Barulho das chamas parecia tempestade, diz fotógrafo sobre cobertura no Pantanal
Chuva controla os focos, mas registros do fotógrafo Gustavo Basso mostram o que foi a pior destruição em décadas
Surreal e irônico, são as palavras que o jornalista e fotógrafo Gustavo Basso usa para descrever o que é estar cara a cara com o fogo que consome o Pantanal. Em agosto, durante 11 dias, o paulista esteve no Pantanal para cobrir os focos de incêndio. O resultado foram fotos incríveis num contexto tão adverso.
Jornalista há oito anos, foi depois de ser demitido que Gustavo descobriu o caminho do trabalho como freelancer, ao participar de um treinamento para jornalistas em áreas de conflito. Na ocasião, conheceu muita gente boa e fez os contatos certos.
Pessoalmente, o jornalista nunca tinha vindo ao Pantanal. Tinha passado por Miranda na cobertura da covid-19. Foi quando recebeu fotos de outro grande jornalista, Yan Boechat, que sentiu vontade de fotografar a realidade tão triste que devasta o bioma Pantanal.
Baseou-se em Poconé, no Estado vizinho, à época em que o fogo estava mais concentrado no Pantanal mato-grossense. Foi próximo à Transpantaneira que desenvolveu seu trabalho.
"Estava com carro alugado, pegava um pouco de informação, combinava com o pessoal de resgate de animais, que eram todos voluntários, e em outros momentos, ia atrás dos bombeiros", resume Gustavo.
Foi logo no primeiro dia de fotografias e entrevistas que a ficha da proporção dos incêndios caiu. "O impacto maior foi logo no primeiro dia, quando dei de cara com o maior fogo que encarei durante todos os dias. Era um mar de chamas vindo para cima da gente e foi aí que eu tomei noção da violência do negócio", descreve.
"Se a gente que tem toda a informação, roupa, carro para fugir, enfim, a racionalidade, fica assustado, imagina toda essa população animal que não faz a menor ideia do que está acontecendo e é engolido do nada? É muito violento".
Sobre sentir medo, Gustavo conta que viveu a sensação e precisava estar atento a cada segundo. "Quando você está fotografando, está olhando um só lugar, um ponto e de repente as chamas dão a volta e te pegam. Neste momento eu ficava alerta 360º, porque podia vir uma chama de um lado ou de outro".
Em 11 dias, Gustavo Basso calcula ter feito pelo menos 650 fotos. A rotina da cobertura jornalística era de acordar cedo, acompanhar na base de operações o mapa para saber onde estavam concentradas as chamas e partir para as fotos.
Passava o dia fotografando, conversando com as pessoas envolvidas no trabalho de combate ao fogo até retornar ao hotel e ficar editando fotos por cerca de 3h. "Na hora que eu estou fotografando, estou tão concentrado que não dá para sentir o ambiente, a hora que eu vou editar, que revivo tudo aquilo. É quando dá para sentir e você transforma isso em palavras", explica. Já para as entrevistas, o caderninho era o principal companheiro.
Se o fogo se assemelha com uma cobertura de área de conflito e até mesmo guerra, o fotógrafo diz que se for estabelecer uma relação, é quanto ao esforço no combate. "A luta para apagar o fogo é semelhante a um combate, só que é um combate no qual você está destinado a perder. Durante o dia, você vê os bombeiros sendo derrotados, é enxugar gelo. Se apaga à noite para depois perder durante o dia".
Com os focos de queimada diminuindo, Gustavo fala que gostaria de voltar para fazer essa cobertura e também vir a turismo. "Imagino que durante a época de cheia, seja uma paisagem bem mais interessante", espera.
Entre fotos e relatos, Gustavo escreveu para a National Geographic e ainda reúne imagens no Instagram.
Uma lembrança, porém, que certamente permanecerá tão viva e eterna quanto as fotos: "Uma coisa que eu nunca vou esquecer, que me bateu logo de cara, é o episódio das chamas e como parece o barulho de tempestade. É surreal e icônico, porque você está ali, a mata sendo consumida pelo fogo e o barulho muito parecido de tempestade".