cidade o Rima (Relatório de Impacto Ambiental) sobre o empreendimento, estimado em R$ 28,3 bilhões, para obter licenciamento, com previsão de início das obras em 2025.
A empresa mantém reuniões com lideranças locais para criar conexões. De início havia incerteza entre moradores se de fato o empreendimento se estabeleceria ali, mas hoje isso já é superado, comenta a presidente da Associação Comercial e Empresarial, Mariene Garcia de Freitas. Ela revela que já houve aumento de circulação de pessoas, empresários interessados em investir, em especial em setores como hotelaria, refeição e lavanderia.
Mas desde já se verifica um problema que seria natural e repete o que se verificou em Ribas do Pardo, onde está sendo instalada uma fábrica também de celulose, a Suzano. Há falta de imóveis e os preços inflacionaram. Na cidade e no campo, onde se tornou muito lucrativo arrendar terras para o cultivo do eucalipto.
Rejane Rocha Canevari, dona de uma imobiliária, conta que os preços de imóveis para locação chegaram a dobrar e no meio rural podem chegar ao triplo. Ela coloca anúncios de imóveis na internet e diz receber muitas consultas de pessoas interessadas em investir, já que a cidade dispõe de poucos prédios disponíveis.
Kitinets não ficam mais vazias, a rodoviária sempre tem movimento, muitos trabalhadores chegam para trabalhar nas florestas e em obras, há homens chegando do Norte e Nordeste do País em busca de oportunidades de emprego. Uma rede varejista de alimentos já está se instalando em Inocência, conforme a corretora.
Se por um lado Rejane constata que muitos proprietários rurais estão segurando seus imóveis em busca de valorização dos preços, o pecuarista Ivan Leal de Paula conta que dois vizinhos já abandonaram a atividade e arrendaram suas áreas. Ele reconhece que o arrendamento é bem vantajoso e tentador, mas vai permanecer criando gado em sua propriedade de 450 hectares.
Ele admite temor com preços baixos da carne, preocupação com mudanças na política econômica, mas diz pensar a longo prazo, em manter sua terra com pastagens. Releva temer o plantio de floresta e depois não ser fácil o solo voltar a receber pasto.
O lucro para o proprietário com o arrendamento da terra para florestas possibilita iniciar a pecuária em outra cidade da região com investimentos menores, como Camapuã e Figueirão, e ainda ter receita do que receber, analisa Rejane.
Leal de Paula aponta que o Sindicato Rural, do qual é secretário, não chegou a debater o assunto com os criadores. Conforme ele, proprietários de fazendas que não moravam na cidade, muitos do estado vizinho São Paulo, entregaram suas terras e já nem voltam mais. O fenômeno deve atingir cidades vizinhas, como Paranaíba, acredita.
Mariene conta que tem uma loja de produtos agropecuários. Ela já sentiu necessidade de reinventar o negócio, apostando em pequenos animais, uma vez que muitos pecuaristas foram embora e as vendas diminuíram. Para ela, um desafio é estimular o consumo local, porque, segundo revela, hoje 64% das pessoas compram produtos fora.
A dirigente lojista aponta que o Sebrae está em contato com os empresários, oferecendo suporte e divulgando as oportunidades que podem surgir. A própria Arauco fez parceria com o IEL para despertar potenciais fornecedores em cidades da região.
Pensando adiante – Em entrevista no começo deste ano, o prefeito da cidade, Antônio Ângelo dos Santos, revelou a expectativa com o empreendimento, que deverá fazer a cidade saltar da 48ª para uma posição entre a 6ª e a 10ª economia do Estado.
Uma das consequências imediatas deve ser a elevação da média salarial, uma vez que os vencimentos pagos na indústria são mais altos. Conforme constou no Rima apresentado pela Arauco, Inocência tinha em 2021 a média de 1,9 salário-mínimo, enquanto a vizinha Três Lagoas, que já tem investimentos industriais, a média é de 2,9 salários mínimos por trabalhador.
No mês passado, o prefeito foi com o governador Eduardo Riedel e outras autoridades conhecer a fábrica que a Arauco instalou em Concepción, uma pequena cidade no Chile, e foi possível fazer um paralelo do impacto econômico e social que deve surgir em Inocência. Na ocasião, Riedel comentou que os moradores deverão ter calma, tranquilidade e foco durante a implantação, já que a cidade passará por uma transformação, para que “na maturidade do projeto a gente tenha a oportunidade de emprego e renda para o desenvolvimento de MS”.
Como a principal dirigente do setor empresarial na cidade, Mariene também aposta nisso. Ela espera que haja diversificação e ampliação de atividades, como a chegada de uma escola particular, aumento de serviços privados de saúde e novas opções de lazer para a comunidade. Ela também torce para que os funcionários com maiores cargos residam na cidade, para aumentar o consumo local.
Canteiro de obras- A Arauco ainda está na fase de licenciamento ambiental para iniciar suas obras, mas a área já foi escolhida, a 35 quilômetros da cidade, rumo a Água Clara. Desde já a cidade vivencia empreendimentos relacionados à celulose. Na margem da BR-158, perto de onde fica o trevo de acesso à Inocência, há uma imensa obra da Suzano.
Ali está sendo construído um porto seco, um entreposto para a chegada da celulose que será produzida em Ribas do Rio Pardo e levada por caminhões para embarque em trem para seguir rumo ao porto de Santos. A empresa ainda não detalha o empreendimento, mas quem passa pela rodovia já verifica muitos caminhões e maquinário dando forma ao projeto.
O governo estadual também tem obras na região, para atender os empreendimentos que passaram a se ampliar na área leste do Estado, que passou a ser chamada Vale da Celulose.
A Prefeitura adquiriu uma área e a Secretaria de Infraestrutura e Logística vai construir um aeródromo, que está na fase de projeto executivo. Além disso, a pasta estadual informou que será pavimentando o acesso da cidade à Costa Rica, passando por Chapadão do Sul, obra dividida em três fases, e acesso a Água Clara (MS-377), uma vez que a fábrica ficará entre as duas cidades. Hoje a ligação é via BR-158, que se encontra com a BR-262 logo após Água Clara.
Audiência pública- Na audiência desta noite, a Arauco vai detalhar como será sua fábrica, a alocação dos equipamentos, alojamentos dos funcionários, os impactos no meio ambiente com o processo industrial, como o uso e destinação final da água do Rio Sucuriú, e medidas para mitigação. Somente mais adiante deve divulgar compensações para a cidade, como parcerias com a Administração Pública para ampliar serviços à comunidade.
Conforme o Rima, na fase das obras, serão 12 mil pessoas trabalhando no auge; com a empresa já instalada, a operação envolverá 1.070 empregos, próprios e de terceiros.
Para acompanhar a audiência pública desta noite, acesse o canal do Imasul.